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GANÂNCIA INFECCIOSA
Robert Shiller afirma que ações continuam supervalorizadas e ajuste nas Bolsas será ainda maior
"Exuberância irracional está longe do fim"
SÉRGIO DÁVILA
DE NOVA YORK
Ele não foi o inventor do termo,
mas cuidou de dar base acadêmica e passar boa parte de seu tempo
explicando a frase dita em 1996
pelo presidente do Federal Reserve (banco central norte-americano), Alan Greenspan, o mesmo
que na terça-feira acusou a economia do país de passar atualmente
por uma "ganância infecciosa".
Trata-se do economista e teórico norte-americano Robert Shiller, autor do livro "Exuberância
Irracional" (Makron, 2000). O título foi roubado da tal frase do
"maestro" do Fed, que tentava resumir o boom do mercado de
ações no finas dos anos 90.
Pois para Shiller, conforme afirmou em entrevista exclusiva à Folha de seu escritório na Universidade Yale, tal exuberância ainda
está longe de acabar. "Não acho
que já chegamos ao fim, o mercado norte-americano ainda está
supervalorizado", disse ele.
Leia a seguir os principais trechos de sua entrevista:
Folha - Os últimos dias marcam o
fim da exuberância irracional?
Robert Shiller - Não acho que já
chegamos ao fim, o mercado norte-americano ainda está supervalorizado. Penso que não é difícil
imaginar que o índice Standard &
Poor's [com as 500 maiores empresas do país" estará perto da
metade do atual valor daqui a cinco ou dez anos.
Folha - Depois deste dilúvio por
que passa o mercado atualmente, o
que acontecerá?
Shiller - Talvez tenhamos uma
nova recessão, mas não vai ser nada terrível, nada assustador. A recessão de 2001 foi muito moderada, porque o consumo interno
salvou a economia. É claro que, se
o consumo continuar decaindo e
se o mercado interno quebrar, então poderemos ver um recessão
normal, maior do que a de 2001.
Mas não estou prevendo nenhum
desastre.
Folha - A imprensa noticiou que o
mercado de ações norte-americano
perdeu US$ 2,5 trilhões este ano
até agora. Isso não o preocupa?
Shiller - Nos últimos meses, o
governo convenceu o público de
que as ações voltariam a subir e
que ninguém precisaria cortar
gastos e todos acreditaram nisso.
Mas as pessoas estão começando
a desconfiar, e se elas juntarem a
ação à dúvida então vão de fato
cortar os gastos e aí poderemos
ver uma recessão. Parece-me que
as pessoas estão parando de acreditar no mercado de ações, não só
aqui nos EUA, mas na Europa.
Folha - Como isso vai afetar a maneira como o norte-americano médio investe seu dinheiro?
Shiller - O pequeno investidor
está apostando em imóveis. O pequeníssimo, que desconfia mais
dos bancos e das Bolsas principalmente por conta dos escândalos
que se sucedem, está guardando o
dinheiro em casa, literalmente debaixo do colchão. Não estou brincando.
Folha - A relação de funcionários
graduados da Casa Branca com empresas acusadas de maquiar os balanços fiscais pode ser a Monica Lewinski do governo George W.
Bush?
Shiller - Bem, toda vez que há
uma recessão a imagem pública
do governo é afetada. Bush pai
perdeu a eleição para Bill Clinton
principalmente porque a economia não estava bem. Isso pode
acontecer de novo com Bush filho
se estivermos em recessão séria na
época das eleições, em 2004. É
certo que isso já vai atrapalhar o
Partido Republicano nas eleições
ao Congresso no final deste ano.
Folha - A crise nas Bolsas pode desanimar o investidor a aplicar seu
dinheiro em economias emergentes, como a brasileira?
Shiller - Confesso que não olhei
com muito cuidado para a situação do Brasil, mas o mercado norte-americano afeta psicologicamente os mercados do mundo inteiro. E, desde março, os mercados europeus e asiáticos estão
caindo, por conta do efeito contagiante dos escândalos norte-americanos. As pessoas simplesmente
estão deixando de acreditar em
ações.
Folha - Na semana passada, o euro ultrapassou o dólar em valor.
Qual o efeito na economia?
Shiller - Um efeito psicológico
muito grande. Os americanos se
sentiam grandiosos pelo fato de
os europeus terem criado essa nova moeda e ela imediatamente ter
sido desvalorizada e ter feito o dólar ficar ainda mais forte. Há uma
tendência humana muito estranha de se sentir muito orgulhoso
de ter uma moeda forte, e os americanos, principalmente, gostam
de saber que o dólar está assim. E,
de repente, o dólar vale o mesmo
que o euro. É simbólico.
Folha - Como isso afeta efetivamente o mercado dos EUA?
Shiller - Os investidores estrangeiros apoiaram o mercado norte-americano por muitos anos.
Não digo que eles tenham mudado dramaticamente nos últimos
dias, mas é fato que foram duplamente atingidos pelo declínio das
bolsas e o declínio do dólar. Se a
situação continuar, podem começar a tirar seu dinheiro daqui e ir
para outro lugar...
Folha - E o sr. acha que isso pode
acontecer?
Shiller - É um sério risco que
corremos, o risco de termos um
mercado em movimento em espiral para baixo. As pessoas ficam
irritadas e tiram o dinheiro, o
mercado cai ainda mais, e isso gera mais recessão, já que ninguém
vai querer gastar dinheiro. E pode
ser uma recessão mundial.
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