|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
RISCO
Analistas já falam na formação de bolha no mercado de títulos de países em desenvolvimento e recomendam cautela
Emissão de emergentes foi recorde em 2003
ÉRICA FRAGA
DA REPORTAGEM LOCAL
Empresas, bancos e governos de
países emergentes conseguiram,
por meio de emissões de dívida
externa, expressivos US$ 216,8 bilhões em 2003. Dados levantados
pela consultoria Thomson Financial, a pedido da Folha, revelam
que o volume é o maior registrado
anualmente em uma série iniciada em 1997.
Nos últimos meses, essa tendência tem se acentuado. No mês
passado, por exemplo, o total de
emissões de bônus por esses mercados foi de US$ 25 bilhões, também o melhor desempenho para
o mês de janeiro na série.
Esse resultado já motiva alguns
analistas a usar a temida palavra
"bolha"- alta excessiva sem base
em fundamentos sólidos- para
descrever o movimento.
"Há uma bolha em formação
nesse mercado, provocada pelo
excesso de recursos de investidores dispostos a assumir mais riscos por conta das baixas taxas de
juros nos países desenvolvidos",
diz o economista David Anthony,
diretor da Economist Intelligence
Unit (EIU), prestigiado centro de
pesquisa britânico.
Embora as condições econômicas dos países emergentes tenham
melhorado nos últimos anos, a
base de comparação para o boom
recente de captações assusta alguns analistas. Os volumes atuais
são comparáveis aos registrados
antes do estouro da crise da Ásia,
em agosto de 1997.
Na época, um período de forte
fluxo positivo de recursos foi sucedido por uma fuga de investidores, que, repentinamente, se
deram conta das enormes fragilidades econômicas e institucionais
dos países da região, detonando
uma crise financeira que contaminou os demais emergentes.
Hoje, as duas principais dúvidas
são: o que pode motivar a reversão dessa forte entrada de recursos nos países em desenvolvimento e, sobretudo, quais seriam
os impactos da mesma. Já a certeza predominante entre analistas é
que, mais cedo ou mais tarde, essa
inversão de tendência virá.
Gatilhos
Na opinião de Anthony, uma
eventual crise em algum país
emergente ou o esperado início
da elevação da taxa de juros nos
Estados Unidos podem ser os gatilhos de uma mudança no atual
panorama dos movimentos de
capitais globais.
Questionado sobre a possibilidade do estouro de uma crise em
algum território dito emergente, o
economista da EIU diz: "Sempre
há algum risco. Agora, nós estamos um pouco preocupados, por
exemplo, com problemas do sistema bancário da Coréia do Sul".
Predomina entre analistas, no
entanto, a expectativa de que o
provável é que os investidores só
reduzam sua exposição a países
emergentes quando começar o
movimento de alta de juros nos
EUA. Discurso de Alan Greenspan, presidente do Fed (Federal
Reserve, o banco central norte-americano), denotou que o processo de início da alta ainda deverá tardar um pouco.
Isso trouxe alívio aos analistas
de mercados que, há duas semanas, haviam concluído o contrário de um comunicado do Fed, o
que provocou uma reviravolta
nos fluxos de recursos para emergentes. O risco-país -medida da
diferença entre os juros cobrados
de governos de países em desenvolvimento e os pagos pelos
EUA- do Brasil chegou a subir
de cerca de 430 pontos para quase
600 pontos em poucos dias.
O movimento, generalizado entre países emergentes, indicou os
possíveis estragos de uma elevação de juros pelo Fed.
Na percepção de alguns analistas, o problema maior é que o forte fluxo de dinheiro captado por
empresas, bancos e governos
emergentes nos últimos meses fez
as taxas de juros de seus títulos recuarem mais do que o valor justo,
de acordo com os fundamentos
de suas economias.
Ninguém se arrisca a dizer
quanto seria esse valor justo. Mas
a queda do Embi+, índice dos riscos de países emergentes calculado pelo JP Morgan, de 750 pontos,
no fim de 2002, para o atual patamar de 430 pontos é vista como
excessiva. Os recuos nos riscos
dos países variaram de 50% a 60%
no mesmo período.
A expectativa, baseada no recente discurso de Greenspan, é
que um ajuste mais forte só ocorrerá em 2005. Mas analistas já se
esforçam para tentar avaliar quais
serão as conseqüências econômicas desse movimento.
A conclusão é que tudo dependerá da velocidade da alta de juros
lá fora -quanto maior, pior- e
das particularidades de cada país.
Lado bom
Segundo Carlos Geraldo Langoni, diretor do Centro de Economia Mundial da Fundação Getúlio Vargas (FGV), muitos mercados emergentes contabilizaram
melhoras nos seus fundamentos
econômicos nos últimos anos.
"A maioria dos países tem hoje,
por exemplo, câmbio flutuante",
afirma o economista, ex-presidente do Banco Central.
Esse regime permite que fortes
saídas de recursos se traduzam
em um câmbio mais desvalorizada e em um aumento das exportações que, em parte, compensam a
sangria financeira. O problema é
que ajustes desse tipo não costumam parar por aí. Câmbio mais
desvalorizado pode ser sinônimo
de inflação, alta de juros e ameaça
ao crescimento.
Para as empresas, os maiores
riscos são dificuldades para ter
acesso a novos créditos a fim de
poder pagar as dívidas contraídas
e tocar os projetos iniciados.
Com cautela
Segundo Drausio Giacomelli,
do JP Morgan, ainda que arriscado, o boom das emissões é praticamente inevitável:
"É natural que os países se aproveitem para emitir papéis a juros
mais baixos em períodos de grande liquidez", afirma.
Mas analistas recomendam hoje
um pouco mais de cautela a governos e empresas ao recorrer ao
mercado externo para que os custos do ajuste lá na frente não sejam tão altos.
"Ainda que em níveis diferentes, a grande maioria dos países
emergentes ainda apresenta muitas vulnerabilidades, o que potencializa o custo de possíveis ajustes
no balanço de pagamentos. Acho
que o ideal é que esses países comecem a recorrer ao mercado
com mais cautela", diz Anthony.
Texto Anterior: Luís Nassif: O verdadeiro Zé Carioca Próximo Texto: Frase Índice
|