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Setor de serviços sai da retranca para o ataque
DO COLUNISTA DA FOLHA
Sempre cobrado, nas negociações comerciais regionais ou globais, por suas pobres ofertas na
área de serviços, desta vez o Mercosul acha que pôs na mesa tudo o
que poderia e, mais ainda, está na
ofensiva, em vez de na retranca.
Na área de informática, por
exemplo, "o Brasil pode exportar
soluções", diz Luigi Nese, representante do setor de serviços nas
negociações. Uma das soluções:
os sistemas que o setor bancário
brasileiro utiliza e que são considerados dos mais eficientes do
mundo. Ou como a solução que a
Receita Federal usa para a declaração de renda via Internet.
Seria um caminho para reduzir
o buraco na balança de serviços
de informática: o Brasil importa
nove vezes mais do que exporta
(US$ 1 bilhão e US$ 100 milhões).
Esse interesse ofensivo ajuda a
explicar por que o Mercosul melhorou a sua oferta aos europeus
no item serviços: começou oferecendo apenas serviços financeiros
e telecomunicações e, agora, já jogou na mesa transporte marítimo, serviço postal (menos o envio
de cartas) e transporte fluvial.
Mas está longe de ser generosidade. É interesse puro. "Em transporte fluvial, os europeus são craques e a gente não sabe muita coisa", diz Nese. Na verdade, em serviços já não há praticamente setores protegidos no Brasil, o que
transfere a discussão para o tipo
de serviço prestado.
O governo brasileiro não aceita
o que o jargão chama de "serviço
transfronteiriço". Significa que,
por exemplo, uma seguradora de
Berlim poderia vender apólice aos
paulistas sem ter presença comercial em São Paulo ou em qualquer
outra cidade brasileira.
Aceitar essa situação poderia
trazer dois problemas: o primeiro
é que o imposto seria cobrado no
ponto de origem da apólice de seguro, embora o segurado esteja
no Brasil. O segundo é que o consumidor, se lesado, teria que reclamar na Alemanha, com os custos inerentes. Vale idêntico raciocínio para investimentos. "Os europeus querem investir em pesca?
Podem fazê-lo, desde que se instalem no Brasil", diz Régis Arslanian, principal negociador brasileiro na área técnica.
Os europeus têm uma segunda
dificuldade com o Brasil que não
se relaciona a protecionismo na
área de serviços ou investimentos:
o marco regulatório. O melhor
exemplo nesse campo é o de serviços financeiros. A Constituição
brasileira diz que cabe só ao presidente autorizar a instalação de
bancos estrangeiros no país ou,
para os já instalados, a ampliação
de sua rede. "Nenhum banco teve
negado um pedido dessa natureza, mas, mesmo assim, os europeus não confiam", diz Nese.
A desconfiança faz até sentido:
nada impede que, no futuro, algum presidente resolva vetar a
ampliação dos negócios de um
banco europeu. De todo modo, o
Mercosul quer mais acesso ao setor europeu de serviços. O chanceler Celso Amorim reclamou
que, na oferta européia, havia 21
itens em que os compromissos
eram inferiores aos assumidos
pela UE no Gats (Acordo Geral
sobre Comércio de Serviços).
Os europeus já se comprometeram a melhorar suas ofertas, inclusive no que o jargão comercial
chama de "modo 4", a possibilidade de trabalhadores do Mercosul se instalarem em países europeus desde que a empresa em que
atuam esteja operando por lá.
Tudo somado, se o relativo otimismo de ambas as partes se
transformar em propostas concretas, é factível construir até outubro o que será a maior zona de
livre comércio do mundo: 29 países, 675 milhões de habitantes e
uma potência econômica conjunta de US$ 11,6 trilhões.
(CR)
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