Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
DEPOIS DO CALMANTE
Amaury Bier diz que governo guardou lista de medida que podem reforçar o pacote da semana passada
Governo ameaça limitar negócios com dólar
VIVALDO DE SOUSA
COORDENADOR DE ECONOMIA DA
SUCURSAL DE BRASÍLIA
SÍLVIA MUGNATTO
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
O governo guardou uma lista de
medidas de que poderá lançar
mão nas próximas semanas para
tentar conter a volatilidade nos
mercados de câmbio e de juros. A
lista completaria o "pacote calmante" lançado pelo governo na
quinta-feira. O secretário-executivo do Ministério da Fazenda,
Amaury Bier, 42, disse à Folha
que uma das medidas em estudo é
a redução do volume de dólares
que os bancos podem comprar
para manter em sua carteira de
investimentos.
Já na sexta-feira o Banco Central
ampliou o pacote, aumentando a
alíquota do compulsório sobre
depósitos a prazo (CDBs e outros
títulos privados) de 10% para
15%. Apesar disso, o dólar fechou
o dia em R$ 2,715, com alta de
0,18% em relação à quinta-feira.
Bier explicou que o governo não
terá dúvidas em emitir títulos
com prazo de um ou dois dias para acalmar o mercado, mas afirmou que isso será feito com cautela.
Para gerar o novo superávit primário (economia de receitas para
pagamento de juros) proposto no
pacote, a liberação dos recursos
orçamentários bloqueados em
maio será feita a conta-gotas. "Em
prazos e em volumes menores".
Dos R$ 3,8 bilhões bilhões que
poderiam ser liberados após a
prorrogação da CPMF (imposto
do cheque), o governo não vai liberar nem metade até o final de
julho, disse o secretário.
A continuidade do nervosismo
do mercado após o pacote não
surpreendeu a equipe econômica.
"Não tínhamos a expectativa de
que essa fosse a batalha final", disse. Leia, a seguir, os principais trechos de entrevista concedida na
sexta-feira passada.
Folha - Como será atingido o aumento de R$ 2,7 bilhões no superávit primário do setor público neste
ano?
Amaury Bier - O aumento deverá
vir de uma melhora no desempenho dos governos regionais: Estados, municípios e suas empresas,
e algum esforço no governo federal. O resultado dos governos regionais está acima da expectativa
para o ano, mas há uma clara tendência de redução ao longo do
tempo. É natural que em final de
mandato os recursos acumulados
sejam utilizados para a conclusão
de obras e pagamento de despesas. O que o governo federal fez
foi assumir o compromisso de
que o resultado consolidado será
de, no mínimo, 3,75% do PIB
[Produto Interno Bruto".
Folha - Qual será o esforço extra
do governo federal?
Bier - Nós congelamos dotações
orçamentárias de R$ 3,8 bilhões
por causa da CPMF [atraso na votação". Vamos fazer uma administração cautelosa desse desbloqueio de olho no resultado consolidado. Vamos administrar com
conservadorismo, fazendo liberações mais curtas, semanais ou
quinzenais, e em valores menores.
Folha - Mas o governo se comprometeu com o Congresso a liberar
esse dinheiro....
Bier - O governo honra seus
compromissos, inclusive aqueles
de natureza fiscal. É preciso ter
equilíbrio na composição dessas
duas vertentes. Nada impede o
governo de liberar recursos agora
e depois voltar a restringir se for o
caso. Não é necessário nesse momento liberar nem a metade dos
recursos até o final de julho.
Folha - Com esse superávit é possível estabilizar a dívida pública
em relação ao PIB? Em quanto?
Bier - Esperamos que fique estável, mas de nada adianta ficar
apresentando simulações nesse
momento sem que se tenha um
conjunto de parâmetros confiáveis e que sejam percebidos pelo
mercado como críveis. Eu acho
que é plausível a hipótese que estejamos vivendo um excesso, um
exagero no mercado de câmbio.
Não adianta fazer exercícios com
taxas de R$ 2,70 ou R$ 2,74.
Folha - Mas a relação dívida/PIB
deve ficar abaixo de 56% como calcula o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada?
Bier - Eu acho que sim, em torno
de 55%, relativamente estável em
relação a janeiro, quando foram
incorporados alguns esqueletos
[dívidas antigas".
Folha - Analistas vêm sugerindo
superávits de 6% e de até 7% do
PIB. O que o senhor acha disso?
Bier - Vamos convidá-los para
trabalhar no governo... Isso não é
interessante nem é necessário. Do
ponto de vista das despesas, é óbvio que sempre há algum espaço
de redução adicional, mas não
dessa magnitude. Se a recomendação é essa, a derivação lógica é
que se teria que trabalhar com as
receitas, aumentando a carga tributária, o que me parece uma péssima idéia.
Folha - Em 2003, a carga tributária permanecerá a mesma?
Bier - Para o ano que vem já existe uma projeção de redução do
Imposto de Renda [alíquota máxima da tabela das pessoas físicas
cai de 27,5% para 25%" e da CSLL
[Contribuição Social sobre o Lucro Líquido, cai de 9% para 8%".
Isso já está incorporado nas nossas projeções.
Folha - O que está determinando
a crise atual?
Bier - Nós tivemos problemas
em 2001, mas havia uma expectativa de melhoria em 2002. Em
parte isso está acontecendo, mas
no mercado de ativos há a aversão
ao risco, o medo de que os aplicadores em fundos de mercados
emergentes saquem seus recursos. Eu acho que nesse contexto
faz sentido usar as reservas internacionais líquidas [que exclui os
empréstimos do Fundo Monetário Internacional" para precificar
melhor os papéis mais curtos [recompra de títulos". O simples
anúncio já aumentou os preços.
Do ponto de vista interno, há incertezas em relação à eleição, sobre o que esse processo significa
para o futuro da política econômica do país e até questões mais
técnicas como a marcação a mercado dos fundos de investimento.
Folha - O governo pode emitir títulos de um ou dois dias para melhorar a procura pelos papéis?
Bier - Eu acho que nós vamos
passar por um processo de encurtamento dos prazos da dívida como já vem acontecendo com as
trocas de títulos que vencem entre
2004 e 2006 por vencimentos em
2003. É provável que a gente encurte mais. O leilão dessa semana
[semana passada" do Tesouro já
ofereceu papéis prefixados para
outubro. Mas nós vamos procurar fazer isso com o menor custo
possível. Por que partir direto para um encurtamento de dois dias?
É melhor não fazer, mas se for necessário nós faremos.
Folha - Com isso o governo não
cria uma bomba-relógio para o
próximo governo?
Bier - Não. Nós montamos com
alguma antecedência uma concentração baixa de vencimentos
no segundo semestre de 2002 e
primeiro trimestre de 2003. Estamos ocupando esse espaço com
os últimos leilões e vamos continuar fazendo isso. Bomba-relógio
seria se nós tivéssemos um encurtamento total, o que não é o caso.
Folha - O senhor concorda com o
megainvestidor George Soros que
deu duas opções em relação às eleições presidenciais: José Serra [candidato do governo" ou o caos?
Bier - Não concordo. Acho que
tem havido uma mudança nos
discursos dos partidos de oposição no sentido da moderação e da
revisão de teses. Isso é positivo
desde que acompanhado de credibilidade. Não pode uma pessoa
falar uma coisa e outra falar outra.
É preciso que os partidos definam
com maior clareza o que pensam
sobre a política econômica.
Folha - O governo pode reduzir a
exposição dos bancos ao dólar?
Bier - Faz parte do que estamos
discutindo. O mercado também
levantou esse tema. Mas nenhuma decisão foi tomada ainda.
Nessas situações olhamos todas
as possibilidades, mas sem tirar
coelhos da cartola.
Folha - Como será a recompra de
títulos da dívida interna?
Bier - É um caso limite. O dinheiro que tem saído dos fundos de
investimento vai para CDBs, poupança... Precisamos criar canais
de comunicação para que o administrador de fundo possa vender
os papéis sem forçar um deságio
adicional. No limite, uma LFT
[Letra Financeira do Tesouro Nacional" de dois dias é quase isso:
recompra de dívida.
Texto Anterior: Frase Próximo Texto: Para mercado, o aperto fiscal deve ser maior Índice
|