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LUÍS NASSIF
O marketing do baião
No final dos anos 70 estávamos na parte de cima no bar
do Alemão quando chegou o Braguinha, o João de Barro, autor de
"Carinhoso" e "As Pastorinhas".
Aplaudimos o mestre e ele subiu
para nos fazer companhia. Rolava o papo sobre o purismo na música brasileira, comparações entre
o purismo de Jacob do Bandolim
e a suposta tendência comercial
de Waldir Azevedo.
Perguntamos a opinião do mestre, que foi surpreendente, ainda
mais para aqueles anos de intenso patrulhamento. Disse que o artista precisava ir aonde estivesse o
povo, que essa história de purismo era besteira, e aproveitou para mostrar sua última composição: "A Marcha do Jegue", uma
paródia ao reggae que terminava
com ele simulando o ato sexual e
zurrando.
Com o tempo, lendo a biografia
dos vários formadores da música
brasileira, percebem-se nos maiores uma vontade intensa de buscar mercado e perseguir o sucesso.
Agora, recebo de minha amiga
Nana um longo depoimento dado
por Humberto Teixeira ao pesquisador Miguel Ângelo de Azevedo, de Fortaleza, em 1977. Além
de principal parceiro de Luiz
Gonzaga, Humberto Teixeira foi
deputado, criador dos primeiros
órgãos de arrecadação de direito
autoral e organizador de caravanas de músicos brasileiros que
correram a Europa nos anos 60
divulgando a música brasileira.
Além de pai da belíssima Denise
Dumont.
No depoimento, Humberto Teixeira relata como foi o lançamento do baião, um ritmo que praticamente dominou a música brasileira de 1945 a perto dos anos 60.
E como foi lançado esse brasileiríssimo baião, símbolo do purismo e do anticomercialismo da
música brasileira?
Teixeira chegou ao Rio para estudar medicina. Lá, conheceu a
geração dos tenentes músicos,
Klecius Caldas, Armando Cavalcanti e Luiz Antonio. Mas foi Braguinha quem lhe abriu as portas
das gravadoras.
No Rio, Humberto conheceu o
compositor Lauro Maia, que viria
a se tornar seu cunhado. Lauro
era o compositor predileto do
conjunto vocal Quatro Azes e Um
Coringa. Com Maia, Humberto
gravou "Deus me perdoe", uma
das nossas prediletas no Alemão.
Por essa época Luiz Gonzaga
começava a aparecer com a "Moda da Mula Preta" e "Xamego".
Mas sua vontade maior era lançar a música do Nordeste. Combinaram lançar em conjunto. O primeiro passo foi um levantamento
amplo dos ritmos de Pernambuco
(terra de Gonzaga) e do Ceará, de
Humberto. Pensou-se no coco,
mas optou-se pelo baião por ser
um ritmo de assimilação mais fácil. Naquele mesmo dia saíram as
primeiras idéias em torno do
"Asa Branca", seu clássico definitivo. O primeiro baião gravado
na história saiu poucos dias depois: "Eu vou contar pra vocês /
como se dança o baião / e quem
quiser aprender vai ter que prestar atenção".
O lançamento foi planejado, e
recorreu-se a um trabalho de
marketing estupendamente inovador. Lembro-me, criança, assistindo ao Luiz Gonzaga tocando
em cima de um caminhão, patrocinado por uma multinacional e
divulgando a miséria nordestina.
No rastro da dupla surgiram o
mineiro Hervé Cordovil, Zé Dantas, Sivuca, o maestro Guio de
Moraes. Luiz Gonzaga se tornou
o Rei do Baião, Luiz Vieira, o
príncipe, Claudete Soares, a princesinha. Nas águas do baião singraram Dolores Duran, depois o
coco de Jackson do Pandeiro e
Gordurinha. Nos anos 60, "Asa
Branca" era orgulho nacional.
Com o tropicalismo, Gonzaga foi
redescoberto, teve Gilberto Gil como sucessor e, depois, a grande
árvore do baião se espalhou por
toda uma geração de filhos de Gil,
praticando a música nordestina
do sertão de Pernambuco e Ceará.
Apenas nos anos 70 a música
brasileira ingressou na era da
choradeira recorrente. A classe
média politizada tomou o espaço
da presumível MPB pura. E a
busca do público e do mercado
passou a ser menosprezada. A
música trancou-se em guetos, tornou-se hermética, chorona, deixou de lado a alegria, o buliçoso.
Por isso, ao relembrar Braguinha cantando a sua "Marcha do
Jegue", quase admito que o esvaziamento da MPB não se deu
apenas por conta de miopia de
gravadoras. Mas por toda uma
geração que caiu em uma sofisticação vazia, intelectualizada, politizada, deixando de lado a alegria.
E-mail - LNassif@uol.com.br
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