|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
LIÇÕES CONTEMPORÂNEAS
O poder americano depois de 1970
MARIA DA CONCEIÇÃO TAVARES
A ruptura do padrão dólar
fixo, a derrota no Vietnã e as
crises do petróleo balançaram os
pilares do poder norte-americano. A maioria dos analistas continuou a proclamar a derrota definitiva da hegemonia americana,
mesmo depois de 1985, quando a
crise já tinha sido superada e os
Estados Unidos avançavam na
direção de um poder global.
A política externa dos EUA, depois da movida diplomática de
Nixon (Kissinger) em relação à
China, tinha deixado de se concentrar nos conflitos Leste-Oeste,
congelados pela distensão da
Guerra Fria, e deslocado seu foco
para o Oriente Médio. Tratava-se
de resolver simultaneamente a
geopolítica da área e a geoeconomia do petróleo, ambas em grande período de turbulência. O condomínio americano-saudita-iraniano reafirmado pelo acordo de
Teerã de 1971 durou pouco graças
à instabilidade do sistema monetário internacional e aos conflitos
crescentes nos países árabes, que
se agravaram com a derrubada
do xá do Irã.
A instabilidade do dólar só foi
contornada depois da "diplomacia do dólar forte" do governo
Reagan (Volker), seguida pelos
acordos Plaza-Louvre de 1985, em
que os norte-americanos, apoiados pelos europeus, impingiram
uma valorização considerável ao
iene. Este se tornou a "moeda de
ajuste" às flutuações do "dólar
flexível", dadas as enormes reservas japonesas em dólar. No mercado de petróleo, o ajuste foi passado em última instância para a
Arábia Saudita, o país com as
maiores reservas petrolíferas do
mundo, encarregado de expandir
ou contrair a produção de acordo
com a expansão da demanda e as
flutuações de preços.
Assim, nos dois "mercados flexíveis", o dólar e o petróleo, os EUA
deixaram de arcar internamente
com o ônus da desregulação, que
caracterizou o período de transição 1973/85 e passaram a uma
economia de comando, na qual a
política norte-americana faz unilateralmente as intervenções preventivas ou corretivas, segundo a
conjuntura. Sem regras gerais auto-aplicáveis e sem consideração
pelas regras dos organismos internacionais que eles mesmos ajudaram a criar, os norte-americanos,
com seu intervencionismo preventivo, expandiram como nunca
o seu poder global.
Do ponto de vista militar, a estratégia da intervenção preventiva prosperou. No caso do Oriente
Médio, os EUA não esperaram
para substituir a velha "gerdarmerie" colonial, como ocorreu no
caso do Vietnã. Intervieram em
todos os conflitos, fizeram tratados unilaterais com o Egito e com
Israel, apoiaram primeiro o xá do
Irã e, quando este foi derrubado
pela Revolução Islâmica, em
1979, armaram o Iraque na longa
guerra que se seguiu, apoiando
Saddam Hussein, que viriam a
derrubar duas décadas depois. A
Arábia Saudita manteve-se até
hoje como o único aliado fiel dos
EUA, depois das mudanças sucessivas de alianças e dos conflitos
nos demais países árabes.
A velha Inglaterra -que conseguira depois da guerra de 1914 garantir a sua política de protetorados e de árbitro dos conflitos do
Oriente Médio- foi empurrada
para fora do comando pela superpotência americana e retirou-se
"voluntariamente" por ter achado petróleo mais barato no mar
do Norte. Suas pretensões "arbitrais" na área estavam definitivamente minadas desde a crise do
canal de Suez e requeriam a passagem do bastão para os EUA. Só
voltou como personagem auxiliar
na segunda Guerra do Iraque, no
começo deste século.
Dentro da mesma lógica, apesar
da implosão da URSS, as antigas
bases, instaladas após a Segunda
Guerra Mundial, mantiveram-se
dentro da União Européia e expandiram-se para o Leste Europeu. As bases mais recentes estão
localizadas em países possuidores
de petróleo ou nas atuais fronteiras russas e chinesas da Ásia Menor (ver Chalmers Johnson,
2004).
A gestão interna do intervencionismo preventivo tornou-se mais
complexa com a reafirmação da
hegemonia norte-americana.
Evidentemente, as divergências
de política econômica entre a Secretaria do Tesouro e o Fed (o
banco central dos EUA) são facilmente contornáveis quando se
tem à disposição uma política fiscal e monetária elástica, e quando nenhum dos seus dirigentes
pensa em contrariar os interesses
dos grandes bancos americanos e
da "comunidade financeira internacional", já consolidados em
Wall Street depois de 1985. O mesmo não se pode dizer do petróleo
e das armas. Afinal, o Texas não
coordena adequadamente o mercado mundial de petróleo e, muito menos, as políticas setoriais e
globais do complexo militar norte-americano.
O fato de que as bases militares
no exterior respondem, em suas
tarefas múltiplas, a comandos
das Forças Armadas e da espionagem norte-americanas não
unificados internamente perturba e distorce, muitas vezes, as informações disponíveis no Pentágono e no resto dos órgãos de segurança. Isso agrava as disputas
entre a Secretaria de Defesa e o
Departamento de Estado, que
vêm se acentuando desde o governo Reagan. Não existe, na verdade, um comando unificado da Segurança Nacional norte-americana (como se viu por ocasião do
desastre de 11 de setembro) e talvez a razão disso seja o fato de a
"doutrina de segurança" e as
agências de inteligência se terem
espalhado a todos os escalões do
governo desde que o poder nacional se confundiu com o poder global.
O cruzamento dos grandes interesses corporativos e militares que
atravessam a geografia mundial,
em particular a do petróleo, tornam os "dissensos de Washington" sobre decisões da política externa norte-americana um verdadeiro quebra-cabeças. O aumento desmedido do poder global
dos EUA nas últimas décadas é
incompatível com a noção de ordem internacional por sua inerente instabilidade estrutural. A
dinâmica da "globalização financeira" comandada pelo dólar não
admite um padrão estável nem
coincide espacialmente com a expansão do poder militar. Esta é
movida por outra lógica que não
aceita nenhum movimento de
"equilíbrio" ou coordenação dos
demais poderes nacionais.
Maria da Conceição Tavares, 74, economista, é professora emérita da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ),
professora associada da Universidade de
Campinas (Unicamp) e ex-deputada federal (PT-RJ).
Internet:
www.abordo.com.br/mctavares
E-mail -
mctavares@abordo.com.br
Texto Anterior: Opinião Econômica - Rubens Ricupero: Mensagem ao nosso povo Próximo Texto: Panorâmica - Acordo: BC e Fazenda enviam carta ao FMI Índice
|