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SONHO DISTANTE
Redução de consumo atinge entretenimento, empregados e até pizzaria; frequência de academias cai 40%
Do táxi ao clube, paulistano corta gastos
ADRIANA MATTOS
MAELI PRADO
DA REPORTAGEM LOCAL
Na tentativa de se ajustar a uma
renda cada vez mais escassa e emprego em falta, a classe média cortou o que pôde. Levantamentos
mostram que teatro, cinema e
gastos com clubes foram limados
da lista de necessidades. Empregada doméstica, restaurantes e até
gastos com táxis também foram
alvo da tesourada.
Houve, por exemplo, uma queda superior a 40% no total de pessoas da classe média que frequentava academias em 2002, em relação ao ano anterior. As idas ao
teatro reduziram-se: caiu 20% o
número de pessoas com renda alta que assistem a peças.
O Instituto Ipsos-Marplan de
pesquisa chegou a esse número
analisando os hábitos de consumo de entrevistados de diferentes
faixas de renda em nove regiões
metropolitanas do Brasil.
Segundo dados obtidos pela Folha com associações que representam esses setores, cruzados
com a análise da instituição, apenas os gastos com viagens no final
de semana e com livros apresentaram um certo crescimento.
Pega-se o exemplo dos hábitos
de consumos em restaurantes e
percebe-se a mudança. A Abred
(Associação Brasileira dos Restaurantes Diferenciados) apurou
uma queda no gasto por cabeça
da família de classe média em restaurantes paulistas.
Passou de R$ 30 por pessoa há
cerca de dois anos para algo entre
R$ 18 e R$ 20 em 2003. "Para
adaptar a conta ao bolso, até o
couvert [entrada] empobreceu",
diz Joaquim Saraiva, presidente
da associação.
Churrascarias e pizzarias -local de frequência constante dessa
classe econômica- perderam
público, segundo a entidade.
"Num dia de bom movimento,
atendemos 300 mesas. Atingíamos esse número até 1998. Agora,
não chega a 130 mesas", diz Amarildo Oliveira, gerente da Churrascaria OK, de São Paulo.
Calote nos clubes
Cresceu a dificuldade de o brasileiro manter padrões de vida conquistados no passado. Entre eles,
está a ida ao tradicional clube de
de cidade ou de campo.
A inadimplência da classe média em alguns desses locais subiu
em São Paulo. Os clubes não comentam a situação abertamente
pois preferem manter a discrição.
Mas o balanço financeiro do Esporte Clube Pinheiros, que reúne
parte da elite de São Paulo, mostra
que a inadimplência passou de R$
1,392 milhão em 31 de dezembro
de 2002 para R$ 1,832 milhão em
28 de fevereiro deste ano. Um aumento de 31,5% em dois meses.
Se o sócio não paga, é preciso
negociar. E já admite-se em alguns clubes, como o Paineiras do
Morumbi, na zona sul da capital,
que a dívida seja parcelada em até
12 vezes, no máximo.
E o pior: nesse caso, isso nada
tem a ver com elevação nas mensalidades, mas com a simples falta
de recursos mesmo. As mensalidades subiram, de junho de 2002
a maio de 2003, cerca de 11% (no
período, a inflação foi de quase
15%).
"Percebe-se claramente uma
mudança de comportamento. Se
no passado o sócio parava de ir ao
clube ou à academia por preguiça,
mas continuava pagando, agora
ele pára de pagar e de ir", diz Fernando Rosa, diretor de marketing
da ACM, instituição com várias
unidades espalhadas no Brasil.
Nos dois últimos anos, a classe
média "fugiu" para clubes mais
baratos e academias de bairro, diz
Rosa. A ACM, por exemplo, perdeu cerca de 10 mil sócios.
"A crise já nos ajudou mais.
Quando a coisa apertava, pessoas
de maior poder aquisitivo chegavam a nos procurar mais. Agora
todos aparecem aqui com o papelzinho na mão, comparando
valores", diz.
Praça no aperto
Dependente das camadas de
maior poder aquisitivo, nem mesmo o ramo de táxis passa ileso.
"Os taxistas faturam hoje 70% do
que faturavam há um ano. A inadimplência está na casa dos 10%,
quando o aceitável seria 2%", diz
Natalício Bezerra, presidente do
sindicato da categoria.
Bezerra acredita que o calote
elevado seja resultado da dificuldade que o brasileiro enfrenta,
num primeiro momento, de ajustar o tamanho do salário aos gastos, quando esses disparam rapidamente.
Uma das tentativas de adaptar o
orçamento à renda está no corte
da TV a cabo. A fuga do feijão
com arroz da televisão aberta,
proporcionada à classe média pela opção da TV paga, também foi
prejudicada do ano passado em
comparação a 2001.
A queda no número de assinantes - 95% deles são de classes A e
B- foi de 0,64% para a chamada
classe média alta, segundo a pesquisa do Ipsos-Marplan.
Dados da PayTV Survey, da editora Glasberg, que edita a revista
"PayTV", apontam que a retração
continua ocorrendo em 2003. No
primeiro trimestre deste ano, o
número de assinantes foi de 3,47
milhões, ante 3,42 milhões no
mesmo período do ano passado.
Especialistas analisam que o
tombo só não é maior por causa
do surgimento de novas operadoras no mercado, que oferecem cobertura em nichos novos, como
cidades do interior.
"Os números mostram que o
mercado está praticamente estagnado. Mas isso é até positivo em
comparação com o consumo de
outros segmentos", diz Alexandre
Annenberg, diretor executivo da
ABTA (Associação Brasileira de
Televisão por Assinatura).
Fuga nos livros
As pessoas estão assistindo menos a TV paga, mas em compensação estão lendo mais. Números
da Câmara Brasileira do Livro
mostram que o aumento de unidades vendidas foi de 7% no ano
passado em comparação com
2001. A classe média contribuiu
para essa evolução: o aumento foi
de 12,59%, segundo o levantamento do Ipsos-Marplan.
"Historicamente em épocas de
crise há aumento nas vendas de livros. É uma alternativa mais acessível de diversão ou mesmo de especialização", diz Pedro Herz, da
livraria Cultura.
Outra opção da qual a classe
média está lançando mão para se
divertir sem grandes gastos é ir ao
cinema. Segundo a rede UCI, a
frequência anual vem aumentando em 2% -ou seja, 170 mil pessoas a mais- desde 2001.
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