São Paulo, domingo, 21 de julho de 2002

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

GANÂNCIA INFECCIOSA

Para o historiador francês Michel Beaud, a alta do euro em relação ao dólar não afeta economia americana

"O capitalismo sempre sobrevive às crises"

ALCINO LEITE NETO
DE PARIS

A crise atual coloca muita coisa em risco, menos o próprio capitalismo. "O capitalismo se faz por meio de crises", diz o economista Michel Beaud, autor de "História do Capitalismo - De 1500 a 2000" (ed. Seuil). Nem mesmo um crash das bolsas, que ele não descarta, conseguiria abalar o sistema econômico. "O capitalismo sobreviveu a todos os seus crashes.'
Na avaliação de Beaud, a desvalorização do dólar em relação ao euro significa um crescimento da confiança na Europa, mas não afeta essencialmente a economia norte-americana. "Os EUA permanecem uma potência econômica, militar, científica e tecnológica, com uma capacidade financeira enorme.
A Europa ainda está em vias de se formar", afirma o historiador. Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista concedida à Folha .

Folha - A desvalorização do dólar e a escalada do euro significam uma transformação estrutural na economia mundial?
Michel Beaud -
Ainda é muito cedo para dizer. Trata-se, sobretudo, de um movimento no fiel da balança. Percebe-se que os EUA é menos rentável e menos seguro que nos anos 90, e então ocorre uma realocação de investimentos, com crescimento da confiança na Europa. Mas os EUA permanecem uma potência econômica, militar, científica e técnica, com uma capacidade financeira enorme. A Europa ainda está em vias de se formar.

Folha - A valorização do euro não coloca em risco a médio prazo o crescimento da zona euro, com a queda das exportações?
Beaud -
Quando o euro caiu em 2000, muitos dos que gritaram contra a moeda forte no início ficaram contentes, como os exportadores. Outros, porém, disseram que o euro fraco era ruim para a Europa e para economia. Nós encontramos um conflito exatamente igual , hoje, nos EUA. Os exportadores estão satisfeitos com a queda do dólar, mas certos grupos, sobretudo à direita, pensam que ele é catastrófico para a imagem do país. Mas não há nada de decisivo nessa queda do dólar, nem na subida do euro. Euro forte ou fraco tem vantagens e inconvenientes. Assistiremos ao fortalecimento de uma moeda e depois de outra, e assim por diante. Haveria algo decisivo se uma das duas moedas afundasse, como o peso argentino.

Folha - O crescimento dos países europeus tem sido baixo. Como a economia da zona euro poderá reagir agora?
Beaud -
O crescimento é fraco, mas os elementos fundamentais não são ruins. A economia européia é forte por sua diversidade e ainda pode se expandir. A Europa tende a se tornar um centro de estabilidade num mundo que necessitará disso, quando crescer a confrontação entre a economia americana e asiática, sobretudo a chinesa. Grande parte dos investimentos internacionais estão indo para a China, que se encontra numa situação parecida à dos EUA no fim do século 19. O país ainda não possui todos os meios para ser uma potência mundial, mas creio que os conquistará.

Folha - Até que ponto a crise nos EUA questiona a nova economia e a desregulamentação financeira?
Beaud -
A nova economia é uma espécie de mito. Afirmou-se que estávamos numa situação totalmente inédita sem os limites e constrangimentos da antiga. Isso é absurdo. O que ocorreu foi um período de especulação desenfreada, como o capitalismo conheceu tantas vezes, e que produziu a crise atual. Estamos vendo se instalar um novo capitalismo pós-industrial, mas os problemas do capitalismo industrial permanecem: energia, trabalho, poluição etc. O capitalismo funciona por estratificações. Os novos setores não substituem jamais os antigos, que continuam a funcionar. Será preciso fazer novos aviões, novos metrôs etc. Isso vai relançar a atividade econômica. Todo crescimento capitalista se faz por meio de crises.

Folha - O sr. não acredita que a crise possa se agravar? Existe a chance de um crash das bolsas?
Beaud -
O crash é possível, sim, ainda mais numa situação irracional como esta. Há um grande receio de que as bolsas possam cair 20%, 30%. Mas o capitalismo sempre sobreviveu aos seus crashes, ainda que, às vezes, por meio da guerra.


Texto Anterior: Estudo de "contabilidade criativa" vira disciplina em universidades
Próximo Texto: Frase
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.