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ENTREVISTA/ROBERT BRENNER
Crise do dólar pode provocar alta de juros e afetar mais países pobres
DA REPORTAGEM LOCAL
No último trecho da entrevista
que concedeu à Folha, Robert
Brenner, da Universidade da Califórnia, em Los Angeles, avalia os
efeitos da baixa do valor do dólar
em relação ao iene e ao euro. Segundo o historiador da economia,
a queda se deve à fuga de capitais
dos EUA e pode resultar numa alta de juros, o que prejudicaria a
recuperação da economia global.
Folha - Como a queda do dólar
pode afetar a economia dos EUA?
Brenner - Durante a segunda
metade dos anos 90, a alta do dólar impulsionou o boom, o que
elevou o valor dos ativos nos EUA
para investidores externos e ajudou a atrair uma enorme quantidade de recursos de fora.
Mas o processo se inverteu. O
investimento estrangeiro direto
nos Estados Unidos caiu cerca de
50% em 2001 em comparação
com 2000. As compras de ações
norte-americanas pelo resto do
mundo despencaram 30% em
2001 em relação a 2000, e outros
45% no primeiro trimestre de
2002 (taxa anualizada) em comparação com 2001. Isso não apenas ajudou a derrubar o mercado,
mas também reduziu fortemente
o valor do dólar.
Se esse movimento se mantiver,
poderá destruir a ainda frágil confiança na recuperação dos EUA.
Mas, a fim de impulsionar a tendência de recuperação e começar
a voltar a atrair investimentos de
fora para os EUA, o Fed teria de
subir as taxas de juros, um movimento que levaria a economia de
volta para a recessão.
Folha - Quais as consequências da
queda do dólar para as economias
européia e japonesa?
Brenner - Se continuar, serão
muito ruins. Essas economias foram prejudicadas durante o período em que foi imposta uma
baixa do dólar, entre 1985 e 1990.
Com a alta do dólar, o Japão e a
Europa ganharam competitividade e puderam, com isso, aumentar suas exportações.
Se o dólar continuar a cair, a
maioria dos países vai ver suas exportações sofrerem sob o duplo
impacto da crescente competitividade dos produtores e exportadores dos EUA e da desaceleração
econômica, que levará a uma redução das importações do país.
Folha - Quais as consequências
para América Latina e Ásia?
Brenner - De forma geral, diria
que a triste lição dos anos 90 para
a América Latina, e até para o Sudeste Asiático, é que o mundo em
desenvolvimento não pode depender de financiamento dos países do centro (desenvolvidos) para crescer e que sua própria capacidade de atrair recursos do centro é bastante limitada, não importa o que façam.
O principal determinante dos
fluxos de financiamento para os
países emergentes é o nível de
oferta e demanda por investimento no centro, e especialmente o
custo do crédito nos países desenvolvidos, que é determinado pelas
condições econômicos do centro.
Não por acaso o auge dos países
emergentes ocorreu no começo
da década de 90. Esse foi um período em que o Fed reduzia juros
para combater uma recessão e as
perspectivas de investimento nos
EUA, no Japão e na Europa eram
ruins. Nesse contexto, investidores procuram melhores perspectivas no resto do mundo.
Quando o Fed decidiu dobrar os
juros em 1994, o mercado internacional de bônus entrou em colapso, o México entrou em crise, e a
América Latina sofreu com o
"efeito tequila". Isso foi compensado, em 1995-96, quando
Greenspan relaxou sua política.
Mas, nos primeiros meses de
1997, quando o Fed voltou a se
lançar numa empreitada contra a
inflação e subiu os juros, acabou
ajudando a provocar a crise na
Tailândia e, como consequência
do contágio, os investimentos saíram em massa do Sudeste Asiático. Isso, por fim, provocou uma
crise financeira no Brasil e no resto da América Latina em 1997-98.
Para mim, parece tolice que os
países em desenvolvimento dependam de financiamento dos
países ricos, ao adotar políticas
neoliberais de "abertura", especialmente de suas contas de capital. Isso abre espaço para que
ocorram saídas devastadoras de
capital, que nenhum país em desenvolvimento controla. Isso
aconteceu até mesmo em países
com histórias de sucesso como a
Coréia, assim como o Brasil, a Argentina e assim por diante. Apenas países como Taiwan, China e
Cingapura, que mantiveram mecanismos de controle de capital,
conseguiram limitar os danos das
crises financeiras internacionais.
Por fim, é sem dúvida verdade
que nas duas últimas décadas do
século passado o Sudeste Asiático
foi a única região que conseguiu
atingir crescimento sustentado e
atraiu mais apoio financeiro dos
países desenvolvidos do que nenhuma outra região.
Mas parece evidente que a condição para o sucesso das empresas do Leste Europeu e do Japão
foi a forte regulação presente em
suas relações econômicas com o
resto do mundo, incluindo protecionismo comercial, grandes limitações nas operações domésticas de multinacionais, severos
controles de capital, regulamentação de empréstimos internacionais e o escopo limitado dos mercados de ações.
Folha - As instituições internacionais estarão preparadas para
responder a uma crise séria?
Brenner - Temo que essa resposta a uma crise séria, que afetaria os
países em desenvolvimento de
forma mais dramática que as nações ricas, pode ser antevista com
base na demanda que o FMI fez
ao Equador: pediu que o governo
equatoriano revogasse seu plano
de usar 10% da renda com as exportações de petróleo em saúde e
educação e juntasse esses 10% aos
outros 70% já alocados para o pagamento de sua dívida externa.
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