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LUÍS NASSIF
O caipira é coisa nossa
Tenho especial admiração pela Danuza
Leão. Mas a crítica que fez à
Festa Junina do Palácio do Alvorada me pegou no fígado.
Nada contra críticas ao Lula,
porque presidentes foram feitos para serem criticados,
mesmo. Mas tratar como tratou a minha festa favorita me
deixou passado.
Ainda guardo na memória
as festas juninas que fui ver
em Aracaju. Foi como se
abrissem as cortinas dos tempos, com o Nordeste de hoje refletindo meu sul de Minas dos
anos 50. Antes que junho termine, ainda irei a outro centro nordestino de música junina, dançarei ao som de Luiz
Gonzaga e Dominguinhos, de
Assis Valente e Alceu Valença.
Minha amiga Danuza viu
no bigodinho de Lula a elegia
ao atraso, do Jeca Tatu, de
Monteiro Lobato. Mas nossos
caipiras não são assim.
Certa vez conversava com o
embaixador Walther Moreira
Salles sobre o fato de a imprensa, em uníssono, "acusar"
o então presidente Itamar
Franco de caipira. Sábio e cosmopolita, o embaixador retificou. "Não é caipira, não. Caipira é um sujeito ladino, que
sabe compreender o mundo a
partir do que aprende em seu
canto. O Itamar é diferente: é
provinciano." E toca a contar
histórias e histórias sobre a sabedoria caipira.
Longe de mim enaltecer a
falta de estudos, que é para ser
lamentada, não celebrada.
Mas o caipira não. O caipira é
coisa nossa, como a goiabada
cascão, que Assis Chateaubriand pretendeu introduzir
na cozinha francesa.
São curiosas essas mudanças ocorridas na vida nacional. Historicamente, talvez o
Rio de Janeiro seja a única região do país infensa a festas
juninas. Desde o século passado era uma cidade cosmopolita, porta de entrada do Brasil.
O interior nunca chegou a penetrar na capital. O máximo a
que se chegou foi o regionalismo nordestino que dominou
nos anos 20 a música urbana
carioca.
Em uma longa pesquisa que
fiz sobre a vida carioca nos
anos 40 e 50, destacava-se o
sentimento de internacionalização, da primeira sociedade
mercantil moderna do país.
Lendo "A Sombra" e outras
publicações da sociedade carioca, percebia-se o sentimento de superioridade sobre o
Brasil do interior -incluída,
nessa classificação, a própria
São Paulo. A bem da verdade,
o estilo das festas e casamentos paulistanos contrastava
nitidamente com a elegância
do "café society" carioca.
Naqueles tempos, os grã-finos cariocas descobriram o
negro. No pós-guerra, havia
festas para celebridades estrangeiras, em casas com
grandes quintais e morros ao
fundo. Do alto desciam negros
com seus batuques. Mas era
uma mera emulação dos norte-americanos, depois que a
cultura negra explodiu com o
jazz.
Está certo que o nativismo
que emergiu desse período era
basicamente modernizante,
na decoração, na arquitetura,
na poesia, na literatura. Mas a
cultura regional brasileira era
celebrada como valor nacional.
Hoje em dia, as festas juninas são uma tradição de norte
a sul. Não existe escola pública
ou privada, popular ou de rico
que não tenha sua festa junina. Dia desses, houve uma festa junina de grã-finos aqui em
São Paulo em que o noivo era
presidente de uma grande empresa de serviços, e a noiva,
uma atriz conhecida. Creio,
mesmo, que, se Fernando
Henrique Cardoso tivesse
montado uma festa caipira no
Alvorada, seria saudada como
um ato de requinte intelectual
do sociólogo. Por que a crítica
a Lula? Porque sua goiabada
cascão era com queijo minas,
não com camembert.
No ano passado fui a uma
festa junina no sítio de Toninho Trevisan, em Itu. Levei
minhas duas caçulinhas, mais
Sofia, uma sobrinha de três
anos que enfrentava problemas sérios de saúde. Foi inesquecível! Fiz o túnel com Dorinha, que ainda não completara quatro anos, vi Bibi dançando feito doida, de braços
dados com Sofia, como se tivessem nascido sabendo, cercadas de adolescentes, adultos, velhos, enquanto uma
bandinha despejava temas juninos. E eu, desengonçado e tímido como pode ser um filho
de mineiros, me vi abraçando
e dançando com minhas menininhas.
Levarei para sempre, no
mesmo canto da memória onde guardo as festas juninas da
minha infância.
E-mail -
Luisnassif@uol.com.br
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