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EUA se preparam para a 2ª dose recessiva
Cresce o número de especialistas que prevêem que economia americana vá se contrair ou se desacelerar até o fim do ano
Mercados financeiro e de habitação e aumento do preço do petróleo e dos alimentos ainda preocupam principal economia mundial
KRISHNA GUHA
DO "FINANCIAL TIMES"
Para Janet Yellen, presidente da divisão regional de San
Francisco do Federal Reserve
(banco central dos EUA), as
forças que começaram a ameaçar a economia americana cerca de um ano atrás eram "um
pouco como a abertura de
"Macbeth", com as três horrendas bruxas conjurando problemas em meio a trovões e relâmpagos". Ela acrescenta: "Mas,
aqui, as três bruxas encrenqueiras eram o setor da habitação, os mercados financeiros e
os preços das commodities".
Passado quase um ano, as
três bruxas continuam à solta.
As Bolsas ainda enfrentam tumulto, e o destino da economia
dos EUA está uma vez mais na
balança. O crescimento deste
trimestre parece destinado a
exibir algum vigor. Mas o risco
de recuo para um ritmo muito
fraco ou até mesmo a uma recessão se ampliou. A dinâmica
central que envolve aperto de
crédito, fraqueza do setor financeiro e enfraquecimento da
economia se alimentando mutuamente se intensificou nas
últimas semanas, em parte devido ao choque do petróleo.
Mas o perigo de que a inflação alta se torne um componente do cenário econômico
americano também se intensificou, com o aumento nos preços da energia elevando o índice de inflação ao consumidor a
5%, em termos anualizados.
A mais recente grande intervenção das autoridades americanas -o plano de resgate às
empresas de crédito hipotecário Fannie Mae e Freddie
Mac- garantiu às gigantes do
setor o acesso a fundos e, com
ele, o financiamento continuado ao combalido setor da habitação. Gerou, porém, pouca
reação imediata nos mercados
financeiros mais amplos.
Economistas e investidores
igualmente estão imaginando
em que ponto da crise de crédito estamos: se no intervalo da
partida ou se já chegamos aos
30 minutos do segundo tempo,
para usar a terminologia do futebol. Por algum tempo, parecia que o regate ao Bear
Stearns, em março, havia marcado o ponto de inflexão na crise de crédito. Agora se tornou
claro que, embora aquele tenha
mesmo sido um ponto de inflexão, não representou o ponto
em que a crise seria superada.
Há poucos motivos para imaginar que a intervenção na Freddie Mac e na Fannie Mae representará esse ponto.
As dívidas de Fannie Mae e
Freddie Mac sempre contaram
com garantia implícita do governo. Seu resgate fechou uma
avenida para o desastre financeiro e econômico. No entanto,
não melhorou muito a situação
de outros grupos financeiros.
Por um lado, depois de um
começo hesitante de ano, a economia dos EUA se provou notavelmente resistente ao longo
do segundo trimestre e no início do terceiro. Os EUA continuaram a se beneficiar do crescimento global, com as exportações oferecendo apoio essencial à atividade. Mas o gasto dos
consumidores também se sustentou muito melhor do que
muita gente no Fed esperava.
Por outro lado, a economia
está em crescente perigo de nova deterioração mais tarde no
ano. As forças em ação são as
mesmas três "bruxas" que
ameaçam desde o início da crise. Embora tenham existido
vislumbres ocasionais de esperança nas três frentes, em termos gerais as forças negativas
se intensificaram nos dois últimos meses. Como resultado,
número crescente de economistas passou a prever uma desaceleração "em forma de W", e
alguns chegam a estimar contração econômica efetiva, mais
ou menos pela virada do ano.
A depender de como os economistas venham a classificar o
período de fraqueza do começo
deste ano, o fim de 2008 pode
enfim marcar o momento em
que os EUA cairão em recessão
ou voltarão a ela. "Acredito que
haja chance superior a 50% de
que passemos por uma recessão de duplo mergulho", diz Richard Berner, economista-chefe do Morgan Stanley.
No coração da ameaça ao
crescimento está a retomada de
uma dinâmica básica da crise
de crédito: um ciclo de retroalimentação negativa entre o setor financeiro danificado e a
economia real, e vice-versa. A
situação é agravada pelo declínio nos preços de casas e ações.
Bancos
Surpreendentemente, os
bancos ainda não foram capazes de determinar a dimensão
completa de seus prejuízos
com novos e complexos instrumentos de crédito. Agora eles
estão sofrendo uma segunda
rodada de prejuízos causados
tanto pela alta nos índices de
inadimplência quanto por uma
ampla gama de empréstimos, à
medida que os devedores sofrem o desgaste causado pela
fraqueza da economia.
Não há nada de incomum
nessas perdas, que são parte de
um ciclo de crédito à moda antiga. O problema é que os bancos estejam ingressando nessa
fase com seu capital já severamente abalado por prejuízos
anteriores. Muitos analistas estão preocupados com a possibilidade de uma onda de falências
bancárias. Mesmo que ela não
aconteça, bancos incapazes ou
indispostos a levantar capital
caro podem ter de cortar ainda
mais os seus empréstimos, intensificando a compressão de
crédito na economia.
"Em muitos casos, os bancos
ou estão reduzindo endividamento, ou cortando empréstimos, ou relutam em levantar o
capital adicional necessário para tirar vantagem das oportunidades de negócios disponíveis",
disse Ben Bernanke, presidente do Fed, na semana passada.
As dificuldades do setor financeiro estão estreitamente
relacionadas à incerteza quanto às perspectivas econômicas
e, acima de tudo, às expectativas do setor de habitação. Os
preços das casas têm poderoso
efeito sobre o consumo, por
meio de seu impacto sobre o
patrimônio e o acesso ao crédito. Eles também afetam as instituições financeiras ao influenciar o nível de inadimplência em hipotecas e o valor
dos títulos lastreados por elas.
Segundo o índice da S&P Case-Shiller para dez cidades, os
preços das casas estão 19%
abaixo de seu pico e, com base
nos mercados futuros, devem
cair ao todo 30% antes de chegar ao fundo. Como observaram dirigentes do Fed, de acordo com a ata da reunião de junho, as perspectivas para a habitação continuam "sombrias".
"A deflação nos preços dos
ativos de habitação torna muito
difícil estabilizar os balanços
do sistema financeiro e também acentua os ventos contrários que a economia real está
enfrentando", diz Mohamed
El-Erian, co-presidente-executivo da administradora de fundos de investimento Pimco.
Gastos dos consumidores
Sobreposto à compressão de
crédito está um choque adicional do petróleo, que pode se
provar o fator decisivo para
causar uma recessão. A maioria
das análises se concentra no
efeito do petróleo sobre a inflação. Mas o salto nos preços do
petróleo também devorou o
avanço nominal dos salários, o
que não deixou crescimento na
renda real dos trabalhadores
para sustentar o consumo.
Com a pressão advinda da
compressão de crédito, habitação, petróleo e a atenuação do
mercado de trabalho, o que espanta é que a economia dos
EUA tenha conseguido exibir
tamanha resistência, até o momento. O crescimento no primeiro trimestre foi de 1%. Para
o segundo trimestre, o índice
pode ficar entre 2% e 2,5%.
Uma grande parte da força
exibida no primeiro semestre
certamente se deve às exportações líquidas. Mas os gastos dos
consumidores continuaram a
crescer, em parte como resultado dos US$ 110 bilhões em impostos restituídos aos contribuintes a partir de maio. Essas
restituições parecem ter exercido forte impacto imediato sobre os gastos, elevando o crescimento do consumo. Mas é um
estímulo temporário e desaparecerá no segundo semestre.
Ao mesmo tempo, os EUA
enfrentam um sério risco de inflação. A taxa anualizada de 5%
em junho dificilmente representa um pico. Em resumo, ela
é gerada externamente, impulsionada por preços recordes de
petróleo e alimentos. Mas,
quanto mais tempo ela persistir, maior será o risco de que venha a se incorporar aos preços
internos. E alguns indicadores
de expectativas inflacionárias
já estão piscando alertas.
Há claramente a possibilidade de que a economia, depois de
se provar mais forte do que a
maioria dos economistas esperava no primeiro semestre,
consiga sustentar o ímpeto nos
seis meses finais do ano. Crescimento persistente poderia,
além disso, indicar que os EUA
são menos vulneráveis do que
geralmente se imagina a deslocamentos do mercado financeiro. Caso isso proceda, o crescimento rapidamente retornará
a níveis normais ou ainda mais
altos, alimentado por taxas de
juros reais muito baixas e pela
estabilização esperada nas
construções residenciais, especialmente se as pressões financeiras se aliviarem de novo.
Isso poderia reduzir rapidamente a capacidade ociosa hoje
modesta na economia do país
-o desemprego está em apenas
5,5%- e agravar seriamente o
risco de que inflação alta termine incorporada no comportamento que determina a formação de preços e salários no país.
Mesmo que o crescimento
não se prove superior ao esperado, existe ainda algum risco
de que as expectativas de inflação possam decolar, a despeito
da fraqueza da economia. De
fato, os trabalhadores talvez
possam não exigir aumentos
nos salários reais, mas compensação plena pela elevação dos
preços, como nos anos 1970.
Se o Fed cometer erros em
seus cálculos, os EUA poderão
ter um sério problema de inflação em suas mãos. Mas, caso
respondam apropriadamente
ao risco de inflação, o resultado
será amplificar o de crescimento. No mínimo, a menos que o
petróleo subitamente despenque ou a economia caía em uma
cratera, o melhor que o Fed poderá fazer será o dia em que terá de começar a elevar os juros.
Além disso, se as expectativas inflacionárias se agravarem
ainda mais, o Fed terá que
abandonar esses esforços de
equilibrismo e elevar os juros, a
despeito das conseqüências sobre o crescimento.
Governo
Embora as autoridades econômicas tenham se provado capazes de moderar o impacto da
crise financeira e de bloquear
determinados percursos rumo
ao armagedon econômico, não
conseguiram alterar a dinâmica subjacente. Com a política
monetária distendida devido à
ameaça de inflação, qualquer
futura resposta oficial teria de
surgir da autoridade fiscal: o
governo dos EUA.
Henry Paulson, secretário do
Tesouro, assumiu a postura de
que o governo deveria, caso necessário, intervir a fim de garantir a estabilidade do sistema, mas permitir que empresas, instituições e domicílios
individuais resolvam sozinhos
os seus problemas. O governo
Bush argumenta que os mercados se estabilizarão naturalmente, se não houver interferência, à medida que os preços
caiam a ponto de começar a
atrair novos compradores.
E isso pode estar correto. A
recuperação nas ações financeiras na semana passada demonstra que, a certos preços,
os investidores estão dispostos
a assumir riscos. Em dado estágio, os preços das casas atingirão um ponto de equilíbrio no
qual os compradores retornariam e promoveriam balanço
mais firme entre oferta e procura. E então, se não antes, a
crise de crédito terá acabado.
Mas El-Erian diz que "pode
haver múltiplos pontos instáveis de equilíbrio" para os preços das casas, o setor financeiro
e a economia em geral. Em outras palavras, poderia haver um
"bom equilíbrio" -preços mais
altos para as casas, bancos em
recuperação, uma economia
mais forte- e um "mau equilíbrio" -preços mais baixos para
as casas, bancos em crise e economia fraca. E também desfechos intermediários.
Lawrence Summers, ex-secretário do Tesouro, deseja um
segundo pacote de estímulo fiscal a fim de sustentar a economia enquanto o setor da habitação se ajusta, o que reduziria o
risco de colapso no mercado de
trabalho e com ele queda ainda
maior nos preços das casas.
Martin Feldstein, professor
da Universidade Harvard, diz
que "a chave é remover o incentivo para que as pessoas deixem
de pagar suas hipotecas quando
o valor da dívida supera o do
imóvel, porque isso derrubará
ainda mais os preços das casas".
Quer os intervencionistas estejam certos, quer não, caso a
temida fraqueza econômica se
materialize, o próximo presidente dos EUA poderá assumir
em circunstâncias muito difíceis. As ambições quanto a política externa, cortes de impostos
e reforma doméstica poderiam
ter de ocupar segundo plano
ante a necessidade de descobrir
como revitalizar a economia.
Tradução de PAULO MIGLIACCI
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