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GANÂNCIA INFECCIOSA
Para o historiador francês Michel Beaud, a alta do euro em relação ao dólar não afeta economia americana
"O capitalismo sempre sobrevive às crises"
ALCINO LEITE NETO
DE PARIS
A crise atual coloca muita coisa
em risco, menos o próprio capitalismo. "O capitalismo se faz por
meio de crises", diz o economista
Michel Beaud, autor de "História
do Capitalismo - De 1500 a 2000"
(ed. Seuil). Nem mesmo um crash
das bolsas, que ele não descarta,
conseguiria abalar o sistema econômico. "O capitalismo sobreviveu a todos os seus crashes.'
Na avaliação de Beaud, a desvalorização do dólar em relação ao
euro significa um crescimento da
confiança na Europa, mas não
afeta essencialmente a economia
norte-americana. "Os EUA permanecem uma potência econômica, militar, científica e tecnológica, com uma capacidade financeira enorme.
A Europa ainda está em vias de
se formar", afirma o historiador.
Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista concedida à
Folha .
Folha - A desvalorização do dólar
e a escalada do euro significam
uma transformação estrutural na
economia mundial?
Michel Beaud - Ainda é muito cedo para dizer. Trata-se, sobretudo, de um movimento no fiel da
balança. Percebe-se que os EUA é
menos rentável e menos seguro
que nos anos 90, e então ocorre
uma realocação de investimentos,
com crescimento da confiança na
Europa. Mas os EUA permanecem uma potência econômica,
militar, científica e técnica, com
uma capacidade financeira enorme. A Europa ainda está em vias
de se formar.
Folha - A valorização do euro não
coloca em risco a médio prazo o
crescimento da zona euro, com a
queda das exportações?
Beaud - Quando o euro caiu em
2000, muitos dos que gritaram
contra a moeda forte no início ficaram contentes, como os exportadores. Outros, porém, disseram
que o euro fraco era ruim para a
Europa e para economia. Nós encontramos um conflito exatamente igual , hoje, nos EUA. Os
exportadores estão satisfeitos
com a queda do dólar, mas certos
grupos, sobretudo à direita, pensam que ele é catastrófico para a
imagem do país. Mas não há nada
de decisivo nessa queda do dólar,
nem na subida do euro. Euro forte
ou fraco tem vantagens e inconvenientes. Assistiremos ao fortalecimento de uma moeda e depois de
outra, e assim por diante. Haveria
algo decisivo se uma das duas
moedas afundasse, como o peso
argentino.
Folha - O crescimento dos países
europeus tem sido baixo. Como a
economia da zona euro poderá reagir agora?
Beaud - O crescimento é fraco,
mas os elementos fundamentais
não são ruins. A economia européia é forte por sua diversidade e
ainda pode se expandir. A Europa
tende a se tornar um centro de estabilidade num mundo que necessitará disso, quando crescer a
confrontação entre a economia
americana e asiática, sobretudo a
chinesa. Grande parte dos investimentos internacionais estão indo
para a China, que se encontra numa situação parecida à dos EUA
no fim do século 19. O país ainda
não possui todos os meios para
ser uma potência mundial, mas
creio que os conquistará.
Folha - Até que ponto a crise nos
EUA questiona a nova economia e a
desregulamentação financeira?
Beaud - A nova economia é uma
espécie de mito. Afirmou-se que
estávamos numa situação totalmente inédita sem os limites e
constrangimentos da antiga. Isso
é absurdo. O que ocorreu foi um
período de especulação desenfreada, como o capitalismo conheceu tantas vezes, e que produziu a crise atual. Estamos vendo se
instalar um novo capitalismo
pós-industrial, mas os problemas
do capitalismo industrial permanecem: energia, trabalho, poluição etc. O capitalismo funciona
por estratificações. Os novos setores não substituem jamais os antigos, que continuam a funcionar.
Será preciso fazer novos aviões,
novos metrôs etc. Isso vai relançar
a atividade econômica. Todo
crescimento capitalista se faz por
meio de crises.
Folha - O sr. não acredita que a
crise possa se agravar? Existe a
chance de um crash das bolsas?
Beaud - O crash é possível, sim,
ainda mais numa situação irracional como esta. Há um grande
receio de que as bolsas possam
cair 20%, 30%. Mas o capitalismo
sempre sobreviveu aos seus crashes, ainda que, às vezes, por meio
da guerra.
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