|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
LIÇÕES CONTEMPORÂNEAS
O que dizem e o que fazem os BCs
LUCIANO COUTINHO
Em trabalho recente, o
Bank for International Settlements (BIS nš 130, de Coorine Ho
e Robert Mc Cauley) examinou a
experiência dos regimes de metas
de inflação com flutuação cambial em um conjunto de seis economias desenvolvidas e de 12 economias em desenvolvimento (inclusive o Brasil) nos últimos anos.
Essa revisão de experiências revela que, mesmo nos casos em que
a retórica oficial é a de não-intervenção no mercado cambial, na
prática as autoridades utilizam
instrumentos ad hoc para atenuar os efeitos de flutuações exageradas ou inoportunas da taxa
de câmbio. Esse pragmatismo das
autoridades, especialmente no
caso das economias em desenvolvimento, advém dos impactos significativos da flutuação da taxa
de câmbio sobre a inflação e sobre
outras condições da economia
que tornam imprescindível algum tipo de intervenção. Que impactos são esses?
Primeiro, sobre a inflação. A
transmissão da depreciação da
taxa de câmbio para os preços (o
chamado coeficiente de "pass-through") é maior nas economias
em desenvolvimento devido às seguintes razões:
a) maior dependência da cesta
básica de consumo de itens importados (petróleo, alimentos) e
menor peso relativo dos serviços
("non-tradeables") nos índices de
preço ao consumidor (comparativamente aos países desenvolvidos);
b) experiência histórica de alta
inflação e, por isso, maior propensão à realimentação e à reindexação;
c) maior grau de dolarização
contratual, visto que os preços dos
serviços de infra-estrutura foram
indexados direta ou indiretamente à taxa de câmbio para tornar atraentes as privatizações.
Sob essas condições, as autoridades se vêem forçadas a lançar
mão de instrumentos ad hoc para
mitigar choques de depreciação
da taxa de câmbio. São vários esses instrumentos, a saber: intervenções no mercado de câmbio
via compra e venda de moeda estrangeira (compensadas por operações de enxugamento e expansão de liquidez no mercado de títulos), intervenções verbais ou declaratórias, operações a futuro
(opções, "swaps") com moeda estrangeira, oferta e redução de
hedge via operação com títulos
indexados à taxa de câmbio, manejo do depósito compulsório
bancário, diversas formas de controle dos fluxos de capital. No
Brasil, o estudo registra que, em
2001 e em 2002, o Banco Central
atuou incisivamente por meio da
oferta de títulos públicos indexados à taxa de câmbio.
O segundo impacto relevante
das flutuações da taxa de câmbio
incide sobre o setor externo. Flutuações pronunciadas do câmbio
podem travar periodicamente o
comércio exterior e tendem a problematizar as decisões de investimento por falta de um referencial
minimamente estável para o cálculo econômico. A apreciação excessiva da taxa de câmbio, como é
sabido, comprime as margens de
lucro dos setores exportadores e
desestimula os investimentos em
atividades de exportação, assim
como favorece as importações e
inibe investimentos em substituição de importações. Por essas razões, as autoridades de vários
países têm-se preocupado em evitar apreciação e flutuação excessivas da taxa de câmbio por meio
dos citados mecanismos de intervenção.
Assinale-se, em terceiro lugar,
os impactos das variações cambiais sobre a estabilidade financeira dos setores bancário e não-bancário. Ciclos de apreciação
cambial com expressivo ingresso
de capitais tendem a provocar bolhas de valorização de ativos e a
induzir acelerações do endividamento e do investimento privado.
Nesse contexto, qualquer interrupção ou reversão do ingresso de
capitais acarretará graves desequilíbrios patrimoniais ao setor
privado. Quando a taxa de câmbio se deprecia agudamente, isso
causa deflação do valor dos ativos
e desequilibra a capacidade de
servir as dívidas contraídas em
moeda estrangeira (não cobertas
por posições de hedge). Se, como
no caso argentino, o sistema bancário estiver em uma situação de
descasamento cambial (fluxo das
obrigações em moeda estrangeira
incompatível com o respectivo
"cash flow"), desemboca-se numa
grave crise de liquidez, que terá
que ser enfrentada por meio de
mecanismos onerosos de socialização de perdas (via inflacionária ou não). Assim, a percepção de
que é sensato prevenir graves riscos patrimoniais e desequilíbrios
financeiros tem justificado a adoção de medidas para evitar crises
cambiais, por meio do uso dos
mencionados instrumentos excepcionais.
Em síntese, a experiência dos
países pesquisados pelo BIS demonstra como as flutuações excessivas da taxa de câmbio criam
desafios magnos para as políticas
macroeconômicas e como isso
obriga as autoridades a reagir
-ainda que, em certos casos,
mantenham uma retórica de
não-intervenção. A posição do
Banco Central do Brasil foi classificada pelo BIS como "flexível"
em termos de calibragem das metas de inflação bem como em relação ao uso de instrumentos de intervenção. Assim sendo, a queda
-agora em curso- dos índices
de inflação, a superação dos riscos de reindexação e a diminuição das expectativas inflacionárias -num contexto de forte retração da demanda doméstica-
abrem espaço para a redução da
taxa de juros e para o uso inteligente dos instrumentos ad hoc.
Luciano Coutinho, 54, é professor titular do Instituto de Economia da Universidade de Campinas (Unicamp). Foi secretário-geral do Ministério da Ciência e
Tecnologia (1985-88).
Texto Anterior: Opinião econômica: Como perder o medo Próximo Texto: Luís Nassif: Os que vêm do interior Índice
|