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Novo governo começará com ajuste, diz analista
ALCINO LEITE NETO
DE PARIS
O risco-país do Brasil, que atingiu seu índice mais alto desde
1999, não reflete um julgamento
sobre a totalidade da economia
brasileira. Indica o princípio de
incerteza dos investidores, acentuada agora pelas eleições, segundo o economista francês Jérôme
Sgard, do Centro de Estudos
Prospectivos e de Informações Internacionais, de Paris.
Para Sgard, autor do livro "Turbulências e Flutuações na Economia Mundial" (1996), o problema
não terminará com o fim das eleições. "O crescimento da dívida se
imporá ao novo governo, qualquer que seja o eleito nas eleições.
O novo governo terá que começar
fazendo uma estabilização macroeconômica", afirmou, em entrevista à Folha.
Folha - Os investidores europeus
estão diminuindo sua presença no
Brasil?
Jérôme Sgard - O que vemos é
que houve uma saída de capital
do país na última semana. Mas será que os europeus e os norte-americanos estão agindo diferentemente em relação ao Brasil? Não
creio.
Folha - Por que se está deixando
de investir no Brasil?
Sgard - Por causa da conjuntura
política no país, das eleições presidenciais.
Folha - Os investidores têm medo
do candidato de esquerda?
Sgard - Sim. Isso não quer dizer
que eles achem que Lula, ao ser
eleito, fará bobagens. Mas a incerteza sobre o que será feito e o que
ocorrerá durante o período eleitoral os leva a fugir do país. Eles dizem: "Talvez esse senhor [Lula"
seja bem-intencionado e esteja
sendo bem aconselhado, mas não
sabemos, temos medo e preferimos limitar nosso risco". No momento em que alguns investidores começam a sair, acelerando as
trocas, outros também passam a
achar que é mais racional deixar o
país também, e o efeito se amplia.
Folha - O risco-país do Brasil atingiu, na semana passada, o patamar
mais elevado desde o início de
1999, época da desvalorização do
real. Não é exagerado?
Sgard - É muito alto, estou de
acordo. O índice não reflete um
julgamento estrutural, sobre os
fundamentos econômicos. Estes
melhoraram bastante nos últimos
anos, desde 1994. Houve reformas
importantes, e o país mostrou que
era bem gerido do ponto de vista
macroeconômico. Então, o índice
não é um julgamento que diz que
o país esteja numa situação nigeriana. Ele aponta o princípio de
incerteza dos investidores.
Folha - Mas isso não acaba colocando em risco todo o conjunto da
economia?
Sgard - Claro. O problema agora
é que o aumento da taxa de risco
vai ter consequências no financiamento da dívida, que vai se elevar
bastante. Um déficit público pode
precipitar ainda mais a saída de
capitais. Isso já aconteceu em 1988
e 1989, quando taxas de riscos
muito elevadas provocaram um
crescimento do déficit orçamentário e uma inchação da dívida
pública.
Folha - O país não corre o risco de
sofrer um desastre econômico?
Sgard - Ainda não se chegou lá.
Depende de como tudo isso será
gerido, se o FMI estará presente,
se o Banco Central e o Ministério
da Fazenda terão como agir. Espero muito que consigam.
Folha - E se essa instabilidade se
prolongar até as eleições?
Sgard - É um tempo extremamente longo. O problema é que,
mesmo se não houver uma crise
maior, o crescimento da dívida
pública sempre limita fortemente
as margens de manobra de não
importa qual seja o presidente
que venha a ser eleito e que será
obrigado a começar fazendo uma
estabilização macroeconômica.
Folha - O que o candidato de esquerda deveria fazer para tranquilizar os investidores?
Sgard - A primeira mensagem a
passar é, evidentemente, em relação à dívida, de que não haverá
calote nem redução. Depois, que
os objetivos de déficit público e
inflação serão mantidos.
Folha - A crise brasileira pode levar o país a uma situação como a da
Argentina?
Sgard - Não do mesmo tipo. O
que houve na Argentina foi uma
crise monetária, antes de tudo. O
peso não é uma moeda que possa
sobreviver sozinha. É a morte do
peso que estamos assistindo agora. O real, por seu lado, funciona
bem. O Brasil não tem problemas
monetários, mas de finanças públicas e balanço de pagamentos.
Folha - O que está acontecendo
com a economia americana?
Sgard - Esperava-se que os EUA
tivessem uma retomada do crescimento, depois dos problemas
de 2001. Mas essa retomada não
aconteceu. Além disso, há um déficit em conta corrente muito
grande. Quer dizer, a possibilidade de um ritmo de crescimento
elevado, como em anos anteriores, está limitada agora pelo fato
de que o país precisa financiar um
déficit mensal entre US$ 30 bilhões e US$ 35 bilhões.
Folha - Quais as consequências
dessa estagnação dos EUA para o
mundo?
Sgard - Num primeiro momento, ela não incomodou realmente,
na medida em que nos últimos
anos o déficit americano e o seu
crescimento sustentaram a atividade na Europa e nas regiões
emergentes. A questão agora, no
entanto, é saber se estamos entrando numa fase em que haverá
uma forte correção na base do dólar, cujo resultado será reduzir o
déficit norte-americano.
Folha - O que se passará então
com a economia européia?
Sgard - No dia em que houver o
ajuste nos EUA, com a queda do
dólar, então haverá uma concorrência mais forte das exportações
americanas e um menor crescimento. Isso vai provocar ajustes
não desprezíveis na economia,
em particular na Europa, mas
também no Brasil.
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