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Plano busca ampliar mercado interno
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Leia abaixo a entrevista com José Carlos Miranda, chefe da assessoria econômica do Ministério do Planejamento.(MS)
Folha - Faz um mês que o governo
divulgou o "roteiro para agenda de
desenvolvimento". Nesse prazo,
um grupo do qual o sr. faz parte deveria reavaliar os incentivos fiscais
concedidos à indústria e mapear os
gargalos para o país crescer. A que
conclusões chegou?
José Carlos Miranda - Na verdade, o prazo era para uma nova
reunião de avaliação. Essa é uma
tarefa complexa, porque estamos
inaugurando um novo modelo de
desenvolvimento em que o papel
do Estado é totalmente redefinido. Já não é mais a proposta de
um Estado desenvolvimentista,
que conduziu todo o processo de
crescimento e substituição de importações, a montagem da indústria dos anos 50 aos anos 70, até o
segundo PND [Plano Nacional de
Desenvolvimento] do Geisel. Não
é o modelo de Estado minimalista
da era Fernando Henrique Cardoso. No novo modelo, o Estado é
indutor das ações privadas.
Folha - Quais são os gargalos que
o governo terá de enfrentar e
quanto haverá de incentivos e subsídios às tais ações privadas?
Miranda - A maior complexidade é, diante da existência de tantos
gargalos e da escassez de recursos,
identificar quais serão priorizados. Há nitidamente quatro desafios. Todos os gargalos de infra-estrutura e logística terão prioridade: rodovias, ferrovias ou obras
destinadas ao escoamento de exportações. Isso para reduzir o
"custo Brasil". Um segundo gargalo são os desequilíbrios regionais. O terceiro desafio é diminuir
a vulnerabilidade externa, elevando as exportações e diminuindo
de forma competitiva as importações. E, por fim, sem ordem de
prioridade, é construir um mercado de consumo de massas, com
a inclusão de famílias excluídas.
Folha - Mas quais são exatamente
os setores a serem incentivados pela nova política industrial?
Miranda - Serão privilegiados setores ou empresas cujo investimento amplie o volume de exportação, substitua competitivamente importações e produza para o
consumo de massa, além de setores e empresas portadores de futuro. Não é muito. Precisamos
modernizar o parque industrial
brasileiro e uma forma de baratear isso é dando incentivo fiscal.
Folha - Nesse período de 2004 a
2007, o país estará comprometido
com a meta de gerar superávits primários altos para pagar a dívida.
Só neste ano, a Receita abriu mão
de arrecadar R$ 24
bilhões. Para conceder novos incentivos, o governo
vai anular outros?
Miranda - Esse é
o ponto nevrálgico do modelo de
desenvolvimento.
Dada a restrição
fiscal, os recursos
orçamentários
vão ser basicamente destinados
a duas coisas: às
políticas sociais e
ao financiamento
de alguns projetos
de infra-estrutura
que não têm rentabilidade e, portanto, não interessam de imediato
ao setor privado.
Estatísticas mostram que 70% das
doenças, principalmente em
crianças, em regiões que não têm
esgoto são derivados de falta de
saneamento. É muito mais barato
sanear do que tratar essas pessoas.
Em vários setores, basta dar
tranquilidade e reduzir a incerteza, os retornos propiciam o investimento privado. Exemplo: transmissão de energia. Se tiver marco
regulatório adequado, não tem
por que o investimento privado
não se realizar.
Existem outros projetos de investimento em que você teria
uma contrapartida pública para
complementar esse retorno. O benefício para o Estado é um gasto
distribuído ao longo do tempo em
vez do desembolso em uma obra.
Suponhamos a construção de
uma nova estrada. O investimento é realizado completamente pela iniciativa privada ou com pequeno aporte de recursos públicos. Depois, se o pedágio não cobrir todo o investimento, o Estado
entra como se pagasse por mês
uma amortização do capital e um
juro pelo serviço.
Folha - Não sai mais caro para o
contribuinte?
Miranda - Não, só para o usuário
daquele serviço. Um outro tipo de
parceria público-privada é o seguinte. Suponha
que o Ministério
da Saúde queira
construir um hospital e não tenha
dotação. Então
faz um consórcio
entre uma construtora e uma empresa de administração hospitalar,
elas vão ao mercado -o BNDES
pode dar garantias se não tiverem recursos próprios-, fazem o
investimento e
pode haver um
contrato para
construção e administração do
hospital por 15
anos. O governo
paga um "aluguel", como se
fosse o leasing de
um carro.
Folha - Dá para calcular, percentualmente, qual o papel da iniciativa privada nos investimentos previstos no PPA?
Miranda - Como a heterogeneidade dos projetos é muito grande,
depende. Há projetos em que o
governo vai pagando um aluguel,
em outros terá um aporte inicial.
Folha - No governo Fernando
Henrique Cardoso já havia a expectativa de uma grande participação
da iniciativa privada no PPA, mas
não virou realidade.
Miranda - No plano anterior, havia a oferta de um portfólio de 400
e tantos projetos de investimentos
que a iniciativa privada poderia
optar por fazer. Estamos optando
por ser focados e exequíveis. Um
anexo do PPA listará as possibilidades de complementação de investimento privado, e é aí que entram as engenharias financeiras.
Folha - Ainda no complicado capítulo dos incentivos fiscais, está claro que haverá cancelamento de
atuais incentivos para abrir espaço
aos novos? Os alvos podem ser as
deduções com instrução e saúde no
Imposto de Renda, que beneficia
sobretudo a classe média? Isso estava em estudo na Fazenda e tem o
forte apoio do Banco Mundial.
Miranda - Tem outras coisas
também importantes. O comprometimento desse governo com o
ajuste das contas públicas exige
que os incentivos sejam focados e
tenham contrapartidas de empresas e setores beneficiados. Isso deve ficar pronto em dez dias. É impossível, dada a restrição orçamentária, que a gente aumente o
volume de incentivos.
Folha - Na revisão do acordo com
o FMI, o sr. acha fundamental rever
o conceito de investimento das empresas estatais, contabilizados como déficit público?
Miranda - Caso haja revisão do
acordo, essa é uma das principais
questões, contribuiria para aumentar o investimento de dois setores centrais na competitividade
da indústria brasileira e também
para diminuir a vulnerabilidade
da economia: o sistema Eletrobrás e a Petrobras. Mas ainda não
estamos contando com isso.
Folha - No capítulo do consumo
de massa, a intenção é estimular a
produção de bens mais acessíveis
ou estimular o aumento da renda?
Miranda - Nós fizemos uma simulação dos impactos do crescimento projetado em 3,5% em
2004 somando o impacto das políticas de transferência de renda.
Se cada família recebesse R$ 50,
as 11,2 milhões de famílias pobres
com renda per capita anual de até
R$ 1.793, tenho o seguinte resultado: a renda per capita da primeira
faixa, de 4 milhões de pessoas
mais pobres, passa de R$ 840 para
R$ 1.457; da segunda faixa, passa
de R$ 1.793 para R$ 2.438.
Folha - Vai haver tanto dinheiro
no PPA, R$ 6 bilhões, para programas de transferência de renda?
Miranda - Lógico. Se eu fizer 11
milhões, que são as pessoas adequadas a receber programas, tenho isso. Se aumenta a renda, a
propensão a consumir da classe
mais baixa é altíssima em produtos de primeira necessidade, muito em alimentação, alguma coisa
em vestuário e também em remédio. No geral, com crescimento de
3,5% e essa política de renda, você
vai ter um aumento da demanda
de trigo em grão de 13%, 10% a
mais de frango, 11% de açúcar, 9%
de óleo vegetal e 7% de remédio,
por exemplo. Daí porque a questão de inclusão social e de uma sociedade de consumo de massa,
embora seja uma questão ética, é
também uma questão econômica.
Folha - Está de pé o cenário de
crescimento de 3,5% em 2004, 4%
em 2005 e 4,5% nos dois anos seguintes?
Miranda - Isso se mantém. Se
houvesse redefinição, seria para
melhor, tanto nas projeções de juros, como de inflação e câmbio.
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