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OPINIÃO ECONÔMICA
Uma obsessão necessária
RUBENS RICUPERO
Tempos atrás , Paul Krugman escreveu um ensaio no
qual condenava o conceito de
competitividade aplicado aos
países como uma "perigosa obsessão", título que deu ao trabalho.
Krugman, possivelmente o mais
brilhante economista de sua geração e hoje um soberbo analista
político, estava certo na crítica. O
que ele dizia, em substância, é
que, no comércio internacional,
quem compete umas com as outras não são as nações, mas as
empresas. Mesmo em relação a
essas, só é admissível afirmar que
estão competindo quando pertencem a um ramo idêntico e exportam produtos semelhantes ou
comparáveis.
Não obstante a procedência do
argumento, não há dúvida de
que, em certas situações, cabe perfeitamente falar que um país ou
uma cidade entrou em uma competição, ganhou ou perdeu. Foi
esse recentemente o caso da eliminação do Brasil, primeiro de São
Paulo, depois do Rio de Janeiro,
da competição para a escolha da
sede dos futuros Jogos Olímpicos e
das vitórias da África do Sul, para
organizar a Copa do Mundo, e a
da China, para as Olimpíadas.
Foi um belo espetáculo, aliás, ver
na televisão como os povos desses
dois últimos países saudaram a
escolha com a alegria e o entusiasmo de um triunfo coletivo.
Há várias lições que nos convém extrair desses episódios. O
primeiro ensinamento é que, para
ser bem-sucedido, é preciso não
improvisar e preparar a candidatura com profissionalismo e competência. Não faltaram, por
exemplo, os que apontaram problemas de segurança pessoal, criminalidade, pobreza, desequilíbrio social como causa da exclusão das cidades brasileiras. Existe,
é claro, certa base para alegar que
manifestações particularmente
dramáticas de violência, como as
batalhas campais em morros cariocas, tenham cobrado um alto
preço na comparação com outros
concorrentes.
Essa não é, contudo, a verdade
inteira. As cidades sul-africanas
estão entre as mais perigosas e
violentas do mundo e, em matéria de contrastes de riqueza e pobreza ou de injustiça na distribuição da renda, a África do Sul é
dos raros países que rivalizam
com a nossa triste situação.
Deriva daí a segunda lição: as
nações, as cidades têm de criar
marcas internacionais, a magia
de um nome que imediatamente
traz ao espírito imagens de coisas
desejáveis e belas, de paisagens,
florestas, rios, paraísos ecológicos
a preservar, de obras de arte, testemunhas de passado glorioso,
como as pirâmides, ou de cultura
brilhante, como a colina do Partenon, em Atenas. O Rio e, de tabela, o Brasil costumavam gozar
dessa marca reservada a pouquíssimas cidades privilegiadas, como
Paris, Roma, Londres.
A marca Rio possuía e possui, é
óbvio, base real: a beleza inigualável do sítio, o espetáculo do Carnaval, a tradição de música popular maliciosa e sutil. Ela deve
muito, no entanto, a essa admirável máquina de fabricar sonhos
de Hollywood, que, sobretudo entre os anos de 1930 e 1960, fez do
Rio um dos cenários favoritos do
circuito das comédias românticas
dominadas pelos pólos de Nova
York e Paris. Símbolo dessa época
de ouro de Quitandinha e do Cassino da Urca foi o Copacabana
Palace de Jorge Guinle, cujo recente desaparecimento foi, ao que
eu me lembre, o do único brasileiro a merecer do sisudo "Financial
Times" obituário destacado fora
das páginas habituais.
Aconteceu, porém, com o Rio (e
o Brasil) o que uma das divas de
Jorginho Guinle descrevia como a
raiz dos seus infortúnios amorosos. É, dizia ela, que os homens de
sua vida iam dormir com Gilda e
acordavam ao lado de Rita Hayworth. Isto é, há um momento a
partir do qual o glamour não basta e é preciso evitar que a luz crua
da manhã evidencie de modo
muito brutal a falta de maquilagem.
Até que o Rio de Janeiro fez um
esforço para compensar as rugas e
insultos do tempo, convertendo-se na capital mundial da ecologia
com a Cúpula da Terra de 1992.
Até hoje no mundo, quando se fala de ambiente, a marca Rio reaparece: é a Agenda do Rio, a Conferência do Rio, os compromissos
do Rio de Janeiro. Pena que a devastação assustadora da Amazônia diante de cumplicidade evocativa dos tempos mais obscurantistas do período militar destruiu
já boa parcela do capital de simpatia acumulado na Rio-92.
Temos agora nova oportunidade de construir marca internacional para o Brasil. Dentro de menos de um mês, a partir de 13 de
junho, perto de 190 nações e as figuras mais expressivas do comércio internacional e dos investimentos se reunirão em São Paulo
para delinear qual deveria ser a
estratégia nacional de desenvolvimento compatível com a economia mundial que nos envolve
-perigosa na volatilidade financeira, na tendência altista dos juros e petróleo, promissória na aceleração do comércio, na ascensão
da China, da Índia, na recuperação norte-americana.
É a ocasião para ir ao fundo da
angústia brasileira com o crescimento anêmico, sem emprego, de
repensar as opções à luz da bem-sucedida experiência asiática. É
nela que temos de encontrar inspiração para revigorar o espírito
de audácia, o gosto do risco de investir do empresário, o que o pai
do capitalismo, Adam Smith,
chamava de "animal spirit".
Será a hora de demonstrar que
não se edifica uma nação dinâmica com uma versão tropical do
salazarismo financeiro da "apagada e vil tristeza", a depressão
crônica de quem é condenado a
um jejum eterno de austeridade
orçamentaria, reforçado pelo silício dos juros altos.
A conferência da Unctad em
São Paulo e a semana do Comércio Exterior do Rio, pouco antes,
de 7 a 9 de junho, não serão um
debate inconclusivo a mais. Serão, sim, a afirmação forte de que
a melhor superação do simplismo
empobrecedor do Consenso de
Washington, da insensatez de
amarrarmos o destino nos mercados financeiros, como se fôssemos
um povo de rentistas avaros como
o velho Scrooge, é retomar o amor
da inovação, a paixão de construir e de criar, a conquista da
competitividade. Não só como já
acontece na soja, no suco de laranja, na carne bovina e de frango, no açúcar, no etanol, mas em
exportações de alta tecnologia, de
desenho e engenharia brasileiros,
como os aviões da Embraer.
Vamos começar com a definição do que é necessário para reproduzir o êxito da Embraer nos
outros setores dinâmicos do comércio, nos quais as exportações
crescem ao ritmo do dobro ou
mais que a média dos itens tradicionais. Muito desse necessário,
como se verá, depende apenas de
nós, de nossa capacidade de bem
fazer as coisas, não das negociações da Alca, da OMC, de governos estrangeiros.
Isso nada tem de impossível:
sem nenhum acordo de livre comércio com os EUA, ao contrário
do México, o Brasil aumentou, no
ano passado, suas exportações em
21%, quase dez vezes mais que as
mexicanas. É essa a obsessão que
temos de retirar da conferência
da Unctad: consolidar a marca
Brasil como símbolo de eficiência,
inovação, dinamismo.
Rubens Ricupero, 67, é secretário-geral
da Unctad (Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento),
mas expressa seus pontos de vista em
caráter pessoal. Foi ministro da Fazenda
(governo Itamar Franco).
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