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LIÇÕES CONTEMPORÂNEAS
Política industrial contemporânea para o Brasil
LUCIANO COUTINHO
O paradigma de política industrial praticado até o início dos anos 80 era intensivo em
proteção tarifária e em subsídios
fiscais, complementados pela
oferta de infra-estrutura em condições favorecidas. Nos anos 80 e
90, sob a égide da "globalização",
esses instrumentos foram se tornando desfuncionais para os países desenvolvidos e para as grandes empresas transnacionais.
Com o fim da Rodada Uruguai e
a criação da OMC em substituição ao Gatt, o seu uso passou a ser
contestado e cerceado pelos países
industriais avançados, que, não
obstante e farisaicamente, continuaram a utilizá-los de forma
abusiva, notadamente no que toca à agricultura, às regiões deprimidas e aos setores ligados à defesa nacional.
A concepção, nos anos 80, de
novos instrumentos de política
industrial esteve calcada na idéia
de que as políticas deveriam
atuar de modo compatível e complementar aos mercados, prevenindo ou sanando as suas falhas.
Para evitar, de outro lado, as "falhas do Estado", dever-se-ia minimizar o protecionismo e banir os
mecanismos burocráticos discricionários e a falta de transparência. As políticas industriais deveriam, assim, praticar o fomento
com horizonte temporal finito e
definido, sob condições explícitas
de custo-benefício, com publicidade e transparência. Da parte
dos economistas keynesianos e
shumpeterianos, houve uma reflexão mais madura, que reconheceu a pertinência das advertências dos liberais quanto às falhas do Estado. Os princípios da
avaliação de custos, da transitoriedade da proteção e da transparência foram incorporados à concepção das políticas.
Simultaneamente, aprofundou-se a reflexão a respeito das falhas
de mercado. Além da admissão
das externalidades (positivas e
negativas) e das falhas financeiras resultantes de assimetrias de
informação, a agenda incorporou
a incerteza, os riscos financeiros
decorrentes de altas alavancagens, os riscos da inovação tecnológica, as economias dinâmicas
de escala, os processos de aprendizado, as sinergias horizontais
("clusters"), as sinergias verticais
ao longo de cadeias setoriais, as
deficiências institucionais etc. À
lista de questões microeconômicas foi, assim, adicionada uma
nova agenda de desafios de natureza mesoeconômica e de coordenação de decisões entre agentes.
O fato de que os riscos financeiros, a intensidade de capital, o período de maturação dos projetos,
as estruturas de mercado, a natureza das sinergias e das economias de escala-integração-aprendizado e a inovação são específicas em cada cadeia setorial requer que a política industrial tenha que ter -necessariamente-
um recorte setorial integrado. Do
ângulo microeconômico, é ainda
imprescindível considerar os grupos privados e as suas estratégias.
Nos setores de alta intensidade de
capital e de alto risco, a política
industrial precisa auxiliar na redução dos riscos. No caso dos segmentos sob o controle de grupos
nacionais, a política deveria robustecê-los, habilitando-os a operar globalmente e a desenvolver
núcleos endógenos de progresso
tecnológico. As empresas líderes
competitivas deveriam merecer
atenção especial para que pudessem dar saltos sem perder a excelência de gestão e o desempenho
inovacional. Há ainda na nova
agenda, o desafio da promoção
dos arranjos produtivos locais
(política industrial regionalizada).
Aperfeiçoamentos institucionais, esquemas inovadores de redução de riscos financeiros, estruturação de engenharias de capitalização e financiamento, formas criativas de subsídio à pesquisa e ao desenvolvimento e a
processos virtuosos de aprendizado e de acúmulo de sinergias
constituem o cardápio desses instrumentos modernos, que passaram a ser intensamente praticados ao longo dos anos 90. Além
disso, uma nova roupagem foi
atribuída aos "velhos" instrumentos: o uso do poder de compra
do Estado, a subvenção direta a
projetos especiais e militares, a
coordenação induzida do crédito
e do mercado de capitais, o uso
intenso dos instrumentos de defesa comercial.
A recriação da política industrial requer, em primeiro lugar,
sua articulação com a política
macroeconômica (de câmbio estimulante, juros os mais baixos
possíveis). Segue-se a rápida construção dos novos instrumentos, o
uso seletivo dos velhos, a redução
(heterodoxa e transitória) dos
custos de capital via BNDES e as
reformas tributária e financeira.
Há, ademais, os desafios da compatibilização da política industrial com outras políticas relevantes (de comércio exterior, tecnológica, regional) e de sua sintonização com uma regulação revigorada, indutora de investimentos nos
setores de infra-estrutura.
Luciano Coutinho, 54, é professor titular do Instituto de Economia da Universidade de Campinas (Unicamp). Foi secretário-geral do Ministério da Ciência e
Tecnologia (1985-88).
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