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GANÂNCIA INFECCIOSA
Investidor aplica em títulos ou deixa dinheiro no colchão
Pânico vai ampliar sangria nas Bolsas, revela pesquisa
MARCIO AITH
DE WASHINGTON
Do céu ao inferno em menos de
três anos. Pesquisa da corretora
Merril Lynch, a maior de Wall
Street, indica que a fuga de dinheiro das Bolsas de Valores norte-americanas deve continuar e
vai provocar novas quedas no
Dow Jones, na Nasdaq e no índice
Standard & Poor's.
A corretora ouviu 252 gestores
de fundos mútuos, que administram investimentos de US$ 711 bilhões em ações. O estudo revelou
que, para a maioria deles, as Bolsas -até 2000 palco da maior bolha especulativa de que se tem notícia- transformaram-se no pior
lugar para investir: 82% consideram que o mercado acionário
continuará perdendo recursos.
Fugindo do impacto dos escândalos e fraudes nos balanços das
empresas norte-americanas,
clientes desses gestores optaram
por redirecionar recursos para o
mercado imobiliário, para títulos
do governo ou simplesmente colocaram seus ativos debaixo do
colchão, nos chamados "taxable
money market mutual funds",
uma versão refinada de investimento do velho papel moeda.
Dinheiro "empoçado"
Na semana passada, esse movimento resultou na maior concentração de ativos em dinheiro da
história do capitalismo norte-americano. No começo de 2000,
cerca de US$ 1,4 trilhão era mantido por investidores em "pools" de
capital, que ficavam parados em
busca de segurança.
Na sexta-feira, esse valor chegou US$ 2,284 trilhões, o equivalente a quase quatro vezes o Produto Interno Bruto do Brasil. O
bolo de dinheiro só não aumentou mais ainda porque um volume substancial de recursos, ainda
não revelado pelo Tesouro dos
EUA e pelo Federal Reserve (banco central norte-americano), retornou para a Europa, para o Japão e para Hong Kong, depreciando ainda mais a cotação do
valor do dólar em relação ao euro.
A tentativa de Greenspan
Na terça-feira, o presidente do
Fed, Alan Greenspan, fez uma
tentativa pouco habitual para
acalmar esses investidores. O "rei
das finanças globais" fez o pronunciamento mais otimista entre
os seus depoimentos ao Congresso desde que assumiu o cargo, em
1987, na época também em meio a
uma grande crise financeira nos
Estados Unidos.
Depois de ter tentado, desde
1996, convencer os mercados de
que a "exuberância" das Bolsas
nos anos 90 era "irracional", Alan
Greenspan tentou explicar aos investidores que o pânico atual
também não faz sentido lógico.
Segundo o presidente do Fed,
apesar de uma "ganância infecciosa" ter contaminado os executivos norte-americanos, os escândalos corporativos provocados
por eles "arranharam, mas não
quebraram", a credibilidade das
companhias norte-americanas.
Poucos se influenciaram pelo
depoimento de Greenspan, como
mostrou a queda acentuada do
Dow Jones na terça-feira, que se
acentuou nos dias seguintes. Segundo a pesquisa da Merril
Lynch, os balanços e a lucratividade de companhias norte-americanas perderam "a atratividade, a
credibilidade e a previsibilidade".
Segundo os investidores e gestores de fundos, o mercado de
ações entrou num círculo extremamente vicioso. Para curar a infecção aludida por Greenspan,
companhias estão sendo obrigadas a exibir o volume real de suas
receitas e lucros, obviamente inferiores aos tidos como verdadeiro
pelos mercados.
Lucros falsos ou baixos
Como resultado, a impressão
que se tem é a de que só restaram
dois tipos de companhias nas Bolsas norte-americanas: as com balanços positivos, mas mentirosos,
e aquelas com balanços verdadeiros, mas vermelhos ou com lucros
em tendência de queda. Greenspan afirmou em seu discurso que,
de fato, a lucratividade das empresas está baixa nesse período de
recuperação da economia, ainda
em meio ao esvaziamento da bolha da Bolsa e de uma crise de superinvestimento.
Mas, apesar do tom de "racionalidade econômica" com que
Greenspan procurou envolver o
fenômeno, esses dois perfis do
mundo empresarial amedrontam
investidores. Eles tentam fugir para onde podem e esperam, com
ansiedade, pelos impactos da crise das Bolsas na economia real.
Greenspan disse acreditar que
os escândalos corporativos não
irão contaminar a economia real
do país porque os gastos com
consumo e a produtividade crescente das companhias compensam o pânico dos investidores.
Risco de inflação
Apesar da alta do euro -que
aumenta o preço dos produtos
importados nos EUA- os índices de preços ainda estão sob controle. Mas o próprio Fed identifica
uma certa tendência de alta que
poderá, no futuro, justificar um
aumento de juros. Essa dinâmica
poderia colocar um fim ao modelo de expansão econômica iniciado em 1992 e que controlou a inflação por meio de um dólar fortalecido, de importações baratas e
de muito dinheiro nas Bolsas.
Devido às suspeitas de irregularidade envolvendo o presidente e
o vice-presidente dos EUA, investidores também não acreditam
numa saída política para a crise,
como a oferecida ao país por
Franklin Delano Roosevelt, que
ocupou a Casa Branca depois do
crash da Bolsa em 1929, que resultou na pior recessão vivida pela
economia norte-americana e que
teve impactos globais.
Para restabelecer a confiança
dos mercados, Roosevelt criou a
SEC (Securities and Exchange
Commission, o xerife dos mercados nos EUA, órgão de supervisão
com objetivos semelhantes aos da
CVM no Brasil, mas com muito
mais poder e recursos) e colocou
empresários na cadeia.
Até sexta-feira passada, George
W. Bush tentava evitar que essa
mesma SEC divulgasse dados sobre a transações suspeitas que fez
com ações da Harken Energy,
empresa da qual foi sócio até 1990.
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