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GANÂNCIA INFECCIOSA
Robert Brenner, historiador da Universidade da Califórnia, prevê que economia cairá em recessão
Mentira nos lucros inflou expansão dos 90
ÉRICA FRAGA
DA REPORTAGEM LOCAL
Foi a "bolha" especulativa das
Bolsas que determinou o crescimento da economia dos EUA nos
anos 90. A divulgação de lucros
foi sistematicamente falsificada, o
que estimulou ainda mais a explosão da "riqueza americana".
Mesmo quando os lucros caíam,
os preços das ações continuaram
a inflar, auxiliados pela falsificação das despesas com executivos,
que fizeram os lucros da Microsoft aumentar 23%, os da Cisco,
67%, os da Motorola, 500%.
A rajada de críticas vem de Robert Brenner, um dos melhores
historiadores da economia dos
EUA, professor e diretor do Departamento de Teoria Social e
História Comparativa da Universidade da Califórnia, em Los Angeles (UCLA), que costuma publicar ensaios em revistas de esquerda, como a "New Left Review".
Com a segunda fase de estouro
da bolha -a primeira foi em
2000- as companhias começam
a ter dificuldade de se financiar, o
investimento estagnou devido a
uma crise de superprodução. O
crescimento tem sido sustentado
pela capacidade de consumo das
famílias norte-americanas, que,
no entanto, estão superendividadas. Tudo isso faz com os riscos
de que a maior economia do
mundo volte a mergulhar em
uma recessão sejam grandes.
Folha - Qual a relação entre a bolha das Bolsas, o boom dos EUA e a
atual crise?
Robert Brenner - A deterioração
dos fundamentos da economia
norte-americana é uma consequência direta da bolha da segunda metade dos anos 90, na qual
preços exorbitantes de ações puxaram a expansão, e não o contrário. Paradoxalmente, entre 1997 e
2000, conforme o boom atingiu o
auge, a taxa de lucros do setor corporativo não-financeiro caiu de
15% a 20% no setor de manufaturas. Em condições normais as empresas passariam a ter lucros menores, assim como teriam maior
dificuldade para se financiarem.
O ritmo de investimento teria
diminuído, e a economia teria se
desacelerado. No entanto, como
consequência do "efeito riqueza",
empresas foram capazes de obter
financiamentos com uma facilidade sem precedentes, vendendo
ações a preços altamente inflados
e pegando empréstimos usando
seus inflados valores de mercado
como garantia.
Folha - Como o ciclo continuou?
Brenner - Graças a esse financiamento fácil, as empresas investiram maciçamente em novas fábricas e equipamentos, apesar da
lucratividade descendente. Mas o
resultado natural disso foi a criação de uma capacidade produtiva
excedente, de novo principalmente no setor manufatureiro, e
especialmente no segmento da indústria de alta tecnologia.
Entre 1995 e 2000, enquanto os
preços de ações das empresas de
alta tecnologia se multiplicaram
por seis, os lucros apenas dobraram. As relações entre preços e lucros atingiram, então, níveis ridículos. Os preços das ações estavam fadados a cair severamente,
mais provavelmente no curto
prazo, e foi exatamente o que
aconteceu ao longo de 2000 e
2001, quando seguidos anúncios
de lucros menores precipitaram
um "crash" no mercado de ações.
Folha - Mas a economia vai voltar
a crescer, como previu Alan Greenspan na semana passada?
Brenner - A economia corre o
risco de voltar a mergulhar em recessão, numa dupla queda. O fundo do poço seria uma profunda
crise de lucros. No primeiro trimestre, os lucros anualizados da
indústria tinham perdido dois
terços de seu pico, em 1997, caindo de US$ 195 bilhões para US$ 63
bilhões, uma queda recorde.
As empresas não vão tomar
mais financiamento e não investirão, porque já gastaram muito em
fábricas e equipamentos. Desde
meados de 2000, os investimentos
despencaram. Vinham crescendo
cerca de 10% ao ano. Mas, em
2001, caíram 3%. No primeiro trimestre deste ano, tiveram uma redução de 6% (taxa anualizada).
Folha - Mas a economia norte-americana cresceu com força no último trimestre de 2001 e no primeiro trimestre deste ano.
Brenner - Uma vez que o investimento está caindo e as importações estão ultrapassando ainda
mais as exportações, basicamente
o que tem provocado o crescimento da economia é o consumo.
O crescimento continuado dos
gastos de consumidores fez desaparecer o medo de queda livre da
economia em 2001 e recuperou
um pouco da estabilidade.
Mas essa expansão continuada
dos gastos de consumidores tem
sido baseada, em grande parte,
em dívidas. O endividamento familiar aumentou para 104% da
renda disponível, contra 84% em
1990. É razoável perguntar se essa
taxa pode continuar aumentando. O desemprego aumentou de
apenas 4% em 2000 para 6%, e
continua subindo, obviamente
reduzindo a capacidade de endividamento. Recentemente, o índice de confiança do consumidor
caiu significativamente, e os gastos dos consumidores também
têm se desacelerado.
A menos que o "todo-poderoso" consumidor continue a conduzir a economia até que as empresas usem o suficiente de seu
excesso de capacidade para recuperar sua lucratividade e comece
a investir, a economia vai entrar
novamente em recessão.
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