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OPINIÃO ECONÔMICA
Esperança e ação
RUBENS RICUPERO
Sempre achei que os líderes
têm o dever de criar e divulgar as razões que justificam a esperança. Essas razões não devem
ser utópicas e ilusórias, mas precisam brotar do solo áspero da realidade. Tanto o marxista Antonio
Gramsci como o teólogo Albert
Schweizer disseram coisas parecidas ao afirmarem que, embora a
razão e o conhecimento devessem
ser pessimistas ou realistas, era
necessário ser confiante e otimista na ação. É essa, no fundo, a essência da esperança.
Compus um livrinho a partir
dessa inspiração e com o título
que dá nome a este artigo. Ele trata da angústia que invade os corações diante dos rumos desastrosos que vêm tomando a política e
a economia mundiais, acentuados após o 11 de setembro. Tentei
fazer um balanço provisório do
que está ocorrendo, da crise terminal de um modelo de desenvolvimento que se autodestruiu pela
liberalização financeira temerária e concentradora, esquecendo-se da economia real, da produção
e das exportações e, acima de tudo, agravando a desigualdade, a
miséria e a precariedade do emprego.
Busquei mostrar o esforço que
se faz na ONU e, em especial, na
organização em que trabalho, a
Unctad, para propor um modelo
mais justo e equilibrado, capaz de
evitar as frequentes crises financeiras e, quando elas ocorrem, como na Argentina, ajudar a encontrar saída menos desumana e
cruel. Uma atenção particular é
dada na obra à causa verdadeira
e profunda da instabilidade brasileira -não a imprevisibilidade
eleitoral e a turbulência dos mercados, meros sintomas, mas o persistente fracasso em dar solução
decisiva à pobreza degradante, à
insustentável injustiça na distribuição de riqueza e renda e aos
problemas raciais que não queremos ver.
Nesse quadro acabrunhador,
qual pode ser o objetivo da ação, o
que se deve esperar? A resposta é a
sugerida por Bobbio: em vez de
comunismo versus capitalismo,
esquerda contra direita, o que divide hoje as pessoas é a oposição
entre mudança e status quo, entre
movimento, transformação, renovação e a manutenção da "desordem estabelecida". Para a direita, a desigualdade e o desemprego são peças inerentes ao sistema, tão inevitáveis na economia
capitalista como as leis de gravitação dos corpos celestes. Quem
recusa essa construção ideológica
está na obrigação de demonstrar
que toda modalidade de economia é uma entre várias imagináveis, sempre uma escolha da sociedade, que pode preferir maximizar a igualdade ou a eficiência,
o bem-estar coletivo ou a cobiça
de uns poucos. Jamais existirão
economia e sociedade perfeitas,
mas é perfeitamente possível
construir modelos sociais e econômicos que mudem para melhor o
que está aí, conferindo primazia
a valores de dignidade, justiça,
igualdade relativa, generosidade
solidária. Para isso, porém, não
basta mudar "de" vida, isto é, tentar salvar-se sozinho, mas é preciso mudar "a" vida, o conteúdo e o
sentido da vida individual e coletiva.
Tem isso muito a ver com o momento angustiante que vive o
Brasil. Ninguém mais discute que
o país precisa crescer. Até fontes
de ortodoxia insuspeita, como o
relatório do JP Morgan de 5 de julho sobre a economia brasileira,
reconhecem que, mais que as eleições, o verdadeiro problema é o
uso de poupança externa para cobrir o déficit de quase 4% em contas correntes sem retorno positivo
em matéria de crescimento da
produção ou de ganhos significativos na exportação. A conclusão
do documento é óbvia: "Isso é insustentável. Ou a economia cresce
mais depressa, ou a disponibilidade de investimento se contrairá".
A solução é o futuro governo
apresentar uma proposta com
credibilidade para aproveitar plenamente o potencial de crescimento de longo prazo da economia, que é muito superior ao registrado nos últimos anos. Será
indispensável persuadir o FMI e
os mercados financeiros a flexibilizar os critérios atuais que inviabilizam a expansão, já que reforçam as tendências recessivas: juros altos, crédito racionado e superávits primários cada vez mais
elevados. O Orçamento tem de ser
executado, como se faz nos EUA,
para combater, não para acentuar a desaceleração. É exatamente o contrário do que se impõe ao Brasil: reduziram-se os juros 11 vezes, passou-se de saldo
para déficit orçamentário, injetaram-se bilhões de dólares de liquidez no sistema. A receita do desastre é a seguida pela Argentina,
a combinação de endividamento
crescente com quatro anos de recessão. O Fundo Monetário Internacional não pode mostrar-se impermeável aos argumentos e espera-se que tenha extraído lições de
crises como a argentina. A fim de
ter credibilidade, o programa
brasileiro necessita ser ancorado
num convincente e efetivo projeto
de erradicação da miséria e de
distribuição de renda, prioridades declaradamente centrais do
FMI, do Banco Mundial, da ONU
e condição para obter o apoio ativo da opinião pública internacional. O Brasil conseguiu flexibilizar as normas sobre patentes de
remédios porque tinha um programa vitorioso contra a Aids.
Não é impossível lograr convencer a comunidade financeira de
que, no seu próprio interesse, deve
ajudar o país a crescer.
"Esperança e Ação" será lançado em São Paulo, amanhã, a partir das 18h30, na Livraria Cultura
do conjunto Nacional. É edição
Paz e Terra e traz prefácio de Celso Furtado. Termina com uma
meditação sobre a esperança, na
qual fui buscar ajuda em Georges
Bernanos, que faz uma distinção
entre a genuína esperança e aquilo que convencionalmente se chama de esperar, mas não passa de
desejar, cobiçar, exigir, isto é, o
desejo de desfrutar, a expectativa
do gozo. Dizia ele que "o mundo
moderno não tem tempo de esperar, nem de amar ou de sonhar.
São os pobres que esperam em seu
lugar". E evocava as crianças pobres que conheceu no seu exílio
em Cruz das Almas, Barbacena,
onde criança e pobre eram sinônimos. A resistência desses pequenos à miséria não estava em seus
músculos frágeis, "mas nesse
olhar magnífico, cheio de uma
vontade de viver ao mesmo tempo humilde e feroz, esse olhar estranho que jamais vi em qualquer
das nossas crianças, (que) exprime a mesma paciência indomável que a morte não desarmará,
pois esse olhar não se desviará dela, como não se desviou da vida...
É o olhar de um povo que deverá
sua liberdade apenas a si próprio,
pois não a recebeu de ninguém,
mas a conquistou dia a dia, pagou-a com seu labor obscuro, seus
sacrifícios sem número, sua paciência, sua fé...". Sessenta anos
depois, ainda é verdade.
Rubens Ricupero, 65, é secretário-geral
da Unctad (Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento),
mas expressa seus pontos de vista em
caráter pessoal. Foi ministro da Fazenda
(governo Itamar Franco).
E-mail -
rubensricupero@hotmail.com
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