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LIÇÕES CONTEMPORÂNEAS
FMI não basta para deter a crise
LUCIANO COUTINHO
As contas cambiais brasileiras persistem em rota desequilibrada e potencialmente explosiva, apesar do megapacote de
US$ 30 bilhões do acordo providenciado em tempo recorde pelo
FMI (Fundo Monetário Internacional). A razão é que o volume
de recursos a ser desembolsado
neste segundo semestre é pequeno
(US$ 6 bilhões) e, de outro lado, o
programa per se não conseguiu
induzir uma reversão do arrocho
de crédito (e financiamento) externo ao qual o Brasil está submetido.
A decisão dos bancos internacionais de reduzir o exposure-Brasil (o que significa cortar as linhas de crédito e liquidar posições em títulos brasileiros) é o verdadeiro fulcro da crise. Essa situação foi provocada, imprevidentemente, por um endurecimento
inoportuno dos critérios de classificação do risco-soberano das economias emergentes, determinado
recentemente pelos bancos centrais e pelas instituições de regulação bancária dos países desenvolvidos (provocando uma revoada -inapelável- desses créditos
e papéis por parte da banca internacional). Esse movimento de fuga e liquidação de posições veio
tomando corpo nos últimos dois
meses e praticamente jogou a economia brasileira nas cordas.
Entre rolagens de dívidas e dinheiro novo, o Brasil precisa, em
média, de US$ 4 bilhões por mês.
Não há cobertura, nos próximos
seis meses, para essa necessidade
de financiamento. Há um buraco
difícil de estimar (provavelmente
entre US$ 12 bilhões e US$ 14 bilhões) que, se for integralmente
coberto pelas reservas do Banco
Central, nos deixará com um nível de liquidez muito baixo e vulnerável. Isso não é aceitável. Nessas contas, obviamente, não está
considerada a hipótese de uma
corrida maciça ao dólar por parte
de empresas e investidores locais e
de subsidiárias estrangeiras. Há
indícios apenas do início de um
movimento extraordinário de
saída de capitais pelas contas CC-5 e de aceleração da remessa de
lucros e dividendos ao exterior.
Esse movimento não pode agravar-se sob pena de provocar um
colapso imediato da solvência
cambial. Para evitar isso, é imprescindível que surja o quanto
antes uma mudança de atitude
por parte dos bancos internacionais.
Essa mudança não ocorrerá espontaneamente, pois todos os
bancos sabem que o movimento
de fuga do Brasil se generalizou
entre os seus pares. Assim, se
qualquer um deles resolvesse voltar a dar crédito ao país, correria
o risco de financiar a saída de
seus concorrentes. Por isso a única forma de retomar o crédito é
por meio de uma iniciativa coordenada por uma autoridade pública, no caso o Fed (Federal Reserve) e/ou o Departamento do
Tesouro dos Estados Unidos. Essa
coordenação precisaria ainda incluir os bancos e as autoridades
européias e poderia funcionar para o restabelecimento das linhas
comerciais, mais concentradas
num número restrito de bancos.
Aliás, é irracional a retirada dessas linhas a partir do "default" da
Argentina, pois, no caso brasileiro, elas não oferecem risco relevante e são ademais bastante rentáveis para os credores. Já no caso
da renovação dos bônus brasileiros, públicos e privados, o problema de coordenação é bem mais
complicado, dado que seus detentores são fundos e investidores
bastante pulverizados.
Em vez de pressionar os candidatos à Presidência -que, bem
ou mal, já sinalizaram a aceitação do acordo com o FMI-, o governo brasileiro e o Banco Central
deveriam empenhar-se, com
energia e veemência, em obter
das autoridades monetárias do
G-3 (Banco de Compensações Internacionais -BIS-, Fed e bancos centrais europeus) uma revisão da recente reclassificação do
risco dos papéis das economias
emergentes, que obrigou os bancos a detonarem os títulos brasileiros. Sem que haja, imediatamente, uma mudança desses critérios, será vã a tentativa de coordenar os bancos e mercados.
Além disso, o governo deveria, enfim, tomar iniciativas efetivas no
campo tributário e de crédito para financiar, em reais, os processos de exportação.
Algumas lições precisam ser extraídas desse episódio maligno: 1)
o Banco Central e a equipe do Ministério da Fazenda não perceberam e não souberam antecipar os
efeitos negativos do endurecimento dos critérios de regulação
de riscos por parte das autoridades monetárias dos países desenvolvidos; 2) fica, uma vez mais,
explicitado o custo da vulnerabilidade das nossas contas externas,
fato que o atual governo e a equipe econômica negligenciaram em
corrigir nos últimos anos, confiando nos investimentos diretos e
no efeito espontâneo da flutuação
da taxa de câmbio sobre a balança comercial; 3) fica também visível o quão perigoso para o país é
depender de bancos estrangeiros,
sujeitos a regulamentações, motivações e percepções de risco que
não levam em conta as nossas
reais potencialidades.
Luciano Coutinho, 54, é professor titular do Instituto de Economia da Universidade de Campinas (Unicamp). Foi secretário-geral do Ministério da Ciência e
Tecnologia (1985-88).
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