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LUÍS NASSIF
O verdadeiro Zé Carioca
Uma das preciosidades que
tenho em minha coleção de
discos é um LP, acho que do início dos anos 80, com gravações
originais de 1931 do grande João
Pernambuco -um dos pais do
violão brasileiro- acompanhado por Zé Carioca ao violão, ou
Zezinho do Banjo, como era conhecido então.
A baixaria de Zezinho, no
acompanhamento, era da maior
competência, especialmente no
clássico "Interrogando". No entanto tornou-se internacionalmente conhecido por volta de
1940, por ter dado a voz ao personagem Zé Carioca, criado por
Walt Disney com a ajuda dos
cartunistas Luiz Sá e J. Carlos.
Na semana passada, no dia 11,
foi o centenário de nascimento
de Zezinho. Nascido em Jundiaí,
começou como classificador de
cobras do Instituto Butantan, até
se decidir pela música.
Valho-me, nesta coluna, da
competentíssima biografia de
Zezinho, escrita para o site Samba-Choro pelo pesquisador Jorge
Carvalho de Mello.
José Patrocínio de Oliveira, seu
nome de batismo, era um multiinstrumentista, que começou a
carreira em São Paulo. Fez parte
de uma geração histórica de instrumentistas paulistas, composta
por Américo Jacomino, o Canhoto, Armandinho das Neves e João
Sampaio. Tocava banjo, cavaquinho, violão, violão tenor e até
a abominável guitarra havaiana.
Em março de 1928, Canhoto
organizou uma orquestra típica
de cordas para um salão do automóvel da General Motors no
Cine Odeon. Participavam da
orquestra Armandinho, João
Sampaio, Mota, Carlinhos, nosso
Zezinho e um menino franzino
de apenas 12 anos, de nome Aníbal Augusto Sardinha, que passou a ser conhecido desde então
como Garoto do Banjo. Não é
coincidência que, anos depois,
Garoto, um dos mais importantes instrumentistas brasileiros do
século 20, surgisse tocando a
mesma gama de instrumentos.
De 1929 a 1931, Zezinho participou de 120 gravações pela gravadora Columbia. São desse período as dez gravações com João
Pernambuco, outras dez com Paragaçu, com Jaime Redondo, Januário de Oliveira (personagem
que merece ser redescoberto), Jararaca, entre outros.
Em 1931, o jornal "A Gazeta"
promoveu um concurso por voto
direto dos melhores instrumentistas paulistas. Zezinho venceu
na categoria banjo, com 117.323
votos. Em sexto lugar ficou Garoto, ainda menino, com 9.746. Segundo o levantamento de Mello,
os demais vencedores foram Gaó
ao piano, Alberto Marino (autor
da melodia de "Rapaziada do
Braz") ao violino, Nabor Pires
Camargo ao clarinete, entre outros.
Em 1933, Zezinho seguiu para
o Rio, onde foi integrar o cast da
rádio Mayrink Veiga, levado por
César Ladeira, que funcionava
como uma espécie de embaixador da música paulista no Rio.
Mello traz uma informação preciosa. Em 1936, com Garoto, Nestor Amaral e Laurindo de Almeida, Zé Carioca participou de
uma turnê que passou por várias
capitais européias. Em Paris, o
grupo assistiu a uma apresentação do violinista Stephan Grapelli e o guitarrista belgo Django
Reinhardt, episódio fundamental para a modelagem do futuro
estilo de Garoto.
Zezinho volta a São Paulo, incorpora-se novamente ao mundo musical paulista -do qual
resta vivo ainda o violonista Antonio Rago- e, depois, entra para a orquestra de Romeu Silva, o
primeiro "band leader" brasileiro a excursionar pelo mundo.
Foi com a orquestra para uma
apresentação nos EUA, onde
reencontrou Garoto, que extasiava os norte-americanos solando violão tenor nos shows de
Carmen Miranda. Garoto voltou, Zezinho ficou e acabou se
incorporando ao Bando da Lua
-o conjunto liderado por Aloysio Oliveira, que acompanhava a
cantora. Quando Disney criou
Zé Carioca, por volta de 1943,
descobriu por acaso o modo de
valor de Zezinho do Banjo, que
passa a emprestar sua voz para o
personagem. Foi a voz do bicho
em "Alô, Amigos" e "Você já foi à
Bahia?".
Segundo Mello, Zé Carioca tem
um filho nos Estados Unidos com
um amplo acervo sobre as obras.
Está mais que na hora de criar
uma Academia Brasileira da
Música, para guardar a memória e a arte dos que ajudaram a
criar a melhor música popular
do planeta.
E-mail - Luisnassif@uol.com.br
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