São Paulo, quarta-feira, 23 de julho de 2008

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Brasil critica proposta dos EUA em Doha

Amorim diz que teto de US$ 15 bi a subsídios agrícolas é "insuficiente", mas Ministério da Agricultura brasileiro vê avanço

Com as negociações para avançar comércio mundial travadas, diretor da OMC muda formato da reunião ministerial em Genebra

Salvatore di Nolfi/Associated Press
Representante do Comércio dos EUA, Susan Schwab, defende proposta americana de corte de subsídios na reunião em Genebra

MARCELO NINIO
DE GENEBRA

Uma guerra de números tomou conta ontem do segundo dia da reunião considerada vital para destravar a Rodada Doha, da OMC (Organização Mundial do Comércio). Depois que os EUA anunciaram sua esperada proposta de redução dos subsídios agrícolas, o Brasil e outros países reagiram com frieza, apresentando seus próprios números para mostrar que o corte ainda representa avanço modesto.
Diante da falta de avanços, o diretor-geral da OMC, Pascal Lamy, decidiu mudar o formato da reunião por um dia. Hoje, os países se reunirão em grupos menores. "O encontro está em câmara lenta", disse o chanceler brasileiro, Celso Amorim.
Pela oferta feita pela representante do Comércio dos EUA, Susan Schwab, o país está disposto a fixar em US$ 15 bilhões o teto da ajuda aos fazendeiros. É quase o dobro do volume de subsídios pago pela Casa Branca em 2007, que o Itamaraty estima em US$ 8 bilhões. Além disso, fica do lado de cima do espectro previsto na proposta em discussão, entre US$ 13 bilhões e US$ 16,4 bilhões.
Apesar disso, Schwab anunciou a proposta como "um gesto significativo" e "de boa-fé". A delegação americana distribuiu gráfico mostrando que os subsídios dos EUA ultrapassaram o teto de US$ 15 bilhões em sete dos últimos dez anos. "É quase US$ 2 bilhões abaixo da média de subsídios concedidos nos últimos dez anos, de U$16,8 bilhões", disse Schwab.
Logo após o anúncio dos EUA, o G20, grupo de países em desenvolvimento liderado por Brasil e Índia, divulgou seu próprio gráfico, para mostrar a tendência de queda da ajuda concedida pelos EUA. Para o Itamaraty, não faz sentido estabelecer um teto baseado em médias antigas, quando a previsão é que os preços dos produtos agrícolas continuarão altos por anos, reduzindo assim a necessidade de subsídios.
Inicialmente, Amorim manifestou satisfação com o fato de os EUA terem dado o primeiro passo. Mas disse que a proposta é "insuficiente", não serve para desencadear uma "negociação séria" e sugere pouca ambição: "Os subsídios agrícolas determinam o nível de ambição da rodada. Ainda estamos em negociação, então pode ser que essa cifra não seja a final. Mas ela é duas vezes o que eles gastam hoje. Além disso, é US$ 2,5 bilhões mais alta do que a média de 2002 até 2008", disse.
Mesmo sem agradar aos países em desenvolvimento, Schwab deixou claro que exigirá contrapartida. "Essas reduções não estão sendo oferecidas isoladamente", disse a americana, que exigiu cortes maiores nas tarifas industriais dos emergentes. Ela também condicionou sua proposta a uma "cláusula da paz", em que os demais países se comprometam a não contestar os subsídios dos EUA nos tribunais da OMC.
Taciturno, o chanceler da Argentina, Jorge Taiana, demorou a reagir à proposta americana ao ser indagado pelos jornalistas quando chegou à OMC. "É decepcionante", disse o ministro. Após a reunião, Taiana disse não estar sozinho em sua avaliação: "Muitos países expressaram que a proposta é decepcionante."
Embora Amorim insista em que a posição do Brasil continua sendo a de buscar o teto mínimo incluído na proposta, de US$ 13 bilhões, o setor agrícola deu as boas-vindas à proposta dos EUA. Para o diretor de Relações Internacionais do Agronegócio do Ministério da Agricultura, Célio Porto, ela ao menos representa um limite para frear picos de subsídios no futuro e permite que um acordo seja fechado. "É melhor do que esperávamos", disse Porto, que está em Genebra acompanhando as negociações.
Para técnicos do ministério, mais importante que o teto de subsídios dos EUA é o máximo permitido aos quatro produtos que mais interessam ao Brasil, arroz, milho, soja e algodão. Na entrevista de ontem, Schwab não detalhou como sua proposta afetará produtos específicos.


Texto Anterior: Alexandre Schwartsman: Pense globalmente; aja localmente
Próximo Texto: Após 7 h sem avanços, OMC muda esquema
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.