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OPINIÃO ECONÔMICA
Como perder o medo
RUBENS RICUPERO
O brasil tem medo da Alca.
E, mesmo em Genebra, na
OMC (Organização Mundial do
Comércio), receamos sair perdendo em tarifas industriais, serviços,
regras sobre propriedade industrial ou investimentos.
Nem sempre é irracional sentir
medo. Ao contrário, o medo é
emoção altamente racional, sempre que nos ronda um perigo real.
Ter medo, nesse caso, é um saudável instinto de auto-preservação. É essa a situação que nos aflige em comércio, porque sabemos
que é fraca a nossa competitividade. Ou melhor, ela chega a ser
excelente, a primeira do mundo
até, em produtos como o açúcar, o
etanol, o suco de laranja, o fumo.
Em outros -carnes, aço, minério
de ferro, café- figuramos também no quadro de honra. O problema é que alguns desses itens
estão entre os mais protegidos do
universo. Os "lobbies" que os defendem são politicamente poderosos nos Estados Unidos e na Europa e só cederão milímetro a milímetro e, mesmo assim, o resultado é duvidoso. Outros desses bens
são demasiado abundantes. Sua
oferta não cessa de crescer e, por
tratar-se de matérias-primas a
granel, o preço é baixo, trazendo
pouco valor agregado embutido.
Parte da solução a esses problemas passa pelas negociações. Isso
é sobretudo verdade quando os
obstáculos principais provêm das
barreiras injustificadas de acesso
a mercado. É preciso nesse domínio não exagerar o potencial a
curto prazo das negociações. Há
hoje no Brasil quase uma obsessão com a Alca ou o Mercosul, como se os problemas do comércio
exterior pudessem ser resolvidos
apenas por meio de acordos regionais ou de país a país. Evidentemente, os acordos ajudam, mas,
quando se bate de frente contra o
muro do protecionismo, as chances de obter avanços significativos
são mínimas. Por exemplo, nem
todo o talento negociador do
mundo é capaz de comover a forte bancada da Flórida -25 deputados aguerridos- a fazer concessões ao suco de laranja brasileiro.
A solução deve inspirar-se no
comportamento dos chineses e
asiáticos, gente pragmática, que
não dá murro em ponta de faca.
Os chineses conseguem saldos gigantescos com os Estados Unidos
porque se especializam nos produtos não-protegidos por barreiras intransponíveis. Sempre que a
dificuldade se localiza na característica da oferta -como no caso
do suco de laranja e do aço- a
saída tem de combinar a agressividade negociadora com a melhoria da competitividade, a ampliação e a diversificação da oferta. É
para ajudar o Brasil, a América
Latina e os subdesenvolvidos em
geral a enfrentar esse desafio que
a ONU realizará em São Paulo,
em junho de 2004, a 11ª Conferência da Unctad.
Essa organização -a Conferência das Nações Unidas sobre
Comércio e Desenvolvimento-
congrega mais de 190 países e
sempre foi a consciência ética do
esforço desenvolvimentista. A
reunião de São Paulo deverá ser a
maior e mais importante conferência das Nações Unidas realizada em terras brasileiras desde a
Cúpula da Terra ou ECO-92, que
teve lugar no Rio. Seu objetivo
central é aprofundar os vínculos
que unem os processos e negociações globais medidas para prevenir ou solucionar crises financeiras, rodada negociadora da OMC
com a diversificação e o aperfeiçoamento do sistema produtivo.
De modo específico, deseja-se
apresentar os melhores modelos
internacionais de políticas públicas para aumentar a competitividade exportadora. Quase todas
essas fórmulas combinam: a) sistemas nacionais de inovação; b)
geração ou adaptação de tecnologias; c) incorporação aos produtos de valor agregado cada vez
maior por parte de mão-de-obra
treinada e qualificada. Com a
conferência, será realizado o encontro da Associação Mundial de
Agências de Promoção de Investimentos (Waipa) e se organizará,
em colaboração com o Invest Brasil, creio que pela primeira vez entre nós, uma feira para investidores interessados nos setores brasileiros com potencial exportador.
Como a inovação nasce com
frequência nas pequenas e médias empresas, a Unctad está trabalhando com o Sebrae a fim de
integrar nesse esforço os milhares
de empresários jovens formados
pelo programa de treinamento
Empretec. Alguns meses antes, a
Unctad promoverá no Brasil reunião demonstrativa para toda a
América Latina sobre comércio
eletrônico e facilitação do comércio.
Além dessa agenda rica e diversificada, haverá ainda quatro
componentes essenciais da conferência: 1) o simpósio sobre o papel
da mulher no comércio mundial,
que mostrará a decisiva participação feminina em atividades
empresariais em muitos países da
África e da Ásia, bem como as
oportunidades que se abrem no
setor de serviços, o maior gerador
de empregos; 2) a apresentação de
experiências inovadoras para colocar o comércio a serviço da redução da pobreza de populações
marginalizadas; 3) o Painel de
Alto Nível sobre as indústrias
criativas e o desenvolvimento,
que explorará a ligação entre a
criatividade cultural e a promoção econômica; 4) a feira mundial de tecnologias inovadoras
nos países em desenvolvimento e
sobre as tendências mais promissoras em termos de introdução de
produtos novos e dinâmicos no
comércio internacional, indo de
setores tradicionais como têxteis e
confecções ao agribusiness e artigos de alta tecnologia.
O programa é ambicioso, mas
contamos com a colaboração das
melhores organizações brasileiras
e internacionais para torná-lo
realidade. Num mundo em que se
destrói tanto, é uma proposta
construtiva. Num tempo em que o
medo paralisa a ação, é o caminho da conquista da competitividade, único meio de vencer o medo de negociar e retomar a "construção interrompida" do Brasil,
sonhada por Celso Furtado.
Rubens Ricupero, 66, é secretário-geral
da Unctad (Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento),
mas expressa seus pontos de vista em
caráter pessoal. Foi ministro da Fazenda
(governo Itamar Franco).
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