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MISÉRIA RECICLADA
Exército de catadores de lixo cresce, e atividade já é reconhecida pelo Ministério do Trabalho; preços pagos pelo material caem
Desemprego impulsiona corrida da sucata
Tuca Vieira/ Folha Imagem
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Catador de sucata passa com carroça por cima de bandeira do Brasil pintada no asfalto da al. Barão de Limeira, no centro de SP |
LÁSZLÓ VARGA
JOSÉ ALAN DIAS
DA REPORTAGEM LOCAL
A crise econômica chegou ao lixo. A estagnação da indústria e o
aumento de carroceiros na ruas,
que coletam papéis, latas, peças
de ferro e garrafas usados reduziu
o valor desses resíduos. Há excesso nos ferros-velhos e nos estoques das empresas de reciclagem.
Resultado: o preço do quilo do
alumínio usado, por exemplo,
caiu mais de 20% desde abril.
Os dados sobre o aumento do
número de catadores no Brasil
são imprecisos. Mas uma série de
indícios aponta uma forte expansão desse contingente: um ano
atrás, 80% do volume de papel
comprado pelos ""aparistas" (intermediadores da venda de papel
usado para as indústrias) tinha
como origem as gráficas e os bancos. Os 20% restantes eram originários de cooperativas ou ferros-velhos, que são abastecidos pelos
catadores e carroceiros.
Agora a situação mudou. Metade do material que chega aos
"aparistas" é fornecido pelas cooperativas e pelos ferros-velhos.
De acordo com a Anap (Associação Nacional dos Aparistas de
Papel), em 2001, 45 mil catadores
forneciam material para os depósitos e cooperativas. No ano passado, o número subiu para 53 mil.
Cooperativas de catadores, como a Recifran, instalada sob um
viaduto no bairro do Glicério
(centro de SP) e mantida por frades franciscanos, identificam
maior procura de pessoas interessadas em trabalhar no setor. "Temos hoje 40 catadores. Até o final
de julho [quando vai para nova
sede] serão mais 30", diz o frei
André Gurzynski, diretor do Serviço Franciscano de Solidariedade. Diariamente, quatro pessoas
vão à Recifran buscando trabalho.
Segundo o Cempre (Compromisso Empresarial para Reciclagem) e a CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), há no
país cerca de 500 mil catadores de
papéis, metais, plásticos e vidros.
Muitos ficaram desempregados
nos últimos seis anos. Em geral,
têm pouca instrução e são os primeiros dispensados quando as
empresas decidem demitir.
A crescente presença dos catadores na economia obrigou o Ministério do Trabalho a recolhecê-los na nova Classificação Brasileira de Ocupações, no final de 2002.
"A inclusão ocorreu por imposição do mercado de trabalho. O
reconhecimento é um primeiro
passo, porque indica que se trata
de profissão emergente", diz
Claudia Paiva, do ministério.
Queda nos preços
Os preços dos resíduos para reciclagem variam com o mercado.
Quanto maior a oferta, menor o
preço pago. É o que ocorre agora,
com mais catadores e menos encomendas das indústrias de material a ser reciclado.
André Vilhena, diretor-executivo do Cempre, afirma que a situação no setor é frágil. "A queda de
14,4% nas vendas de papelão ondulado novo registrada neste semestre tem resultados na reciclagem", afirma Vilhena.
O quadro econômico reflete os
problemas no setor. Segundo o
IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), a taxa de desemprego geral no Brasil subiu de
12,4% para 12,8% entre abril e
maio. O PIB (Produto Interno
Bruto) no primeiro trimestre deste ano registrou uma queda de
0,1% em relação aos últimos três
meses de 2002.
O fato é que a economia está
empacada e os carroceiros também sentem os efeitos.
Boa parte da mercadoria deles
tem perdido valor desde o final de
abril. O preço do quilo de papelão
pago pelos ferros-velhos caiu de
R$ 0,19 para R$ 0,17, o de jornal
de R$ 0,19 para R$ 0,11, e o de
ferro de R$ 0,18 para R$ 0,12.
De acordo com o Cempre, os
preços dos resíduos variam de cidade para cidade. A Secretaria de
Serviços e Obras da Prefeitura de
São Paulo avalia também que a
nova taxa do lixo levou os paulistanos a fazerem coleta seletiva dos
resíduos, para diminuir o volume
de lixo e a taxa a pagar. O que aumentou a oferta de resíduos.
A despeito dos problemas dos
trabalhadores, a indústria de reciclagem está em alta no Brasil. O
faturamento das indústrias com
produtos reciclados saltou de R$ 3
bilhões para R$ 4 bilhões entre
2001 e 2002. O Cempre não arrisca
um número para 2003, por causa
da queda de preço de materiais e
da paralisação da economia.
Pessoas com grau superior também estão trabalhando no setor.
O arquiteto Alberto Zanini, 49,
montou há quatro meses um ferro-velho. Fatura cerca de R$ 10
mil por mês, mas ainda não teve
lucro. "Estou pensando nesse negócio a longo prazo", diz Zanini.
Sua renda é garantida com trabalhos esporádicos de arquitetura.
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