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LUÍS NASSIF
O nosso Jimmy Hendrix
Confesso que, ao ouvir a
lenda, acabei me decepcionando. No final dos anos 60 a
Rhodia contratou o publicitário
Livio Rangan, que invadiu a
fantasia dos brasileiros com festivais de moda, desfiles e tudo o
mais. Para acompanhar os desfiles, Livio criou o Conjunto da
Rhodia, integrado por alguns
dos melhores músicos instrumentais do país. Desse conjunto
se originou o Brazilian Octopus,
integrado por dois gênios -o
multiinstrumentista Hermeto
Paschoal e o guitarrista Lanny
Gordin- e por mais seis músicos excepcionais, entre os quais
o guitarrista Olmir Stocker,
mais o pianista Aparecido Bianchi, o flautista e saxofonista
Carlos Alberto de Alcântara Pereira, o baterista Douglas de
Oliveira e o baixista Nilson Carlos Ruiz da Matta.
Essa gravação virou peça de
colecionador, e quem me a forneceu foi Fernando Rosa, do
www.senhorf.com.br, site que
tem tudo sobre a história do
rock brasileiro. Mas o disco não
está à altura do grupo.
Conheci o Octopus em sua formação de quarteto, no primeiro
festival de Poços de Caldas, em
1969. Na época, já tinha participado de alguns festivais universitários da TV Tupi, embora
ainda estivesse no secundário.
Aproveitei os conhecimentos
para convidar um grande número de artistas. Poços recebeu
inscrições de Jorge Ben, Renato
Teixeira, Eduardo Gudin, Adilson Godoy, entre outros. E uma
composição de Olmir, de apelido Alemão, e de Vitor Martins,
que, anos depois, se consagraria
como o grande letrista de Ivan
Lins.
A música foi defendida por
Maricene Costa, que fazia sucesso na noite paulistana. Para
acompanhá-la, veio metade do
conjunto, Alemão, Hermeto,
Lanny e provavelmente o baterista Douglas. Nem vou contar o
que os jurados de Poços fizeram
para não me irritar de novo.
Mas, pelo menos antes do resultado das eliminatórias, aquela
noite foi inesquecível.
Minha música com melhores
condições era "Congresso Internacional do Medo", em parceria com meu amigo e colega
João Cleber Juriti. A música terminava com um dixieland animadíssimo.
Doze músicas se apresentaram, e ficamos aguardando o
resultado nos camarins do Teatro da Urca. Eu e João quase tivermos um orgasmo quando
Alemão veio elogiar a música e
sugerir uns condimentos a mais
na parte final.
Enquanto os jurados discutiam entre si, tivemos nosso momento inesquecível, ouvindo
Lanny e Hermeto tocando chorinho. De Hermeto se poderia
esperar essa flexibilidade. Mas
Lanny era um guitarrista típico,
o maior do seu tempo, o maior
guitarrista brasileiro da história, segundo os estudiosos da
matéria, o homem que ensinou
os Mutantes, mas não um homem de choro. João olhou para
mim, eu para João, e nem precisava de palavras para saber o
que o outro estava pensando:
estávamos testemunhando um
momento histórico.
A música do conjunto foi desclassificada, a nossa passou raspando para a final. Aí veio um
júri de primeira, com Júlio Medaglia, Fernando Faro, Damiano Cozella, que deu o primeiro
lugar a "Congresso". Mas ficou
a decepção no grupo. Nós queríamos ganhar ou perder do povo da Rhodia.
No ano seguinte me mudei
para São Paulo e iniciei carreira
de jornalista. A estrela de
Lanny subia cada vez mais.
Cheguei a vê-los -ele e Hermeto- tocar na boate do seu pai,
o Stardust, famosa na época.
Depois, o guitarrista desapareceu nas brumas de seus demônios interiores. Abusou, foi internado, saiu anos e anos depois, como um personagem que,
congelado no tempo, reaparecesse em outro tempo, que não o
seu. Fez parte da geração de
Jimmy Hendrix e outros que se
destruíram, como que consumidos pela voracidade do som que
produziam.
Quando consegue, ainda faz
cintilar a luz do gênio. Mas é
muito difícil. Fernando me contou que, dia desses, um fã contratou-o para dar aulas de guitarra e gravou seus estudos e
improvisos. Provavelmente serão esses cacos de inspiração
que, colhidos aqui e ali, permitirão registrar, no futuro, os últimos sons do gênio.
E-mail -
Luisnassif@uol.com.br
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