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ANÁLISE
A sobreliquidez internacional e os riscos para o Brasil
DANIELA MAGALHÃES PRATES
ESPECIAL PARA A FOLHA
O contexto atual de sobreliquidez internacional iniciou-se em novembro de 2002,
quando o corte de mais 0,5 ponto
percentual da taxa de juros americana estimulou os investidores
globais a buscar aplicações de
maior rentabilidade.
A redução aconteceu num ambiente de juros historicamente
baixos nos EUA e na Europa e de
desilusão com as aplicações em
ações, após o estouro da bolha
acionária e a sucessão de fraudes
contábeis naquele país.
Desde então, as condições adversas de financiamento externo
para os países emergentes, que
predominaram ao longo de 2002,
se reverteram.
No segundo semestre de 2003,
as expectativas mais consistentes
de retomada do crescimento econômico mundial em 2004 têm alimentado esse novo ciclo de abundância de recursos, que transparece em vários indicadores: o aumento significativo das aplicações
nos fundos de investimento especializados em mercados emergentes e a valorização generalizada das respectivas Bolsas; a forte
queda dos "spreads" dos títulos
emitidos por residentes nesses
mercados e, assim, dos respectivos riscos-países; a onda recente
de elevação de notas de títulos.
De acordo com gestores e analistas internacionais, a alta recente
nos mercados emergentes é uma
das mais fortes da história.
O Brasil tem sido particularmente beneficiado neste período
de boom. Além da continuidade
do movimento de ajuste do risco
Brasil, que havia atingido patamares excessivamente altos em
2002, a elevação dos "ratings" da
Rússia e do México para a categoria "grau de investimento" pelas
agências de classificação de risco
fomentou a demanda por títulos
externos brasileiros, devido à sua
maior rentabilidade e liquidez no
mercado de títulos emergentes
sem grau de investimento.
Apesar de a agência Fitch ter
elevado o "rating" da dívida soberana brasileira em moeda estrangeira de longo prazo em uma escala ("B" para "B+"), em novembro, e da agência Standard &
Poor's ter alterado sua avaliação
para essa dívida de estável para
positiva na semana passada, ainda falta um longo percurso para
que os títulos brasileiros sejam alçados a "grau de investimento".
Na realidade, mais uma vez a
economia brasileira tem surfado
numa onda de liquidez internacional que não deve demorar para
terminar. Vários analistas projetam o fim do boom para meados
de 2004, em decorrência da provável elevação dos juros nos EUA,
em resposta seja ao elevado déficit
externo, seja às pressões inflacionárias associadas à retomada do
crescimento econômico, seja ao
maior endividamento público.
Assim, essa estratégia é de alto
risco, ainda mais numa economia
como a brasileira, com elevada
vulnerabilidade externa. Apesar
da melhora dos indicadores de liquidez e solvência externas no
terceiro trimestre deste ano, eles
ainda se encontram em patamares muito elevados. A melhora se
deve, em grande parte, a fatores
conjunturais.
Considerando um conjunto de
emergentes que também enfrentaram crises cambiais nos anos 90
(Coréia do Sul, Tailândia, México,
Rússia), a gravidade da situação
externa da economia brasileira fica evidente: enquanto em junho
de 2003 nosso indicador de "liquidez da dívida externa de curto
prazo sobre reservas internacionais líquidas" era superior a 1 e o
de "solvência da dívida externa
sobre exportações" ultrapassava
3, naqueles países eles não atingiam 0,6 e 0,7, respectivamente.
Daniela Magalhães Prates é pesquisadora e professora do Cecon (Centro de
Conjuntura do Instituto de Economia da
Unicamp)
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