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TENDÊNCIAS INTERNACIONAIS
Militarismo europeu atropela ortodoxia econômica
GILSON SCHWARTZ
ARTICULISTA DA FOLHA
Na visão que predomina
entre investidores e organismos multilaterais, países do
Terceiro Mundo, endividados,
como Brasil e Argentina, são
dignos de confiança apenas se
os seus governantes abandonarem práticas consideradas populistas. O indicador crucial é o
déficit público. Conter o déficit é
o mesmo que conter o Estado.
Somente governos que se disciplinam são dignos de crédito.
Os países mais poderosos do
mundo, no entanto, frequentemente subvertem essa filosofia.
Na semana passada, o exemplo
dramático foram as declarações
de Romano Prodi, presidente da
Comissão Européia. Suas críticas ao Tratado de Maastricht
(que regula a União Européia)
chegam ao ponto de qualificá-lo
como "estúpido", por serem
suas regras "rígidas demais".
Ocorre que os dois países estruturantes do projeto de unificação, França e Alemanha, são
os que mais ostensivamente
frustram as expectativas de ajuste fiscal. Para Prodi, a conjuntura econômica adversa, com desaquecimento global e crise de
crédito, torna absurdas as exigências de contenção fiscal.
No centro dessa polêmica está
uma queda de braço entre o
Banco Central Europeu e os governos. Os governos pressionam o BCE em busca de uma redução de juros. O BCE responde
afirmando que a redução dos juros depende do cumprimento
de metas de ajuste fiscal. É um
contraponto conhecido nos países em desenvolvimento, em
que geralmente os financistas levam a melhor. Também, pudera, esses países devem em moeda forte, e sua "queda-de-braço"
é com o FMI, não com seus próprios bancos centrais (a não ser
que, como ocorre frequentemente, o BC seja controlado por
técnicos de confiança dos donos
do poder financeiro).
Mas, se para um governo como o brasileiro ou o argentino, o
confronto tem resultado em
perda de soberania nacional e
dependência financeira crescente, com fragilização progressiva
do Estado, na União Européia a
resultante é menos clara. A razão é relativamente simples,
mas não aparece no discurso de
Prodi. Ela pode ser encontrada
não num panfleto antiglobalização ou em artigos de analistas,
mas no discurso do ministro
francês das Finanças.
Dez dias antes das declarações
de Prodi, Francis Mer declarava,
também ao jornal "Le Monde",
que "decidimos que há outras
prioridades na França" acima
do equilíbrio orçamentário. E
quais prioridades são essas, fortes a ponto de levar o ministro
das Finanças a ignorar solenemente a reverência à "responsabilidade fiscal" que ganhou tantos adeptos fanáticos ao sul do
Equador?
"Nós decidimos que há outras
prioridades, por exemplo aumentar as despesas militares",
declarou com toda a transparência o ministro. Se a França e a
Inglaterra não derem o exemplo, afirma, "jamais nossa Europa terá credibilidade no plano
militar". Para dar conta dessa
prioridade, o jeito é empurrar
para 2004 o programa de ajuste
fiscal que deveria começar agora. Com relação ao déficit público, a França fará apenas "o que
for possível", resumiu o comandante das finanças francesas.
Enquanto isso, os franceses
comemoram a francofonia com
amplo destaque para o mundo
árabe que faz parte dessa família. Num momento em que o governo Bush leva ao extremo sua
aposta na polarização contra setores populares do mundo árabe, o respeito francês (e, de resto, alemão) à "responsabilidade
fiscal" tem firmeza apenas enquanto não colocar em risco as
prioridades estratégicas do Estado francês e de suas pretensões a
contestar o império americano.
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