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LUÍS NASSIF
Os quadrinhos da infância
Dona Tereza proibia quadrinhos em casa. Dizia que
desviava a gente dos livros. Meu
consolo era ler escondido na casa vizinha, da minha tia, no bar
do meu avô ou na farmácia do
meu pai, pedindo emprestado
na banca do seu Geraldo.
Os quadrinhos exerceram
uma influência massacrante na
minha geração. Eu tinha vários
heróis, um em cada setor. No faroeste, o herói imbatível era o
Kid Colt, por uma única razão:
era humano, sempre encontrava um pistoleiro mais rápido,
mas o vencia pela força do caráter. Em Rock Lane me impressionava a camisa escura, meio
aveludada, cuja tessitura eu intuía no quadrinho branco e preto. E, em Buck Jones, o chapéu
pontudo.
Campeoníssimo era o Cavaleiro Negro, o médico que se vestia de negro e de máscara para
enfrentar os bandidos e que, depois, inspirou música célebre do
pessoal do Clube da Esquina.
Hopalong Cassidy era um caubói simpático, mas muito velho
para entusiasmar a molecada
que, depois das sessões de matinê do cine São Luiz, trocava gibis.
Melhor era seu cavalo branco
ensinado, que fazia coisas de
circo.Havia também os caubóis
cantores, como Roy Rogers e
seus olhos de china.
Gozada a capacidade que tem
uma criança de se fixar em detalhes nos quais, adultos, jamais
repararíamos. Como a camisa
preta do Dom Chicote, um caubói inexpressivo não fosse pelo
chicote que brandia com maestria. Ou o caubói que usava dois
revólveres invertidos no coldre.
Ou mesmo o calção do Tarzan. Lá pela metade dos anos
50, "Tarzan" era um gibizinho
mal desenhado que nem ele só.
Mas o Tarzan tinha dois uniformes, um preto (que me impressionava muito), outro branco.
Só anos depois o desenho ganharia gabarito, mas, mesmo
assim, me encantava.
Na infância não cheguei a ler
os clássicos Príncipe Valente e
Spirit. Só nos anos 70 e 80 eles
foram relançados em edições de
luxo.
Naquele final dos anos 50 e
início dos anos 60, os campeões
de audiência eram Mandrake,
Flash Gordon, a família Marvel,
a família Super-Homem (tinha
o Super Boy e a Super Mulher),
Zorro e Tonto, um caubói mexicano, o Cisco Kid, muitíssimo
bem desenhado, Batman e Robin.
Os jornais exploravam pouco
os quadrinhos. No "Estadão"
durante anos imperou a dupla
Mutt e Jeff. Na Folha havia um
boxeador de queixo quadrado
de quem eu era fã. Durante certo período, essa tira desenvolveu
uma história paralela, de um jovem campeão cujo golpe fatal
era precedido de uma frase misteriosa que ele cochichava no
ouvido das vítimas.
No final dos anos 60, Stan Lee
virou os quadrinhos de pernas
para o ar. A sucessão de heróis
que criou e recriou não tem paralelo nas minhas lembranças.
Quando surgiram o Príncipe
Thor e seu martelo mágico, o
Homem-Aranha e sua avó
doente, o Incrível Hulk, o Quarteto Fantástico, o Capitão América, todos personagens cheios
de dúvidas existenciais, com o
uso intensivo da cor e com desenhistas fantásticos, a história
dos quadrinhos nunca mais foi
a mesma.
Desse período, lembro-me de
um quadrinho curiosíssimo,
que tinha um grupo de quatro
heróis. A especialidade de um
deles era saber se localizar em
qualquer grande cidade do
mundo -um poder que me fascinava naquela Poços de 40 mil
habitantes.
Lamento apenas ter conhecido esses personagens já na adolescência e no início da vida
adulta, quando o interesse era
mais literário ou de lazer. Na
minha infância, teriam ganhado outro colorido, me deixado
sem dormir, como os livros de
Monteiro Lobato.
E-mail -
lnassif@uol.com.br
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