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VACAS MAGRAS
Após três anos de boas safras e de alta de preços, produtores enfrentarão fase difícil, com custos altos e renda menor
"Exuberância agrícola" se aproxima do fim
ANDRÉ SOLIANI
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
A safra de boas notícias no campo se aproxima do fim. Depois de
três anos de safras crescentes ou
de aumento de preços das commodities, os agricultores se preparam para atravessar um ano difícil. O valor dos principais produtos agrícolas cai no mercado internacional. Para agravar o cenário, o custo de produção -preço
dos insumos- sobe.
"Há um descasamento de renda
pela frente: por um lado, há o aumento dos custos de produção;
do outro, queda de preços", disse
à Folha o ministro da Agricultura,
Roberto Rodrigues.
No início do ano, uma saca de
60 quilos de soja era vendida no
Paraná pelo preço médio de US$
16,24. Neste mês, o preço médio é
de US$ 12,47. O preço dos insumos, por sua vez, subiu 13,8% de
janeiro a abril, segundo índice de
inflação do setor, calculado pela
Conab. No mesmo período, os
reajustes medidos pelo IPCA foram de 1,46%.
Outra forma de analisar a perda
de renda do agricultor é comparar
a quantidade de um produto que
é preciso vender para comprar
um determinado insumo. Em janeiro deste ano, um agricultor
precisava entregar 37,3 fardos de
15 quilos de algodão para comprar uma tonelada de fertilizante.
Em junho, eram necessários 51,8
fardos para a mesma compra.
Ajuste de preços
O vice-presidente da OCB (Organização das Cooperativas Brasileiras), Luiz Roberto Baggio, diz
que os preços dos últimos meses
não tinham como se sustentar.
"Não diria que é uma crise. É um
momento de ajuste de preços.
Uma saca de soja a US$ 18? Isso
não existe."
O problema é que com preços
menores as ineficiências do Brasil
ganham relevância e não são mais
encobertas por uma rentabilidade
adicional. "O que depende dos
produtores vai bem", diz Paulo
Rossetti, especialista em commodities da consultora Global Invest.
Quando o produto sai da porteira,
o "custo Brasil" aparece.
"Além das estradas em estado
calamitoso , o custo do frete vai
subir com o inevitável aumento
do diesel", alerta Paulo Gomes,
outro analista da Global Invest.
O Brasil, ao contrário de outros
países produtores de grãos, depende quase exclusivamente do
transporte rodoviário, que é o
mais caro, sobretudo num ano
em que o preço do barril do petróleo se aproxima de US$ 50.
Quando o produtor brasileiro
vai ao banco, também perde.
Mesmo o volume recorde de crédito anunciado pelo governo não
resolverá o problema, reclama o
vice-presidente da CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária
do Brasil), Marcel Caixeta.
A maior parte do crédito rural
cresceu nas linhas de financiamento a juros livres. As fontes de
recursos com juros subsidiados
pelo governo (8,75% ao ano) ficaram praticamente estagnadas e
não houve aumento no limite que
cada agricultor pode sacar.
"Com o limite de R$ 200 mil [a
juros controlados] para cada produtor de soja era possível plantar
233 hectares na safra passada.
Com a alta do custo, o mesmo dinheiro dá para plantar 145 hectares", diz Caixeta. O agricultor terá
de pegar mais dinheiro a taxas livres, mais caras, para poder manter a mesma área plantada.
PIB agrícola menor
A expectativa de uma safra
mundial recorde é o principal fator para explicar a queda dos preços e o aumento dos custos. "A
maior demanda de insumos encarece o preço dos fertilizantes",
afirma Gomes.
Os Estados Unidos deverão colher uma safra de soja próxima do
seu recorde (78,6 milhões de toneladas em 2001/2002), após vários anos de perdas na produção
devido a problemas climáticos.
Na safra que termina agora, não
foram apenas os problemas norte-americanos que reduziram a
oferta de grãos, o que ajudou na
disparada dos preços. O Brasil
também teve quebra da ordem de
10 milhões de toneladas, provocada por excesso de chuvas ou secas
e pela ferrugem da soja.
Com isso, a CNA revisou, na
sexta-feira passada, sua previsão
de crescimento do PIB (Produto
Interno Bruto) do agronegócio de
5,8% para 2,8% neste ano.
Apesar de colher menos do que
no ano anterior, os produtores
brasileiros tiveram ganho de renda. O preço compensou. As exportações de produtores primários (inclui produtos agrícolas e
minerais), por exemplo, cresceram 23% devido ao aumento dos
preços e apenas 14% devido ao
aumento de quantidade.
Em 2005, Baggio afirma que o
setor não deve repetir o recorde
de exportações deste ano. "Não
devemos conseguir o saldo da balança comercial que o governo
imagina. É época de vacas magras", diz o vice-presidente da
OCB, que insiste que não haverá
quebradeiras no setor. Segundo
ele, há determinados produtos,
como carnes, que não terão um
ano tão difícil.
O ministro concorda com a
análise de Baggio. "Estamos entrando num ciclo de preços mais
baixos das principais commodities. O Brasil, nesse aspecto, é privilegiado, pois trabalha com muitos produtos. E não são todas as
commodities que vão cair de preço", pondera Rodrigues, que cita
o açúcar como exemplo.
A saída para a queda dos preços,
diz Baggio, é investir em gestão e
em tecnologia. O problema é que,
com a alta dos insumos, os agricultores podem acabar usando
menos fertilizantes e defensivos
agrícolas, o que reduzirá a produtividade no campo.
"O que está acontecendo agora
é uma paradeira na compra de insumos", diz Rodrigues. Segundo
ele, essa situação pode decorrer
do atraso na liberação de créditos
para os agricultores.
Se os analistas discordam sobre
o tamanho das dificuldades que o
campo vai enfrentar, é consenso
que o próximo ano será de preços
em baixa. "Com o preço da soja,
do milho e do sorgo não dá para
cobrir o custo de produção. O
agricultor tem que pensar muito
na hora de plantar", diz Caixeta.
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