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LUÍS NASSIF
Conversas com dona Teresa
Dia 12 último foi seu aniversário de nascimento, não
me esqueci. À tarde juntei minha tropa, as menininhas e as
meninonas, e fui almoçar na
praça Vilaboim. Depois passei
na loja de música e sem pressentir comprei um CD de Carlos
Galhardo.
À noite, sozinho em casa, coloquei o CD no computador e estava escutando, quando a Lourdes telefonou lembrando da data. Naquele momento o CD entrou na faixa 12, da valsa "Último Beijo", de Jorge Faraj e Roberto Martins. "Na carta, nem o
nome ela escreveu / adeus, e torturando o meu desejo / igual aos
falsos beijos que me deu / a
mancha de carmim de mais um
beijo".
Foi uma música que entrou
no meu cérebro, ainda criança,
cantada por sua voz límpida e
depois ficou adormecida em algum lugar da memória. Alguns
anos atrás, em uma rodada, um
amigo levantou o tema e as lembranças afloraram com a força
do vulcão de Poços de Caldas.
Só então me dei conta de que a
senhora tinha preferência por
duas valsas chamadas "Último
Beijo". A que eu sempre lembrava era a do Zequinha de Abreu,
gravada pelo Roberto Fioravanti.
A primeira vez que visitei a
casa Manon, em São Paulo, com
dez anos de idade, fiz questão de
comprar a partitura em piano,
que tirei para tocar para a senhora. Lembra?
Agora, passando a Semana
Santa em Poços de Caldas,
quando a noite avança, saio pelas ruas refazendo os mesmos
caminhos que a senhora percorria. No trajeto entre a Farmácia
Central, no início da rua Rio de
Janeiro, e a nossa casa, no final
da rua, lembrei da senhora carregando sua sacola, ou alguma
cesta, e parando em cada casa
do caminho, para conversar.
Conversa
Como gostava de conversar!
Às vezes precisava parar para
superar uma angina fortíssima,
fruto de um hipercolesterol que
a levou aos 63 anos, mas que jamais abateu sua força ou a sua
verve.
Fiquei lembrando das noites
em nossa casa, eu mais a Regina, a Fátima e a Inês -a Lourdes ainda era bebê- sentados
em torno da sua cama, ouvindo-a cantar as valsas do seu
tempo. Como a gente caçoava,
depois, de sua paixão por Galhardo.
A senhora gostava tanto dele,
que aquele LP de capa azul não
saia da vitrola. Sei que a senhora não vai acreditar, mas não
fui eu quem sumiu com o LP.
Ele gastou mesmo, de tanto tocar.
Com todo respeito, ainda temos calos no ouvido de tanto
ouvir a senhora contar a história da Revolução de 1932, e de
como se escondeu com meus
avós em uma fazenda para fugir
das tropas mineiras. A senhora
realmente foi uma autêntica
constitucionalista aos seis anos
de idade.
Acho que a única vez que a
gente conseguia devolver suas
gozações era quando juntávamos com as primas para dizer
que a senhora representava os
derrotados de 1932. No mais, a
liderança da gozação sempre foi
sua.
Até mesmo quando ironizava
a fama de separatista dos paulistas, cantando a paródia de
"Fita Amarela": "Quando eu
morrer / não quero choro nem
lista / só quero uma fita paulista
/ gravada separatista". E como a
senhora foi linda! Sempre que
me encontro com o professor
Antônio Cândido ele se recorda
de sua beleza, que nem o tempo
reduziu, nem a doença prejudicou. Eu fico ouvindo, todo coruja.
Expectativas
Agora, cá para nós, não foi fácil esse tempo todo ficar me indagando se tinha cumprido os
compromissos, atendido às suas
expectativas, se não tinha cedido ao acomodamento ou a
qualquer forma de prazer supérfluo. Podia ter maneirado
um pouco, né?, reduzido o teor
de autocrítica.
Podia ter permitido alguns
momentos de deslumbramento,
de comemoração de um ou outro sucesso, sem me sentir ridículo. Lembro da sua neta Luizinha, em um desses momentos,
me dando um puxão de orelhas:
"Pai, pára de pensar no dia seguinte, curte o momento, que é
seu!". E quem disse que sua lembrança deixava.
Agora que a maturidade
avança, com a chama ainda
acesa, mas com alguma obra legada, quando se olham as filhas
e sobrinhos crescendo, sendo
formados na mesma massa que
a senhora legou, a idade autoriza momentos de relaxamento.
Já estava sentindo falta mesmo,
de um daqueles nossos bate-papos que ficaram interrompidos
por algum tempo, por algum
conflito mal resolvido.
E-mail -luisnassif@uol.com.br
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