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ENTREVISTA DA 2ª
ELIZABETH FARINA
Faltou empenho do governo para reformar defesa da concorrência
Presidente do Cade, que deixa cargo nesta semana, diz ter sofrido pressão no julgamento de processos de fusão, mas não do Planalto
HÁ QUATRO anos no comando do órgão responsável pelo julgamento de fusões no país, a economista Elizabeth Farina deixa a presidência do Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) nesta semana. Na saída, dispara críticas à lentidão do governo na nomeação de conselheiros e confessa sua frustração com a falta de empenho do Palácio do Planalto em reestruturar o sistema de defesa da concorrência.
JULIANNA SOFIA
IURI DANTAS
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Em entrevista à Folha na última quarta, Farina alertou sobre os riscos da mudança radical pela qual o Cade passará até
o início de agosto. Dos 7 conselheiros, 5 entregarão seus cargos. "É muito ruim. (...) De fato
a jurisprudência do Cade pode
mudar inteira. Isso gera insegurança nas empresas."
Ao longo dos dois mandatos
como presidente, Farina afirma ter sofrido pressão no julgamento de processos de fusão,
mas nega que tenha vindo do
governo. E, para as empresas,
sempre tinha uma resposta
pronta: "Vamos fazer um trabalho transparente, claro, a
análise vai ser bem-feita, vamos ver os pareceres e analisar
com o maior cuidado. Fique
tranqüilo". "Nunca precisei
passar daí", completa.
Na avaliação de Farina, não
só o governo perdeu janelas para reformar o sistema antitruste brasileiro no Congresso como houve um recuo nos avanços administrativos obtidos
nos últimos anos. Para ela, as
equipes das secretarias de
Acompanhamento Econômico,
no Ministério da Fazenda, de
Direito Econômico, no da Justiça, e do Cade voltaram a se
"entrincheirar", defendendo
visões "corporativistas", trazendo de volta a demora.
De quarentena (não-remunerada) pelos próximos quatro
meses, a economista é comedida nos elogios ao indicado pelo
governo para substituí-la, o
atual procurador-geral da autarquia, Arthur Badin -cujo
nome ainda depende de aprovação pelo Senado.
Também evita comentar as
resistências já levantadas por
senadores contra a escolha do
procurador, assim como uma
eventual disposição do governo
em rever o nome de Badin para
o cargo. "Talvez ele tenha de
ser mais comedido. O presidente do Cade tem de ser sóbrio", aconselha. Leia abaixo
trechos da entrevista:
FOLHA - Última semana?
ELIZABETH FARINA - Vou sentir
saudades, mas está na hora de ir
embora, já estou há quatro
anos. Está na hora de vir alguém com idéias novas.
FOLHA - A sra. sai satisfeita?
FARINA - Muito não, né? O projeto de lei de reestruturação do
Cade não foi aprovado [está parado na Câmara]. Acho que minha parte eu fiz.
FOLHA - Faltou empenho do governo em priorizar o tema?
FARINA - Eu acho, logo depois
que o projeto foi para o Congresso Nacional, com certeza.
Depois, entrou no PAC [Programa de Aceleração do Crescimento]. De setembro de 2005
até 2007, não aconteceu absolutamente nada. Fizeram rapidamente várias audiências,
bem direcionadas, mas num
certo momento a coisa parou.
Posso dizer que, cada vez que
pára, é como gripe mal cuidada,
renova-se. Vêm os mesmos argumentos e resistências.
FOLHA - Que resistências?
FARINA - O empresariado tem
angústia de não poder fechar
negócio sem anuência prévia e
o sistema ser capaz de dar uma
resposta. Acho que é relevante.
O fato de ter duas secretarias
em dois ministérios não funciona. Acho que a gente já teve,
dentro do sistema, no funcionamento, momentos melhores
que hoje.
FOLHA - Por quê?
FARINA - Começou de novo a
demorar um pouco mais. Tem
incentivo para que as coisas se
reproduzam e se repitam. Tem
a ver com a mudança do comando das secretarias. É natural que as equipes vão se entrincheirando. A gente sabia que isso ia acontecer. Vai ficando corporativista dentro de seus próprios ambientes, um faz uma
critica ao outro, que recebe
mal. Isso é natural. A gente perdeu muitas janelas para se reestruturar. Perdemos boas oportunidades. Essa é a minha
maior frustração.
FOLHA - Tem sido comum o noticiário político mencionar o Cade como alvo de pressão do governo para
esta ou aquela decisão. Há pressão?
FARINA - Do governo, de alguém do governo me ligar para
pedir uma decisão, não. Quando isso aconteceu por outros
meios, porque não é só o governo, tenho uma resposta que
nunca foi contestada e a conversa não foi adiante: dificilmente o Cade poderia ter melhores conselheiros que hoje,
vamos fazer um trabalho transparente, claro, a análise vai ser
bem-feita, vamos ver os pareceres, analisar com o maior cuidado, fique tranqüilo. Nunca
precisei passar daí, e acho que
essa pressão nunca chegou aos
outros conselheiros.
Se acontece isso, é na fase de
instrução. Nas secretarias, que
são órgãos do Executivo, não
sei responder.
FOLHA - O que achou das indicações para o conselho?
FARINA - Foram tempestivas e
espero que as nomeações sejam. Estou muito preocupada
com as nomeações. Nós estamos operando com seis conselheiros, precariamente. Em várias sessões importantes, não
houve quórum. Agora, temos
três sabatinados, tem que sair
rápido a nomeação. Isso, francamente, é uma questão burocrática que considero um desrespeito com o sistema. Alguns
gabinetes se esvaziaram, estamos perdendo funcionários,
investimos nessas pessoas.
FOLHA - Com um petista e o filho
do presidente da Câmara, o Cade fica mais político?
FARINA - Nem sabia que o Vinícius [Marques de Carvalho, indicado para o conselho] era filiado ao PT, ele é um gestor.
Tem doutorado na área de regulação, estudou na França. O
filho do [Arlindo] Chinaglia
[Olavo Chinaglia] foi meu aluno, ser filho do presidente da
Câmara é o defeito que ele tem.
Falei isso até para seu pai. Sobre as indicações, não fui ouvida, não tive participação, mas
tive na anterior e um dos nomes que levamos ao ministro
foi o de Olavo. É um advogado
que já atua no sistema, muito
corretamente. Tem formação
acadêmica, fez doutorado. Sei
que essa leitura [de influência
política] é feita por todo mundo. É muito ruim para o conselho, que pode ficar com uma cara política, mas essas pessoas
são qualificadas.
FOLHA - A indicação de Arthur Badin vem enfrentando muita resistência. Rever é uma saída?
FARINA - O Badin conhece bem
o tema, o sistema. É uma transição, do ponto de vista técnico,
fácil. Ele, por enquanto, é só indicado. O que acho necessário é
que tenha logo solução, adiar é
ruim, qualquer que seja ela. Interinidade sempre cria angústia e insegurança.
FOLHA - Mas as resistências são
fortes, o DEM votará contra.
FARINA - Não sei fazer essa avaliação. Tem uma coisa importante, ele não toma decisão.
Quem tomou a decisão contra a
Vale foi o conselho, não foi ele
[o Cade determinou à Vale que
optasse ou por vender a mineradora Ferteco, adquirida em
2001, ou abrisse mão do contrato com a CSN que lhe assegurava a preferência na compra
do excedente de produção da
mina Casa de Pedra]. Fez o que
tem de fazer: defender a decisão do Cade no Judiciário, goste ou não dela. Acompanhei Badin nesses casos, partilhei a
responsabilidade.
O que as empresas acham
que ele, como presidente, pode
fazer? É um voto. Às vezes, com
voto de qualidade, são dois. De
fato, a procuradoria se tornou
mais pró-ativa. Ele foi fundamental, mas Paula Dallari já estava estruturando a procuradoria em 2003. As coisas não nascem do dia para a noite. Às vezes fico perplexa com essa posição das empresas.
FOLHA - Mas, como presidente, Badin vai representar a instituição.
FARINA - Mesmo assim não justifica as empresas mobilizarem
tantos esforços, se é que elas estão fazendo isso, às vezes fico
cética. O que acho muito ruim é
mudar 5 de 7 conselheiros. A
jurisprudência do Cade pode
mudar inteira. Isso gera insegurança nas empresas.
FOLHA - Se a sra. fosse consultada
antes da indicação, o que diria sobre
o currículo de Badin?
FARINA - Não vou dar opinião
sobre uma coisa que não me foi
pedida até agora, não vai ser
agora que vou dar. Ele responde a todos os requisitos legais e
necessários, está há muito tempo no sistema, fez um bom trabalho na procuradoria. Talvez
ele tenha de ser mais comedido.
O presidente do Cade tem de
ser sóbrio. Tem uma coisa boa:
ele quer muito. É uma pessoa
jovem que poderia ir para o
mercado e está disposta, lógico
que vai alavancar a carreira,
mas, independentemente disso, é uma pessoa que quer e está
investindo.
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