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ANÁLISE/ECONOMIA AMERICANA
A maculada herança de Alan Greenspan
DO "FINANCIAL TIMES"
À primeira vista , a economia dos Estados Unidos parece estar funcionando alegremente. Por exemplo, os números
anunciados na sexta-feira sobre
as vendas do varejo mostraram
um crescimento de 0,8% em agosto na comparação com julho.
Mas os investidores estão nervosos, e os empresários norte-americanos, insatisfeitos. Mais
importante é que todos sabem
agora que o boom do final dos
anos 90 não era tão vigoroso
quanto se alardeava à época.
O vigor continuado do consumo, nesse clima, é altamente
questionável; uma estagnação
econômica prolongada é possível,
e o mesmo vale para uma segunda
recessão, se os consumidores mudarem de atitude, percebendo
que tomaram empréstimos e realizaram gastos muito superiores
aos que a prudência justificaria.
Banco dos réus
Quando as expectativas são desapontadas, o instinto natural é
procurar alguém que arque com a
culpa. No topo da lista está Alan
Greenspan, o presidente do Federal Reserve (Fed, o banco central
dos Estados Unidos).
A acusação contra Greenspan é
simples. O presidente do Fed permitiu que fosse inflada a bolha nas
Bolsas de Valores, alimentada pelo endividamento dos investidores. E o estouro subsequente
ameaça criar um período de debilidade econômica continuada.
Greenspan rejeita essa acusação
frontalmente: não era possível
perceber a bolha até que ela tivesse explodido, afirma ele; e, mesmo que as taxas de juros tivessem
sido elevadas para impedir a festa
nos mercados de ações, o sofrimento causado por essa medida
teria sido pior do que os problemas atuais.
Sabedoria tardia
Nenhum júri razoável chegaria
a um veredicto rapidamente.
Primeiro, as decisões de política
monetária são tomadas em condições incertas e com base nas
melhores informações disponíveis em cada dado momento. Sabedoria retrospectiva não deveria
causar impressão a ninguém.
Segundo, os famosos pronunciamentos oraculares de Greenspan permitem que ambos os lados citem suas antigas declarações de maneira seletiva -poucas pessoas incluem em seus discursos tantas cláusulas de exceção
quanto o presidente do Fed.
Terceiro, o desfecho final da bolha de ativos ainda não é sabido, e
talvez demore ainda bastante
tempo, vários anos, para que ele
se revele por completo.
Quarto, é impossível dizer o que
teria acontecido se políticas alternativas tivessem sido adotadas.
Migalhas de confiança
Mas essas dificuldades não são
intransponíveis.
Primeiro, os indícios contradizem a defesa de Greenspan. As
transcrições das discussões do
Comitê Federal de Open Market
(o conselho monetário do Fed)
demonstram que o presidente do
Fed não hesitava em falar alegremente de bolhas e de maneiras de
estourá-las, em setembro de 1996.
Segundo, Greenspan talvez tenha perdido de vista o mais importante conceito para um dirigente de banco central: a cautela.
De uma referência a "exuberância
irracional", em 1996, seu entusiasmo cresceu até que, em 2000, ele
estava falando regularmente de
"uma aceleração nas inovações
vista apenas uma vez por século",
de um "período crucial para a história econômica norte-americana" no qual "não vejo nada que
sugira que essas oportunidades
(de um alto índice de retorno dos
investimentos) se dissiparão em
curto prazo".
Isso foi prejudicial porque, à
medida que a bolha especulativa
se inflava, os mercados eram reconfortados por essas migalhas
de confiança incomum, servidas
por Greenspan.
Terceiro, Greenspan está protestando demais. Erros nas previsões são de esperar, de modo que
decisões tomadas com base em
indícios incertos às vezes não sejam corretas. Mas Greenspan hesita em admitir qualquer erro em
suas políticas passadas. Ele deveria aprender que admitir os erros
reforçaria sua credibilidade, em
lugar de solapá-la.
Para adaptar uma de suas mais
recentes frases memoráveis,
Greenspan passou os últimos
anos sofrendo de "adulação infecciosa". Mas começou a acreditar
nos exageros a seu respeito. Agora
é preciso que trabalhe com afinco
para salvar sua reputação.
Tradução de Paulo Migliacci
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