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ARTIGO
Camisa-de-força fiscal e monetária acirra tensão na zona do euro
MARTIN WOLF
DO "FINANCIAL TIMES"
É difícil conduzir uma
economia que se move com
lentidão. Mas a tarefa é ainda mais
complicada quando é preciso que
diversos capitães cooperem para
comandar um navio composto,
ele mesmo, de uma série de embarcações amarradas umas às outras. Assim, não surpreende que o
crescimento lento esteja gerando
tensões na zona do euro. Mas essas tensões poderiam ser valiosas
se encaradas como uma oportunidade para reformas.
O indicador mais revelador sobre as tensões existentes foram as
abordagens divergentes quanto
às políticas fiscais adotadas pela
França e pela Alemanha. Na semana passada, Francis Mer, o ministro das Finanças francês, apontou dois dedos para seus colegas
dos demais países da zona do euro, para não mencionar o Pacto
de Estabilidade e Crescimento, ao
responder "não" duas vezes a um
aperto fiscal.
Na Alemanha, o governo reeleito concordou em elevar os impostos e cortar os gastos no ano que
vem, em uma desesperada (e provavelmente infrutífera) tentativa
de equilibrar o orçamento. Na
França, as preocupações domésticas estão prejudicando a solidariedade européia. Na Alemanha, a
solidariedade européia está, ao
menos teoricamente, prejudicando as preocupações domésticas.
No entanto esse está longe de
ser o único conflito na zona do euro. Existe tensão entre os membros menores (que realizaram,
com exceção de Portugal, um trabalho notável de corte de déficits
fiscais) e os grandalhões, Alemanha, França e Itália (que não o fizeram). Ainda mais importante,
existe desacordo entre o Banco
Central Europeu (BCE) e os países-membros quanto aos defeitos
das políticas fiscal e monetária.
Crescimento desigual
Por trás dessas tensões, temos o
crescimento fraco das economias
na zona do euro -e os desempenhos desiguais dentro dela. Alemanha e Itália estão se saindo
particularmente mal. No extremo
oposto, o crescimento médio irlandês foi de 7,8% desde 1992.
A combinação de um mau desempenho geral e de grandes divergências traz duas consequências inescapáveis: as posições fiscais se deterioram de maneira desigual, enquanto a política monetária, de tamanho único, começa
a incomodar os retardatários.
A política monetária é inevitavelmente perversa nos países da
zona do euro. Países com economia superaquecida e alta inflação
têm baixas taxas reais de juros, e o
oposto se aplica aos países que
crescem lentamente.
Uma das maneiras clássicas de
avaliar a posição monetária é a
chamada regra de Taylor, batizada em homenagem ao economista norte-americano John Taylor,
hoje subsecretário do Departamento do Tesouro dos EUA. A regra relaciona a taxa de juros aos
desvios entre a inflação real e a
meta de inflação e entre a produção real e a capacidade total de
produção. Com base nisso, uma
recente análise do UBS Warburg
conclui que uma taxa de juros de
2,4% seria a correta para a Alemanha, diante dos 3,25% do BCE,
enquanto a taxa correta para a Irlanda seria de 6,4%.
Dentro de uma união monetária, a flexibilidade fiscal é muito
mais importante do que em um
país com políticas monetárias
próprias. Na prática, porém, o
Pacto de Estabilidade parece eliminar a flexibilidade da política
fiscal quando ela é mais necessária. O déficit fiscal alemão neste
ano deve ficar acima de 3%, limite
estabelecido pelo Tratado de
Maastricht. Na França, o déficit
previsto é de 2,5%. Mas os déficits
fiscais são muito mais baixos, depois dos ajustes cíclicos: 1,6% na
Alemanha, 1,9% na França. Adotar política monetária mais dura,
nesses casos, seria loucura. Não
faria sentido um aperto para corrigir uma distorção cíclica.
Equilíbrio delicado
Se regras fiscais tolas e política
monetária perversa são parte do
problema, qual é a solução?
Quanto às políticas fiscais, é preciso reconhecer os argumentos a favor de determinadas restrições.
Um país pode ser encorajado a tomar empréstimos demais, caso
acredite que seus parceiros (ou o
BCE) jamais permitiriam que caia
em moratória. Há países, igualmente, que podem viajar de carona nas restrições alheias, expandindo seus déficits e assim impondo juros mais altos a todos.
No entanto regras desprovidas
de credibilidade são inúteis. Os
termos do pacto são severos demais. Não existe motivo para que
os orçamentos se equilibrem, e
déficits superiores a 3% não necessariamente serão desastrosos.
A resposta é permitir maiores déficits estruturais para os países cujo perfil de dívida seja favorável.
Ao relacionar os níveis de déficit
aos níveis de dívida, a reforma recompensaria os países que seguiram políticas fiscais prudentes.
No entanto muita gente acredita
que, no coração das dificuldades,
estejam as políticas do BCE. Há
alguma verdade nas críticas, mas
elas são exageradas. Dadas as metas inflacionárias, a política monetária não é severa demais no
momento. Mas podem-se fazer
três críticas ao BCE: sua meta de
inflação é baixa, suas intenções
são obscuras e seus esforços para
comunicar sua provável resposta
a medidas fiscais são limitados.
Na diversificada economia da
zona do euro, uma meta de inflação abaixo de 2% arrisca arremessar as economias de baixo crescimento e taxa de câmbio real supervalorizada, como a Alemanha,
à deflação. Uma vez mais, as metas de inflação são assimétricas.
Por esses dois motivos, seria melhor que o BCE acompanhasse o
Banco da Inglaterra e adotasse
uma meta básica de, digamos,
2,5%. A instituição deveria tentar
convencer os ministros das Finanças de que é preciso prudência, deixando clara qual seria sua
resposta a medidas de aperto ou
afrouxamento da política fiscal.
Mudanças como essas certamente ajudariam a zona do euro.
Mas que ninguém se engane. O
que está errado não será remediado apenas por instrumentos fiscais e monetários.
O desempenho econômico da
zona do euro vem sendo deprimente. Isso importa para a zona
do euro em si e para o mundo.
Uma substancial liberalização seria fundamental. Sem grandes reformas nos principais países da
união monetária, a zona do euro
continuará a ser uma das grandes
decepções da economia mundial.
Tradução de Paulo Migliacci
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