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XADREZ COMERCIAL
Desigualdades entre economias do bloco são hoje o principal empecilho para a integração regional
Analistas vêem crise estrutural no Mercosul
ANDRÉ SOLIANI
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
As diferenças econômicas entre
Brasil e Argentina cresceram desde o início do Mercosul. Essas
crescentes assimetrias (tamanho
da economia e capacidade produtiva) são hoje o principal empecilho para a integração regional, na
opinião de diversos especialistas
consultados pela Folha.
A guerra das geladeiras -a última medida argentina para tentar
restringir as exportações brasileiras de linha branca para o seu
mercado- é apenas um exemplo
desse problema que ameaça a integridade do bloco.
"Há um problema estrutural
que dificulta a evolução. O fato é
que a indústria argentina não é
competitiva", diz o ex-ministro
das Relações Exteriores Luiz Felipe Lampreia (1995-2001), cético
quanto à chance de uma integração mais profunda com o sócio.
O diretor da Cepal (Comissão
Econômica para América Latina e
Caribe) no Brasil, Renato Baumann, diz que a única solução para o Mercosul é tratar de nivelar as
diferenças econômicas entre os
países. "É preciso aprender a conviver com os sócios menores",
afirma Baumann.
O PIB (total de mercadorias e
serviços produzidos no país) brasileiro é, atualmente, 3,3 vezes o
da Argentina. No início dos anos
90, o PIB do país não era nem sequer duas vezes o do vizinho.
No começo do século passado, a
relação era inversa. A economia
argentina era maior que a brasileira. Foi apenas em 1958 que a
produção industrial do Brasil superou a da Argentina. "De lá para
cá a diferença só aumentou", diz
Baumann. Hoje, o Brasil representa mais de 77% da economia
do Mercosul e mais de 50% da
economia da América do Sul.
O processo de integração do
Mercosul não é responsável pela
crescente diferença entre as economias dos seus principais sócios. A falta de capacidade produtiva na Argentina é resultado de
três décadas de políticas econômicas equivocadas.
Mas o desenho institucional do
bloco, sobretudo após 1994, não
minimizou as assimetrias. No início do Mercosul, em 1986, o acordo contemplava salvaguardas especiais em caso de desequilíbrios
no fluxo de comércio, algo que a
Argentina quer voltar a usar.
Para o professor de relações internacionais da UNB (Universidade de Brasília), Amado Cervo,
as disputas comerciais entre os
dois sócios são resultado de objetivos internos comuns. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o
seu colega argentino Néstor
Kirchner adotaram discurso de
apoio à indústria nacional, que
havia sido abandonado nos anos
90. Para a Argentina, apoiar a indústria local significa protegê-la
da concorrência brasileira em setores como tecidos, calçados, linha branca, carne suína e carros.
Generosidade
"A solução para o Mercosul não
é o Brasil invadir a Argentina com
produtos, mas, sim, com empresas", diz Cervo. O presidente Lula
e o ministro Celso Amorim (Relações Exteriores), em muitos discursos, afirmam que o Brasil precisa ser generoso com seus vizinhos menores para liderar o processo de integração regional. Mas
a capacidade de o Brasil exercer
essa liderança é limitada.
No processo de formação da
União Européia, além das assimetrias entre as economias serem
menores, havia países como
França, Alemanha e Reino Unido,
dispostos a bancar os custos da
integração e com recursos financeiros para cumprir a tarefa.
Apesar de ser a maior economia, o Brasil não é o país com os
melhores índices sociais da região. O produto interno per capita
(serve como indicador de qualidade de vida das populações) do
Brasil é o quinto na América do
Sul -o país está atrás da Argentina e do Uruguai nesse quesito.
A disputa de interesses distintos
-investir no desenvolvimento
interno do Brasil ou apostar na integração, por exemplo- impede
uma atitude mais generosa com
os vizinhos. "Uma hora o Brasil
terá de discutir se o BNDES vai investir no Nordeste ou num país
vizinho", diz Baumann.
Para Cervo, o BNDES é um dos
principais instrumentos brasileiros para fomentar a união na região. O banco poderia assumir o
papel de financiador de indústrias
e projetos de infra-estrutura.
O problema é que a participação
nesse processo é difícil e demorada. No ano passado, Lula prometeu dinheiro do BNDES: US$ 1 bilhão para a Venezuela, outro U$ 1
bilhão para a Argentina e US$ 600
milhões para a Bolívia.
Mais de um ano depois, os recursos ainda não foram liberados,
apesar de as negociações continuarem. "Isso afetou muito o
prestígio do Brasil", diz Cervo.
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