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ARTIGO/ ECONOMIA BOMBARDEADA
Guerra custará além do esperado, e o Brasil vai pagar
BARRY EICHENGREEN
ESPECIAL PARA A FOLHA
O mercado de ações nos Estados Unidos está em queda
em reação à incerteza sobre a
guerra no Iraque. O conselho de
autoridades do governo George
W. Bush e de muitos chamados
especialistas em mercados financeiros é "não se preocupem muito". A guerra virá logo. Ela acabará rapidamente. Diferentemente
da primeira Guerra do Golfo, em
1991, a campanha de bombardeios terminará em poucos dias, e
não em semanas.
A poderosa exibição dos militares norte-americanos com bombardeios precisos vai devastar e
desmoralizar a oposição iraquiana. Se houver necessidade de operações de limpeza por tropas em
terra, elas poderão ser realizadas à
noite, quando a superioridade
tecnológica norte-americana é
mais pronunciada. E os custos diretos das operações militares
-aproximadamente US$ 50 bilhões se a guerra for curta e correr
conforme planejado- aumentarão apenas modestamente o déficit do orçamento federal para este
ano, de US$ 340 bilhões.
Mas concentrar-se na fase militar da campanha despreza a principal fonte de riscos econômicos,
políticos e financeiros, que está na
reconstrução do Iraque após a
guerra. A ocupação, a reconstrução nacional e o reparo da infra-estrutura custarão mais de US$
100 bilhões, mesmo no cenário
mais otimista.
A diplomacia canhestra do governo George W. Bush, que alienou possíveis aliados, significa
que esses custos não serão compartilhados por outros países por
meio do sistema da ONU (Organização das Nações Unidas). E, se
o Iraque mergulhar no caos e 200
mil forças de paz forem necessárias durante dez anos, um cenário
concebível diante do que aprendemos da intervenção na Iugoslávia, esses custos poderão aumentar seis vezes.
Guerra civil e caos
Infelizmente, a Iugoslávia não é
uma má analogia. O Iraque foi
construído artificialmente, formado por xiitas, sunitas e curdos
rivais. Retirando-se a cola exterior
do país, como aconteceu na antiga Iugoslávia com o fim da Guerra
Fria, o Iraque poderá mergulhar
na guerra civil e no caos. A experiência no Afeganistão depois da
intervenção militar norte-americana sugere que a esperança de
que um governo central em Bagdá consiga controlar as diversas
regiões do país é ilusória.
O desenvolvimento de chefes
guerreiros locais e regiões autônomas, que não respeitariam as
fronteiras internacionais do Iraque, assim como não respeitam as
internas, não seria aceitável para
os vizinhos do país. Causaria grave preocupação na Turquia, um
membro valioso da Otan (Organização do Tratado do Atlântico
Norte), e no Irã, uma possível potência nuclear, ambos os quais
têm minorias curdas substanciais
e militantes.
Portanto os Estados Unidos terão de se esforçar para evitar a desintegração interna do Iraque. O
cenário em que os norte-americanos -e os aliados que conseguir- terão de manter 200 mil
soldados da paz no local durante
dez anos, a um custo de US$ 250
mil anuais por soldado, é, portanto, muito provável.
Déficit
Nessa altura, as consequências
para o déficit orçamentário dos
Estados Unidos começam a se
tornar alarmantes. Uma aventura
militar que, segundo nos dizem,
acrescentaria uma conta modesta
ao déficit orçamentário agora
ameaça duplicá-lo na próxima
década -e isso num momento
em que os Estados Unidos têm
uma iminente crise do sistema de
aposentadorias. Déficits cumulativos que o governo de George W.
Bush promete que não vão superar US$ 2 trilhões -o que não é
exatamente um número tranquilizador, mas que de modo mais
plausível parecem chegar a US$ 4
trilhões.
Os mercados financeiros não
acordaram para esse fato. Quando o fizerem, as taxas de juros subirão. Surgirão preocupações de
que os Estados Unidos recorram à
inflação para enfrentar o peso do
serviço de sua dívida. O dólar sofrerá e obrigará o Fed (Federal Reserve, o banco central dos EUA) a
endurecer. Os investidores estrangeiros estavam dispostos a financiar o déficit externo dos Estados Unidos desde que seus fundos fluíssem para investimentos
privados em novas tecnologias,
que prometiam criar uma economia mais produtiva e de rápido
crescimento, capaz de saldar seus
empréstimos. Assim como qualquer brasileiro sabe, é mais difícil
atrair investimento estrangeiro
quando o déficit externo de um
país reflete gastos improdutivos
do governo.
Tudo isso somado são más notícias para a América Latina. Com a
incerteza prejudicando os mercados de ações e o rendimento dos
títulos americanos em seu patamar mais baixo em 30 anos, grandes volumes de liquidez estão
borbulhando em torno das economias industriais avançadas,
procurando um investimento
-qualquer investimento- que
prometa rendimentos razoáveis.
Brasil
Não é de surpreender que os
fundos estrangeiros estejam
inundando o Brasil, atraídos pelo
alto rendimento das obrigações
da dívida do país. Os mesmos
bancos de investimentos que estavam tão pessimistas sobre o
Brasil no ano passado hoje recomendam que seus clientes "valorizem" o país, exatamente porque
ele oferece os únicos investimentos de "alto rendimento" encontrados.
Em breve, porém, os crescentes
déficits orçamentários dos Estados Unidos começarão a absorver
essa liquidez. O aumento das taxas de juros em todo o mundo
tornará mais difícil para o Brasil
servir suas obrigações existentes.
Sobretudo a desaceleração do
crescimento global resultante
desse clima desfavorável aos investimentos tornará mais difícil
para o Brasil exportar -seu caminho para sair das atuais dificuldades. Para o Brasil, essa é a "calmaria antes da tempestade" em
mais de um sentido da expressão.
O novo governo brasileiro fez
tudo o que se podia pedir para
restaurar a confiança dos investidores internacionais e colocar o
país no caminho da recuperação
sustentável. Lamentavelmente, e
por motivos que não são de sua
responsabilidade, o país está prestes a sofrer um grande tropeço
nessa estrada.
Barry Eichengreen é professor de
economia e ciência política na
Universidade da Califórnia em Berkeley.
Tradução de Luiz Roberto Gonçalves
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