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LIÇÕES CONTEMPORÂNEAS
2004, o ano da virada
ALOIZIO MERCADANTE
O Brasil sofreu, ao longo dos
últimos anos, um processo
de fragilização estrutural que nos
expôs a sucessivas crises. Na raiz
desse processo está a aventura do
"populismo cambial" do período
1995/98. Quatro anos de ajuste fiscal recessivo financiado por um
aumento sem precedentes da carga tributária (20% de 1999a 2002)
e pela compressão da renda dos
trabalhadores, via aumento do
desemprego e queda dos salários
reais, foram insuficientes para reverter os desequilíbrios gerados
naquele período. Pelo contrário,
como a política monetária ortodoxa esterilizava o esforço fiscal,
o endividamento público continuou se expandindo aceleradamente. A relação dívida líquida-PIB, que tinha alcançado 41,7%
em 1998, fechou 2002 em 56,5%.
A exacerbação dos desequilíbrios cambial e fiscal ao longo de
2002 fragilizou ainda mais a economia brasileira e "blindou" o
modelo de política econômica até
então adotado, impondo severas
restrições ao novo governo. Este
foi obrigado a priorizar, em uma
primeira fase, o controle da inflação, que havia batido a casa dos
30% (acumulado em 12 meses) ao
final de 2002, e o restabelecimento das linhas de financiamento
externo do país, que praticamente tinham sido interrompidas.
As medidas adotadas pelo governo do presidente Lula possibilitaram o refluxo do chamado risco-país, que de um patamar de
2.400 pontos em setembro/outubro do ano passado caiu para menos de 500 pontos na atualidade,
e o restabelecimento do crédito
externo, com a rolagem das dívidas das empresas alcançando níveis confortáveis e prazos mais
longos. O dólar recuou de R$ 3,95
em outubro de 2002 para cerca de
R$ 2,90, e a taxa de inflação projetada para 12 meses caiu consistentemente, situando-se atualmente em torno de 6% ao ano.
Os avanços na reversão da crise
cambial abriram caminho para a
diminuição da taxa básica de juros em nove pontos percentuais
de junho até novembro passado,
reduzindo-se consequentemente
o custo de rolagem da dívida pública. Mas a taxa de 17,5% ainda
é muito elevada -equivale a cerca de 11,5% em termos reais-, situando-se muito acima dos padrões aceitáveis para uma economia em desenvolvimento.
O governo adotou também uma
série de medidas para a redução
dos juros na ponta, incluindo programas de microcrédito e de crédito cooperativo, juros baixos para crédito com garantia salarial,
linhas especiais de crédito para os
aposentados e financiamento em
condições mais favoráveis para os
pequenos produtores rurais, para
os assentamentos da reforma
agrária e para as pequenas e as
microempresas.
A forte expansão das exportações -20% até novembro de
2003 ante só 1% de crescimento
das importações-, resultante de
uma política comercial mais
agressiva e centrada na defesa
dos interesses nacionais, possibilitou um saldo comercial superior a
US$ 22 bilhões, o que permitiu
aliviar a pressão sobre as contas
externas e gerar um excedente
nas transações correntes com o
exterior -passamos de um déficit de US$ 8 bilhões em 2002 para
um superávit de cerca de US$ 3
bilhões em novembro passado-
que está lastreando o aumento
das nossas reservas líquidas.
Estabilizado em termos globais
o quadro macroeconômico, a
grande questão que se coloca para o país é a retomada do crescimento. Crescer e combinar o crescimento com políticas de renda,
de emprego e de universalização
dos serviços básicos é essencial para viabilizar a superação das fragilidades estruturais que herdamos e avançar na construção de
um novo padrão de desenvolvimento com justiça social, que é
um compromisso fundamental
do governo do presidente Lula.
Não há crescimento econômico
sem investimento. E, embora o
capital estrangeiro possa ser um
complemento importante, o esforço de investimento, em um país
como o nosso, tem de ser fundamentalmente endógeno. Alguns
passos nessa direção já foram dados: o BNDES reorientou suas atividades para dar suporte à expansão da capacidade produtiva
industrial e das exportações; o
programa de habitação, financiado pela Caixa Econômica Federal, contribuirá para a revitalização da indústria da construção e
do emprego; a reforma tributária
permitirá desonerar os bens de
capital e os bens de consumo popular e também simplificar e reduzir a cumulatividade do sistema tributário; o governo está definindo regras estáveis e transparentes para os serviços produtivos
básicos e está propondo um novo
esquema de parceria com o setor
privado para alavancar investimentos em infra-estrutura.
Paralelamente, ampliaram-se
os alcances da política social com
diversas ações e programas, como
o Brasil Alfabetizado, o Bolsa-Família, que beneficiará 3,6 milhões
de famílias ainda neste ano, e o
Luz Para Todos, que até 2008
atingirá 11,5 milhões de famílias.
Apesar das muitas dificuldades
que ainda enfrentamos, os avanços realizados permitem projetar
para 2004 uma perspectiva bastante positiva. Estamos virando o
jogo e reconstruindo o equilíbrio
fiscal, agora a partir do crescimento, e não da recessão.
Aloizio Mercadante, 49, é economista e
professor licenciado da PUC e da Unicamp, senador por São Paulo, secretário
de Relações Internacionais do PT e líder
do governo no Senado Federal.
E-mail -
mercadante@senador.gov.br
Internet:
www.mercadante.com.br
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