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A COBRAR
Agência sofre pressão das teles sob o dilema de adaptar o modelo ao cenário atual sem quebrar os contratos firmados
Anatel enfrenta tiroteio em meio à crise
MARCELO BILLI
DA REPORTAGEM LOCAL
O setor de telecomunicações era
a jóia da coroa das privatizações
brasileiras, e eram poucos os que
ousavam fazer críticas duras a um
modelo que conseguiu, em menos de três anos, mais que duplicar o número de linhas fixas, telefones celulares e telefones públicos instalados. Isso até que alguns
negócios começaram a fazer água.
Hoje, a agência reguladora do
setor, a Anatel, está no meio de
um tiroteio de empresas descontentes, ações judiciais e clamores
por mudanças no modelo.
Sinal de que o modelo estava errado? Não, responde Adelmo
Emerenciano, advogado e coordenador do núcleo de direito regulatório do Ibmec. "É sinal de
que ele precisa de algumas mudanças. O modelo de um setor dinâmico como o de telecomunicação não pode ser estático. As empresas, as tecnologias e a conjuntura mudam muito rápido."
Crise mundial
E de fato mudaram. Quando o
Brasil privatizou as empresas do
setor, em 1998, havia uma euforia
mundial em relação à área. As
projeções apontavam todas para
altos lucros e para o surgimento
de uma infinidade de serviços de
telecomunicações que iriam engordar as receitas das empresas.
O resultado desse estado de ânimo: havia dinheiro e apetite sobrando por empresas do setor.
Nos seus países de origem, as
grandes empresas mundiais investiam em novas tecnologias:
empresas de internet, celulares
mais sofisticados, serviços de armazenamento e transmissão de
dados. Em países como o Brasil,
vinham atrás de mercados promissores, com alto potencial de
crescimento. Nos últimos quatro
anos, o interesse pelo mercado
brasileiro trouxe ao país US$ 25,4
bilhões em investimentos estrangeiros diretos no setor.
Mas os lucros demoraram a vir
nos países desenvolvidos. Muitas
empresas de internet faliram, e,
nas Bolsas, o ceticismo fez estourar a bolha das ações das empresas de telecomunicações. As novas tecnologias e serviços também pareciam menos lucrativos
do que o esperado.
"O panorama internacional
mudou completamente. Secaram
as fontes de financiamento. Os investidores estão impacientes, e há
uma frustração geral", diz George
Freund, vice-presidente da área
de telecomunicações da AT Kearney para a América Latina.
Crise no Brasil
No Brasil, as empresas pareciam
estar bem, e a maioria dos balanços era positiva. Mas o cenário começou a mudar em 2001. Com balanços não muito atraentes, num
cenário internacional adverso, as
empresas começaram a gritar. Algumas queriam que a Anatel
adiantasse o cronograma de abertura do setor e permitisse que as
empresas passassem a operar em
mercados reservados às futuras
concorrentes. Havia, e ainda há,
quem peça que a agência permita
fusões e aquisições no setor antes
do prazo planejado.
As disputas judiciais também se
intensificaram: as operadoras de
longa distância questionam as
práticas das locais; as locais querem operar no mercado de longa
distância. Todas reclamam do
modelo tarifário e dos altos impostos que incidem nos serviços
de telecomunicações. Enfim, os
empresários querem mudanças
no modelo. "O modelo adotado
há cinco anos foi muito bom. Mas
mudou o cenário, e adaptações
são necessárias. Qual é o dilema
da Anatel? Como mudar o modelo respeitando os contratos já firmados?", indaga Freund.
Primeira baixa
Os conflitos no setor e a pressão
das empresas culminaram, em
março deste ano, no afastamento
de Renato Guerreiro, que havia
presidido a Anatel desde a criação
da agência e que alegou motivos
pessoais para sair da agência.
O novo presidente, Luiz Guilherme Schymura, é economista e
tem um currículo que agradava às
empresas do setor, as quais afirmavam que o novo dirigente se
preocuparia mais com o equilíbrio financeiro do setor e com o
papel positivo que as fusões e
aquisições poderiam ter para as
empresas.
"Não se tratava de dizer que os
antigos conselheiros não entendiam de regulação. Mas as empresas achavam que o forte deles é a
parte técnica", diz Arthur Barrionuevo, ex-conselheiro do Cade e
professor da FGV-Eaesp.
Equilíbrio financeiro
O equilíbrio financeiro, dizem
as empresas, não está garantido. E
não foi apenas uma vez que boatos sobre a demissão de Schymura circularam por Brasília.
Mas o governo tem que garantir
que toda empresa de telefonia tenha lucro? Elas não estão tendo
prejuízos no mundo todo? "Não.
O governo não tem de preservar o
lucro de uma empresa. Mas, se a
saúde financeira do setor inteiro
está em risco, ele precisa agir.
Existe o risco do negócio, mas, como existe a obrigação de manter o
serviço, as empresas não podem
operar indefinidamente em prejuízo", responde Emerenciano.
Parte dos problemas das empresas pode se creditada ao excesso de otimismo que, como no resto do mundo, fez os investidores
projetarem para o Brasil um crescimento que não ocorreu. Pior, as
diversas crises pelas quais passou
o país, a consequente queda no
poder de compra da população e
a alta da inadimplência derrubam
as receitas das operadoras.
Assim, as empresas brasileiras
de telecomunicações perdem dinheiro, em parte, porque superestimaram a capacidade do mercado. O mesmo pode ter acontecido
com empresários de outros setores, que, acreditando que o Brasil
cresceria a taxas maiores do que
nos últimos anos, tomaram decisões que se revelaram erradas.
Soluções
Mas, diz Emerenciano, "existem
algumas soluções que passam pela Anatel e pelo governo". Ele lembra, por exemplo, que o modelo
de cobrança das operadoras de
longa distância poderia ter sido
mais bem desenhado e que a carga tributária dos serviços de telecomunicações brasileiros está entre as mais altas do mundo.
Com impostos altos, a tarifa fica
maior, e a capacidade de expandir
os serviços, menor. "Então, ocorreram algumas mudanças no
meio do caminho que atrapalharam os planos das empresas",
completa Barrionuevo.
Outro motivo que exige intervenção do governo e da agência é
que nos setores não-regulados as
empresas reagem às crises como
bem entendem: aumentam tarifas; cancelam serviços, desistem
de alguns negócios. No setor de
telecomunicações, a capacidade
de reação é limitada pela regulação. "O modelo não cria a crise,
mas pode impedir que as empresas se ajustem", diz o advogado.
Os conflitos entre empresas, as
ações judiciais e as críticas à Anatel enfraquecem a agência? Os especialistas acreditam que não e
que, como todo árbitro, o regulador terá que tomar decisões que
não agradarão a todos.
As ações judiciais não são, na
avaliação de Barrionuevo, um sinal de que a agência está fragilizada ou com menor credibilidade.
"É claro que não é bom que haja
muita contestação. Mas, mesmo
sendo independente, a Anatel é
um órgão do governo e, como
qualquer outra instituição, pode
ser questionada na Justiça."
"As agências, no Brasil, não são
a origem das regras. Elas devem
garantir que as leis sejam cumpridas. Mas as empresas podem ter
uma interpretação da lei diferente
daquela adotada pela Anatel. Isso
pode levar a disputas judiciais,
mas elas não são sinal de fragilidade", completa Emerenciano.
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