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CARTEL
Para José Tavares, da Seae, eficiência econômica é muito mais importante
Concentração de mercado não preocupa, diz Fazenda
O problema da economia não é, como foi no passado, instalar novos setores industriais. O problema é como manter a eficiência da estrutura produtiva
O mais eficiente é um desenho monopolista. Se esse for o desenho, me preocuparei que esse monopolista seja eficiente e distribua os benefícios para a população
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PEDRO SOARES
DA SUCURSAL DO RIO
O secretário de Acompanhamento Econômico do Ministério
da Fazenda, José Tavares, 59, afirma que não teme que o setor aéreo se torne monopolista após a fusão da Varig com a TAM. Para ele, "muito mais importante" do que a concentração de mercado é a "eficiência" econômica.
Tavares disse que não está preocupado com o fato de a nova empresa vir a ter mais de 70% do mercado -desde que seja mudado o marco regulatório do setor
para facilitar a entrada de novos
competidores nacionais. Ele defende, porém, a manutenção do
fechamento das rotas domésticas
às companhias estrangeiras.
Outro "virtual monopólio" que
não preocupa o secretário é o da
AmBev. Ele quer, no entanto, acabar com a tarifa de importação
para abrir espaço à concorrência
no mercado de cervejas.
Segundo Tavares, a regulamentação de quase todos os setores
deve ser aperfeiçoada para garantir mais competição -é o caso do
de combustíveis, especialmente
do gás de cozinha. Ele disse que há
forte concentração no setor em
todos os Estados. Uma das mudanças será o fim da obrigatoriedade de o revendedor comprar
sempre do mesmo distribuidor.
A seguir, os principais trechos
da entrevista.
Folha - O que mudou na Seae [Secretaria de Acompanhamento Econômico] no novo governo?
José Tavares - A estabilização
macroeconômica é apenas a parte
inicial de retomada do crescimento. A atividade da Seae tem papel
fundamental porque a política de
concorrência tem o objetivo de
forçar a coerência das diferentes
políticas. Quando nós falamos da
agenda de desenvolvimento, buscamos assegurar que o sistema
produtivo brasileiro acompanhe
o ritmo do progresso técnico internacional. Se não existe aumento de eficiência, não podemos atacar toda aquela agenda de crescimento que foi objeto da plataforma de campanha do presidente
Lula.
Folha - Como o sistema de defesa
da concorrência pode ajudar no desenvolvimento?
Tavares - Os dois objetivos da
política de concorrência são promover a eficiência econômica e
defender os interesses do consumidor. Mas só podemos atender
ao segundo de maneira adequada
se tivermos alcançado o primeiro.
Não adianta nada o BNDES promover uma nova
indústria se ele
não está gerando
os estímulos para
que essa indústria
seja inovadora. O
problema da economia não é, como foi no passado, instalar novos
setores industriais. O problema
é como manter a
eficiência da estrutura produtiva.
Folha - Quais as
principais frentes
de atuação hoje da
Seae?
Tavares - Grande
parte do trabalho
tem a ver com a
interface concorrência e regulação em todos os setores onde existem problemas recorrentes de concorrência, como
é o caso do de GLP. É um indicador de que reparos precisam ser
feitos nas normas que regulam o
setor.
Folha - Quais reparos são necessários?
Tavares - São duas portarias:
uma sobre distribuição e outra sobre revenda, para dar mais flexibilidade ao setor.
Folha - O fim da obrigatoriedade
da revenda adquirir exclusivamente de um só distribuidor estará contemplado nas portarias?
Tavares - Sim. Isso vai estar em
discussão nas portarias, que estão
indo para consulta pública.
Folha - O sr. pensa em reduzir as
tarifas de importação para enfrentar setores monopolistas?
Tavares - Na negociação da Alca
[Área de Livre Comércio das
Américas], estamos examinando
as tarifas de importação de vários
setores monopolistas. É o caso da
AmBev, que é uma monopolista
virtual. Existe uma tarifa de 23%
na importação de cerveja. A AmBev não tem o menor receio dessa
tarifa ser reduzida a zero. O que
ela solicita, com toda razão, é que
essa redução seja feita no âmbito
da negociação da Alca. Isso porque diversos países latino-americano têm tarifas semelhantes. Será uma oferta do Mercosul nas negociações da Alca. Em todos os
setores nos quais existem empresas monopolistas, não faz sentido
restringir as importações, pois reforça ainda mais o poder dessa
empresa.
Folha - Juntas,
Varig e TAM terão
70% do mercado.
O fato o preocupa?
Tavares - A pergunta que fazemos é: qual o
marco regulatório
que vai assegurar
um setor de transporte aéreo eficiente no longo
prazo, com tarifas
razoáveis para o
consumidor? Não
me preocupo
com o grau de
concentração.
Claro que é algo
que tenho que
olhar. Mas a primeira pergunta
que faço é a seguinte: qual o desenho mais eficiente dessa indústria?
Folha - Eficiência é, portanto,
mais importante do que concentração?
Tavares - Muito mais. Isso porque existem certas circunstâncias
que, dadas as características de
tecnologia e dada a dimensão do
mercado, o desenho mais eficiente é de um monopolista. Se esse
for o desenho, o que tenho de me
preocupar é que esse monopolista
seja eficiente e distribua os benefícios para a população. Quando
existe um monopolista, tem de se
eliminar todas as barreiras à entrada [de novas empresas] no setor.
Folha - O que tem de mudar na regulamentação do setor aéreo?
Tavares - O setor aéreo é um caso delicado porque existem problemas de regulamentação no
mundo inteiro. Não existe um
país que podemos adotar como
modelo. O resto do mundo está
também em situação difícil. Todos os países, em tese, seriam beneficiados com [um acordo de]
céus abertos [liberdade de todas
as companhias entrarem em todos os mercados]. Mas não é uma
discussão para o curto prazo.
Folha - O sr. não teme que a fusão
provoque aumento no preço das
passagens?
Tavares - Vamos admitir que
saia a fusão -podemos admitir
também que a Varig quebre e a
TAM vire monopolista. A perspectiva não é cor-de-rosa. Concluída e aprovada a fusão, temos
de ver o que faremos em termos
de regulação para ter uma indústria eficiente e
competitiva. O fato é que não existe
nenhum país do
mundo com muitas empresas.
Folha - O que o sr.
pensa fazer para
reduzir o poder da
maior monopolista
do país, a Petrobras. Cogita obrigar a empresa a se
desfazer de capacidade de refino, setor no qual tem
98% do mercado?
Tavares - Há 12
anos, tínhamos
um modelo quase
soviético de organização do setor,
com uma empresa estatal [Petrobras] que distribuía cotas para um conjunto de
empresas [distribuidoras] escolhidas. Essas distribuíam para revendedores e o governo controlava o preço no final da cadeia.
Idealmente, já que existe a presença monopolista da Petrobras,
é importante que exista uma infra-estrutura alternativa de importação. Mas ninguém consegue
vender o GLP de forma tão eficiente e barata como a Petrobras.
Folha - Mas a reclamação das distribuidoras é que a Petrobras tem
preços mais baixos do que os internacionais no caso do GLP, o que inviabiliza as importações...
Tavares - Se a Petrobras já está
colocando o GLP aqui abaixo do
preço internacional, o consumidor brasileiro está sendo beneficiado. O que temos de assegurar é
que esse benefício chegue aos
consumidores.
Folha - Há indícios de formação
de cartel nesse mercado?
Tavares - Os dados apontam para um conjunto de casos de condutas anticompetitivas das distribuidoras, com acusação de formação de cartel. O Cade [Conselho Administrativo de Defesa
Econômica] vai ter de julgar isso.
Chama a atenção a elevadíssima
concentração do setor. Em todos
os Estados, as quatro maiores empresas têm sempre mais de 75%
do mercado.
Folha - Existem outras irregularidades?
Tavares - Como disse antes, grau
de concentração não é problema.
Posso conviver bem com um monopolista eficiente e que esteja
submetido à competição. Não tenho nenhum problema com monopolistas como a
AmBev. Não estou preocupado,
pois a AmBev
produz um bem
cuja demanda é
elástica e vai estar
sempre submetida à competição.
Não é o caso do
GLP, um produto
de primeira necessidade que afeta a população como um todo. Se
há muita concentração, tenho que
redobrar a atenção.
Folha - A estrutura de preços do
GLP indica anormalidades?
Tavares - Quando olho a estrutura de custo do GLP, 40% é o
produto, 20% são tributos e os
outros 40% são [a margem] de
distribuição e revenda. Ora, existe
algum outro produto cuja margem de distribuição e revenda seja
de 40%? Não conheço. À primeira
vista, é um setor ineficiente.
Folha - O governo estuda mudar o
sistema nacional de defesa da concorrência?
Tavares - A proposta que vai para consulta pública é de uma fusão da Seae e da SDE [Secretaria
de Direito Econômico] e de fortalecimento do Cade. Isso significa
ampliar os mandatos dos conselheiros de dois para quatro anos e
dar ao Cade estrutura própria de pessoal.
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