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APOSTA PETISTA
Para obter superávit, governo segura R$ 500 milhões que deveriam ser repassados para projetos sociais
Ajuste fiscal retém até dinheiro da loteria
MARTA SALOMON
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
A cada R$ 1 arrecadado pelas loterias federais, mais de R$ 0,35 deveria financiar projetos nas áreas
de educação e cultura e no combate à violência. Seria uma bolada: nos primeiros dez meses do
ano, os apostadores deixaram nos
guichês das lotéricas quase R$ 2,8
bilhões, informa a Caixa Econômica Federal.
Desse total, a Caixa repassou ao
Tesouro Nacional pouco mais de
R$ 1 bilhão, sem contar o Imposto
de Renda. E chegaram ao destino
final até a primeira semana de novembro R$ 471 milhões, o equivalente a R$ 0,17 de cada R$ 1 dos
apostadores. A diferença -mais
de R$ 500 milhões- ajudou o governo a fazer superávit primário,
a economia de gastos que indica a
capacidade do governo de pagar a
dívida pública.
Como resultado, faltou dinheiro
para a implantação do sistema de
informações penitenciárias, o reaparelhamento de prisões, a modernização de bibliotecas públicas, a preservação do patrimônio
histórico, a construção de quadras em escolas e o financiamento
a universitários.
Dados do Siafi (Sistema Integrado de Administração Financeira)
mostram que os valores pagos pelo Fundo Penitenciário Nacional
até o último dia 7 correspondem a
25% da previsão de gastos com o
dinheiro das loterias no ano.
O Fundo de Financiamento ao
Estudante do Ensino Superior
dispôs de 37%. O Fundo Nacional
de Cultura teve o pior desempenho: menos de 15% do que o Orçamento de 2003 lhe reserva por
conta das apostas.
Esses fundos têm, nas leis que os
criaram, a garantia de receber
uma parcela do que os apostadores arriscam nas loterias federais.
O dinheiro, teoricamente, não poderia ser usado em outra coisa. A
Caixa arrecadou mais com suas
nove loterias do que a previsão
feita no Orçamento para 2003.
Mas os fundos gastaram menos.
Fundo fictício
"Se houvesse mais dinheiro,
mais projetos seriam executados", diz o novo diretor do Departamento Penitenciário do Ministério da Justiça, Clayton Nunes. O déficit do sistema penitenciário é de 108 mil vagas.
O secretário-executivo do Ministério da Cultura, Juca Ferreira,
também se queixa. "A gente não
vê a cor desse dinheiro. Queremos discutir um caminho para
blindar nosso fundo, que hoje é
fictício."
Leonel Cunha, que administra o
Fies, observa que o dinheiro das
loterias não chega completamente ao fundo criado para financiar
estudantes pobres em universidades privadas da mesma forma que
as demais receitas vinculadas do
Orçamento. Isso por conta da
DRU (Desvinculação de Receitas
da União), destinada a dar mais liberdade de gastos ao governo.
O Fies financia quase 300 mil
alunos. A maioria vive em famílias com renda entre três e cinco
salários mínimos.
No caso do Funpen, não é a primeira vez que o dinheiro serve para fazer superávit. Uma inspeção
feita pelo TCU (Tribunal de Contas da União) sobre as aplicações
do fundo entre 1994 e 1998 mostrou que cerca de 30% do dinheiro ficou no Tesouro Nacional.
A própria Secretaria do Tesouro
informou, em nota técnica, que
deixou de transferir ao fundo até
dezembro de 2000 quase R$ 206
milhões -mais de 35% do que
havia sido arrecadado ou o suficiente para abrir vagas para 11 mil
presos no sistema.
Uma ação proposta pelo procurador Marlon Weichert, do Ministério Público Federal em São
Paulo, garantiu temporariamente
o desbloqueio da verba, mas a liminar foi cassada no ano passado
a pedido da União.
Em 2002, de acordo com o Siafi,
pouco mais de metade dos projetos do Fundo Penitenciário que
seriam bancados com dinheiro
das loterias teve o dinheiro liberado até o fim de ano.
Neste ano, os mais de R$ 500
milhões de diferença entre o que a
Caixa Econômica Federal repassou ao Tesouro e o que saiu de lá
para despesas que esse dinheiro
deveria pagar ajudaram o país a
produzir um superávit primário
além do necessário.
Até setembro, o governo central
havia economizado R$ 39,4 bilhões para o pagamento de juros
da dívida, o equivalente a 3,05%
do PIB (Produto Interno Bruto, a
soma de todas as riquezas produzidas no país). Acima, portanto,
da parcela da meta de superávit
primário que cabe ao governo
central, de 2,45% do PIB. O restante do esforço de economia cabe às empresas estatais, aos Estados e municípios.
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