São Paulo, domingo, 22 de setembro de 2002

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A COBRAR

Agência sofre pressão das teles sob o dilema de adaptar o modelo ao cenário atual sem quebrar os contratos firmados

Anatel enfrenta tiroteio em meio à crise

MARCELO BILLI
DA REPORTAGEM LOCAL

O setor de telecomunicações era a jóia da coroa das privatizações brasileiras, e eram poucos os que ousavam fazer críticas duras a um modelo que conseguiu, em menos de três anos, mais que duplicar o número de linhas fixas, telefones celulares e telefones públicos instalados. Isso até que alguns negócios começaram a fazer água.
Hoje, a agência reguladora do setor, a Anatel, está no meio de um tiroteio de empresas descontentes, ações judiciais e clamores por mudanças no modelo.
Sinal de que o modelo estava errado? Não, responde Adelmo Emerenciano, advogado e coordenador do núcleo de direito regulatório do Ibmec. "É sinal de que ele precisa de algumas mudanças. O modelo de um setor dinâmico como o de telecomunicação não pode ser estático. As empresas, as tecnologias e a conjuntura mudam muito rápido."

Crise mundial
E de fato mudaram. Quando o Brasil privatizou as empresas do setor, em 1998, havia uma euforia mundial em relação à área. As projeções apontavam todas para altos lucros e para o surgimento de uma infinidade de serviços de telecomunicações que iriam engordar as receitas das empresas.
O resultado desse estado de ânimo: havia dinheiro e apetite sobrando por empresas do setor. Nos seus países de origem, as grandes empresas mundiais investiam em novas tecnologias: empresas de internet, celulares mais sofisticados, serviços de armazenamento e transmissão de dados. Em países como o Brasil, vinham atrás de mercados promissores, com alto potencial de crescimento. Nos últimos quatro anos, o interesse pelo mercado brasileiro trouxe ao país US$ 25,4 bilhões em investimentos estrangeiros diretos no setor.
Mas os lucros demoraram a vir nos países desenvolvidos. Muitas empresas de internet faliram, e, nas Bolsas, o ceticismo fez estourar a bolha das ações das empresas de telecomunicações. As novas tecnologias e serviços também pareciam menos lucrativos do que o esperado.
"O panorama internacional mudou completamente. Secaram as fontes de financiamento. Os investidores estão impacientes, e há uma frustração geral", diz George Freund, vice-presidente da área de telecomunicações da AT Kearney para a América Latina.

Crise no Brasil
No Brasil, as empresas pareciam estar bem, e a maioria dos balanços era positiva. Mas o cenário começou a mudar em 2001. Com balanços não muito atraentes, num cenário internacional adverso, as empresas começaram a gritar. Algumas queriam que a Anatel adiantasse o cronograma de abertura do setor e permitisse que as empresas passassem a operar em mercados reservados às futuras concorrentes. Havia, e ainda há, quem peça que a agência permita fusões e aquisições no setor antes do prazo planejado.
As disputas judiciais também se intensificaram: as operadoras de longa distância questionam as práticas das locais; as locais querem operar no mercado de longa distância. Todas reclamam do modelo tarifário e dos altos impostos que incidem nos serviços de telecomunicações. Enfim, os empresários querem mudanças no modelo. "O modelo adotado há cinco anos foi muito bom. Mas mudou o cenário, e adaptações são necessárias. Qual é o dilema da Anatel? Como mudar o modelo respeitando os contratos já firmados?", indaga Freund.

Primeira baixa
Os conflitos no setor e a pressão das empresas culminaram, em março deste ano, no afastamento de Renato Guerreiro, que havia presidido a Anatel desde a criação da agência e que alegou motivos pessoais para sair da agência.
O novo presidente, Luiz Guilherme Schymura, é economista e tem um currículo que agradava às empresas do setor, as quais afirmavam que o novo dirigente se preocuparia mais com o equilíbrio financeiro do setor e com o papel positivo que as fusões e aquisições poderiam ter para as empresas.
"Não se tratava de dizer que os antigos conselheiros não entendiam de regulação. Mas as empresas achavam que o forte deles é a parte técnica", diz Arthur Barrionuevo, ex-conselheiro do Cade e professor da FGV-Eaesp.

Equilíbrio financeiro
O equilíbrio financeiro, dizem as empresas, não está garantido. E não foi apenas uma vez que boatos sobre a demissão de Schymura circularam por Brasília.
Mas o governo tem que garantir que toda empresa de telefonia tenha lucro? Elas não estão tendo prejuízos no mundo todo? "Não. O governo não tem de preservar o lucro de uma empresa. Mas, se a saúde financeira do setor inteiro está em risco, ele precisa agir. Existe o risco do negócio, mas, como existe a obrigação de manter o serviço, as empresas não podem operar indefinidamente em prejuízo", responde Emerenciano.
Parte dos problemas das empresas pode se creditada ao excesso de otimismo que, como no resto do mundo, fez os investidores projetarem para o Brasil um crescimento que não ocorreu. Pior, as diversas crises pelas quais passou o país, a consequente queda no poder de compra da população e a alta da inadimplência derrubam as receitas das operadoras.
Assim, as empresas brasileiras de telecomunicações perdem dinheiro, em parte, porque superestimaram a capacidade do mercado. O mesmo pode ter acontecido com empresários de outros setores, que, acreditando que o Brasil cresceria a taxas maiores do que nos últimos anos, tomaram decisões que se revelaram erradas.

Soluções
Mas, diz Emerenciano, "existem algumas soluções que passam pela Anatel e pelo governo". Ele lembra, por exemplo, que o modelo de cobrança das operadoras de longa distância poderia ter sido mais bem desenhado e que a carga tributária dos serviços de telecomunicações brasileiros está entre as mais altas do mundo.
Com impostos altos, a tarifa fica maior, e a capacidade de expandir os serviços, menor. "Então, ocorreram algumas mudanças no meio do caminho que atrapalharam os planos das empresas", completa Barrionuevo.
Outro motivo que exige intervenção do governo e da agência é que nos setores não-regulados as empresas reagem às crises como bem entendem: aumentam tarifas; cancelam serviços, desistem de alguns negócios. No setor de telecomunicações, a capacidade de reação é limitada pela regulação. "O modelo não cria a crise, mas pode impedir que as empresas se ajustem", diz o advogado.
Os conflitos entre empresas, as ações judiciais e as críticas à Anatel enfraquecem a agência? Os especialistas acreditam que não e que, como todo árbitro, o regulador terá que tomar decisões que não agradarão a todos.
As ações judiciais não são, na avaliação de Barrionuevo, um sinal de que a agência está fragilizada ou com menor credibilidade. "É claro que não é bom que haja muita contestação. Mas, mesmo sendo independente, a Anatel é um órgão do governo e, como qualquer outra instituição, pode ser questionada na Justiça."
"As agências, no Brasil, não são a origem das regras. Elas devem garantir que as leis sejam cumpridas. Mas as empresas podem ter uma interpretação da lei diferente daquela adotada pela Anatel. Isso pode levar a disputas judiciais, mas elas não são sinal de fragilidade", completa Emerenciano.


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