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TRABALHO
Estatal reedita "lista negra" ao congelar pagamento de adicional de periculosidade a quem faz reclamação trabalhista
Metrô troca ação na Justiça por benefício
CLAUDIA ROLLI
DA REPORTAGEM LOCAL
Para receber adicional nos salários por trabalharem em áreas de
risco elétrico, parte dos metroviários de São Paulo está sendo obrigada a abrir mão de reclamação
na Justiça do Trabalho. A denúncia, feita por funcionários e pelo
sindicato da categoria, será encaminhada nesta semana ao Ministério Público do Trabalho.
A prática é inconstitucional e
pode ser caracterizada como discriminação, segundo advogados,
especialistas e procuradores do
trabalho. "É uma nova versão da
"lista negra" denunciada em empresas privadas. Só que desta vez é
mais grave, porque ocorre em
uma estatal", diz o ministro Francisco Fausto, presidente do TST
(Tribunal Superior do Trabalho).
As chamadas "listas negras" são
feitas por empresas que barram a
contratação de quem move ação
trabalhista depois de verificar a
informação em sites da Justiça.
Os tribunais do Trabalho retiraram a possibilidade de consulta
on-line pelo nome do empregado,
e o Ministério do Trabalho editou
portaria para coibir essa prática.
No caso do Metrô, entretanto, a
exigência de retirar o processo da
Justiça é feita durante o contrato
de trabalho para empregados de
setores em que a concessão do
adicional é contestada pela empresa -como áreas técnicas e administrativas. São funcionários
que executam atividades de risco
não de forma permanente, mas
periódica, informa a empresa.
O adicional de periculosidade é
pago no valor de 30% do salário
para os que exercem função em
áreas de risco. Empresa e trabalhadores travam desde 86 uma
guerra jurídica por causa da sua
forma de pagamento.
De 86 a 98, o benefício foi concedido de forma proporcional ao
tempo em que o funcionário fica
exposto ao perigo. Como houve
uma enxurrada de ações e os trabalhadores conseguiram de volta
o adicional integral (30% do salário), o TST determinou, em 98,
que o pagamento deixasse de ser
proporcional. Os metroviários seguiram na Justiça pedindo o pagamento retroativo a 86.
O Sindicato dos Metroviários de
São Paulo informou que até 2000
a companhia pagou o benefício
dessa forma para todos em situação de risco. Mas, há dois anos, a
companhia fez um reestudo das
condições ambientais e de periculosidade, cancelando o pagamento para 311 empregados de áreas
técnicas e administrativas com
base em laudos de consultoria.
Para esse grupo, o Metrô passou
a pagar o adicional de forma periódica e por "apontamento" a
partir de 2002 -ou seja, o funcionário recebe os 30% sobre o salário no mês em que vai ao local de
risco, desde que seu chefe confirme a execução do serviço.
Dos 311 que recebiam todos os
meses o benefício e tiveram o pagamento mudado, metade foi à
Justiça pedir o benefício de volta.
"Como 90% têm conseguido laudos de peritos da Justiça atestando que eles têm direito à forma
anterior, começou a pressão para
que abram mão das ações trabalhistas", disse Wagner Fajardo,
diretor do sindicato. Nos últimos
90 dias, pelo menos 13 empregados foram ao sindicato cancelar
suas ações. "Entre os que estão
sendo procurados para retirar a
ação, também há casos de processos pedindo o pagamento retroativo a 86. São ações em fase de
execução, com custos onerosos,
de R$ 40 mil por funcionário. Por
isso, há pressão." Um deles, segundo o sindicato, está na 2ª Vara
do Trabalho, envolve 202 operadores de trem e tem valor estimado em R$ 18 milhões em 99. Está
em fase de execução, mas o Metrô
contestou os cálculos.
Em junho, a companhia fez
uma lista de 50 funcionários do
setor de manutenção, planejamento e outros com direito ao
adicional de periculosidade por
estarem expostos periodicamente
a risco. No documento, obtido pela Folha, a empresa reconhece
que devem receber o benefício,
segundo laudos técnicos, mas de
forma periódica (não é sempre
que executam atividades de risco). Nessa lista, 27 nomes aparecem com asterisco -que corresponde, como diz o documento, a
"empregados que possuem processo trabalhista, com objeto de
periculosidade elétrica". O comunicado cita que "o pagamento efetivo por apontamento dos empregados com o direito ao adicional
de periculosidade em caráter periódico está condicionado à desistência de ação na Justiça".
Para o advogado Marcus Farkatt, que defende os trabalhadores, a empresa está descumprindo
a lei. "Quem tem ação deixa de receber. Quem não tem ganha o
adicional. Esse tratamento viola o
princípio de isonomia."
A Folha conversou com metroviários que confirmaram que foram chamados por seus chefes
para abrir mão de seus processos
em troca do pagamento periódico
do adicional. Um deles, que está
na companhia há mais de dez
anos e prefere não se identificar,
diz que, apesar de executar função de risco com equipamentos
elétricos na área operacional, foi
chamado há dois meses por seu
supervisor para desistir da ação.
Funcionário da companhia há
25 anos, João (o nome é fictício)
disse que, ao participar de concurso interno para conseguir uma
promoção, também foi chamado
para abrir mão de seu processo.
"Não concordei e desisti. Não
quis comprar minha promoção."
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