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LIÇÕES CONTEMPORÂNEAS
Mais inflação?
ALOIZIO MERCADANTE
O brasil talvez seja um dos
países que venham debatendo as causas de inflação há mais
tempo. Durante o século 20, passamos por várias moedas, dos réis
ao real, e por alguns bilhões de
percentuais de aumento nos preços. Em meados dos anos 90, a
equipe do Plano Real ancorou a
moeda no dólar, jogou os juros
acima das maiores taxas internacionais, sobrevalorizou o recém-nascido, inundou as prateleiras
de importados e acabou com a hiperinflação, aproveitando a
imensa liquidez internacional.
Grande feito, reconhecido pelos
eleitores, que, apesar de todos os
nossos alertas de que o custo para
a nação viria a ser altíssimo, elegeu e reelegeu FHC, na euforia da
propaganda da nova moeda.
O conforto de saber quanto as
mercadorias custam e com alguma margem de previsibilidade e
quanto custarão é certamente impressionante. Não há brasileiro
que queira voltar ao dinheiro que
virava figurinha em pouco tempo. É bom reconhecer o valor das
mesmas cédulas nas mãos, ano
após ano, e saber que podem durar ainda muitos anos.
A defesa da moeda e de suas
funções básicas, como reserva de
valor, meio de troca e unidade de
conta nos contratos é o mandato
do Banco Central do Brasil, que
realiza sua política monetária a
partir de objetivos estabelecidos
pelo órgão máximo do sistema financeiro, que é o CMN (Conselho
Monetário Nacional). É nesse colegiado que se reúnem regularmente os ministros da Fazenda e
do Planejamento e o presidente
do Banco Central, a fim de fixar
as metas de inflação para os próximos anos. Na última reunião
do CMN, estabeleceram em 4,5%,
com tolerância de dois pontos
percentuais, a meta de inflação
para 2005 e 2006.
Admito que a decisão me desapontou. Havia sugerido, em debate público, em vários artigos
neste espaço, que a meta de 2004,
de 5,5% ao ano, fosse estendida
para 2005 e 2006, com tolerância
de 2,5 pontos percentuais para cima e para baixo. E que fosse realizado um debate aprofundado sobre a definição de taxa de inflação de estabilidade para o longo
prazo. Minha preocupação estava na possibilidade de uma longa
interrupção na queda das taxas
de juros nominais e até mesmo na
sua elevação, caso a meta original
para 2005 fosse mantida e o CMN
reduzisse ainda mais a meta para
2006. A conseqüência seria a queda na taxa de crescimento na economia e a manutenção da já decenal anemia na geração de empregos.
Há quem reduza a riqueza e a
profundidade desse debate à fraseologia fácil. Mas devemos mergulhar na essência das questões.
A defesa dos 5,5% para 2005 e
2006 não implica mais inflação
em relação ao que se pode prever
no momento atual. Pelo contrário, implica menos. Adotar 4,5%,
com margens de tolerância cadentes, é um risco, pois a nova política econômica norte-americana, pós-eleições, pode acentuar a
elevação das taxas de juros internacionais.
Isso, mais a instabilidade dos
preços do petróleo e crises bancárias em países emergentes, é um
cenário adverso para a política
monetária e cambial brasileira.
Haverá pouco espaço para correção posterior de rumos com baixos custos para o país.
O BC, seguindo os objetivos estabelecidos pelo CMN, usa a taxa
de juros nominais para realizar
uma convergência das expectativas de inflação do "mercado" para as metas da política monetária. O mercado, nas últimas semanas, tem elevado suas expectativas de inflação para os próximos 12 meses, que chegaram, no
último levantamento, a 6,48%
para junho de 2005. Mas o CMN
manteve a meta de 4,5% para o
final de 2005. Como o BC, segundo as regras da atual política monetária, pode provocar uma redução das expectativas em dois pontos, em seis meses? Elevando os juros nominais, na tentativa de aumentar os juros reais e desaquecer a demanda interna. Ou seja,
reduzindo o ritmo de crescimento
da economia e da geração de empregos.
Como a política monetária tem
limitações para reduzir a inflação
real, por meio da redução da demanda agregada, pois os preços
têm subido em razão de choques
de oferta (alimentos, petróleo e
tarifas públicas) e da própria flutuação do dólar -que acelera a
inflação num ritmo mais forte
quando sobe do que desacelera
quando cai -, não há sentido em
sacrificar crescimento desnecessariamente ao elevar os juros.
Admitir metas maiores de inflação, dado um choque de oferta
em andamento, não significa admitir inflação efetiva maior, e sim
juros nominais menores. Nem um
pouquinho a mais e nem a menos.
O país vive hoje um intenso processo de reativação da economia,
que se reflete no crescimento da
indústria -6,5% de janeiro a
maio deste ano, puxado pelos setores de bens duráveis e de capital-, nas vendas no comércio varejista (8,5%) e no aumento do
emprego formal, o maior desde
1992 (830 mil novos postos de trabalho). É essencial consolidar esse
processo e sustentar o crescimento
em 2005 e nos anos seguintes. A
política monetária, além de preservar a estabilidade de preços,
pode e deve ser um elemento importante no esforço de expansão
dos investimentos.
Aloizio Mercadante, 50, economista e
professor licenciado da PUC e da Unicamp, é líder do governo no Senado.
Internet: www.mercadante.com.br
E-mail -
mercadante@mercadante.com.br
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