São Paulo, domingo, 21 de julho de 2002

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

ENTREVISTA/ROBERT BRENNER

Crise do dólar pode provocar alta de juros e afetar mais países pobres

DA REPORTAGEM LOCAL

No último trecho da entrevista que concedeu à Folha, Robert Brenner, da Universidade da Califórnia, em Los Angeles, avalia os efeitos da baixa do valor do dólar em relação ao iene e ao euro. Segundo o historiador da economia, a queda se deve à fuga de capitais dos EUA e pode resultar numa alta de juros, o que prejudicaria a recuperação da economia global.

Folha - Como a queda do dólar pode afetar a economia dos EUA?
Brenner -
Durante a segunda metade dos anos 90, a alta do dólar impulsionou o boom, o que elevou o valor dos ativos nos EUA para investidores externos e ajudou a atrair uma enorme quantidade de recursos de fora.
Mas o processo se inverteu. O investimento estrangeiro direto nos Estados Unidos caiu cerca de 50% em 2001 em comparação com 2000. As compras de ações norte-americanas pelo resto do mundo despencaram 30% em 2001 em relação a 2000, e outros 45% no primeiro trimestre de 2002 (taxa anualizada) em comparação com 2001. Isso não apenas ajudou a derrubar o mercado, mas também reduziu fortemente o valor do dólar.
Se esse movimento se mantiver, poderá destruir a ainda frágil confiança na recuperação dos EUA. Mas, a fim de impulsionar a tendência de recuperação e começar a voltar a atrair investimentos de fora para os EUA, o Fed teria de subir as taxas de juros, um movimento que levaria a economia de volta para a recessão.

Folha - Quais as consequências da queda do dólar para as economias européia e japonesa?
Brenner -
Se continuar, serão muito ruins. Essas economias foram prejudicadas durante o período em que foi imposta uma baixa do dólar, entre 1985 e 1990. Com a alta do dólar, o Japão e a Europa ganharam competitividade e puderam, com isso, aumentar suas exportações.
Se o dólar continuar a cair, a maioria dos países vai ver suas exportações sofrerem sob o duplo impacto da crescente competitividade dos produtores e exportadores dos EUA e da desaceleração econômica, que levará a uma redução das importações do país.

Folha - Quais as consequências para América Latina e Ásia?
Brenner -
De forma geral, diria que a triste lição dos anos 90 para a América Latina, e até para o Sudeste Asiático, é que o mundo em desenvolvimento não pode depender de financiamento dos países do centro (desenvolvidos) para crescer e que sua própria capacidade de atrair recursos do centro é bastante limitada, não importa o que façam.
O principal determinante dos fluxos de financiamento para os países emergentes é o nível de oferta e demanda por investimento no centro, e especialmente o custo do crédito nos países desenvolvidos, que é determinado pelas condições econômicos do centro.
Não por acaso o auge dos países emergentes ocorreu no começo da década de 90. Esse foi um período em que o Fed reduzia juros para combater uma recessão e as perspectivas de investimento nos EUA, no Japão e na Europa eram ruins. Nesse contexto, investidores procuram melhores perspectivas no resto do mundo.
Quando o Fed decidiu dobrar os juros em 1994, o mercado internacional de bônus entrou em colapso, o México entrou em crise, e a América Latina sofreu com o "efeito tequila". Isso foi compensado, em 1995-96, quando Greenspan relaxou sua política.
Mas, nos primeiros meses de 1997, quando o Fed voltou a se lançar numa empreitada contra a inflação e subiu os juros, acabou ajudando a provocar a crise na Tailândia e, como consequência do contágio, os investimentos saíram em massa do Sudeste Asiático. Isso, por fim, provocou uma crise financeira no Brasil e no resto da América Latina em 1997-98.
Para mim, parece tolice que os países em desenvolvimento dependam de financiamento dos países ricos, ao adotar políticas neoliberais de "abertura", especialmente de suas contas de capital. Isso abre espaço para que ocorram saídas devastadoras de capital, que nenhum país em desenvolvimento controla. Isso aconteceu até mesmo em países com histórias de sucesso como a Coréia, assim como o Brasil, a Argentina e assim por diante. Apenas países como Taiwan, China e Cingapura, que mantiveram mecanismos de controle de capital, conseguiram limitar os danos das crises financeiras internacionais.
Por fim, é sem dúvida verdade que nas duas últimas décadas do século passado o Sudeste Asiático foi a única região que conseguiu atingir crescimento sustentado e atraiu mais apoio financeiro dos países desenvolvidos do que nenhuma outra região.
Mas parece evidente que a condição para o sucesso das empresas do Leste Europeu e do Japão foi a forte regulação presente em suas relações econômicas com o resto do mundo, incluindo protecionismo comercial, grandes limitações nas operações domésticas de multinacionais, severos controles de capital, regulamentação de empréstimos internacionais e o escopo limitado dos mercados de ações.

Folha - As instituições internacionais estarão preparadas para responder a uma crise séria?
Brenner -
Temo que essa resposta a uma crise séria, que afetaria os países em desenvolvimento de forma mais dramática que as nações ricas, pode ser antevista com base na demanda que o FMI fez ao Equador: pediu que o governo equatoriano revogasse seu plano de usar 10% da renda com as exportações de petróleo em saúde e educação e juntasse esses 10% aos outros 70% já alocados para o pagamento de sua dívida externa.


Texto Anterior: Saiba Mais: Estudo do mercado financeiro domina trabalho do autor
Próximo Texto: Mais 18 companhias estão sob investigação
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.