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Explosão de crédito é receita para problema, diz Moody's
ÉRICA FRAGA
DA REPORTAGEM LOCAL
A combinação da expansão entre 20% e 25% das carteiras de
empréstimos dos bancos com o
crescimento de 3% a 4% do PIB
(Produto Interno Bruto), em
2004, pode resultar em problemas
para o país. A opinião é de Celina
Vansetti, analista-chefe de análise
do sistema financeiro do Brasil na
Moody's, uma das principais
agências de classificação de risco.
"Isso seria, historicamente ou
tradicionalmente, receita para
problema, porque você tem um
crescimento de crédito três ou
quatro ou cinco vezes maior que o
crescimento do PIB", diz Vansetti, brasileira, 43 anos, seis deles na
Moody's em Nova York e, anteriormente, outros 16 no Citibank.
Segundo Celina, outro ponto
fraco dos bancos é a excessiva dependência das receitas conseguidas com o financiamento do governo federal. Causa até das baixas notas ("ratings") das instituições nacionais em relação às obtidas em outros países. A maior
parte dos bancos brasileiros tem
nota B3 pela Moody's, nível considerado altamente especulativo e,
portanto, arriscado.
"Se num determinado momento você tem uma dança de cadeiras e o governo pára a música, alguém pode ficar sem cadeira",
afirma a economista.
A seguir, leia a entrevista que
Vansetti concedeu à Folha por telefone na semana passada:
Folha - A Moody's melhorou há
pouco a perspectiva de nota dos
bancos brasileiros. Por quê?
Celina Vansetti - Na verdade, foi
uma inversão do que tínhamos
feito em outubro do ano passado,
quando reduzimos o "rating"
(nota) de fortaleza financeira dos
bancos e ainda colocamos um
"outlook" (perspectiva) negativo
porque achávamos que poderia
haver alguma instabilidade e, portanto, algum efeito nos balanços.
Enfim, é sempre aquela história
que a gente sabe: no final das contas, os bancos brasileiros sempre
conseguem gerenciar a situação de forma
que acabam sendo rentáveis,
não importa o
cenário. Mas,
naquele momento, a incerteza era muito
grande.
Agora em outubro, embora
não tivéssemos
certeza sobre
possíveis mudanças no humor do mercado, decidimos
que fazia sentido
voltar o "outlook" a estável.
Folha - Mas as
notas continuam mais baixas que
antes de outubro de 2002...
Vansetti - Exato. Só o "outlook"
foi revertido. As notas continuam
no nível mais baixo em que foram
colocados em outubro de 2002.
Os "ratings" estão mais alinhados com um cenário mais tranquilo, mas que pode apresentar
instabilidade. Isso não é dependente dos méritos e dos esforços
do país em si, mas dos efeitos externos que fogem do controle do
sistema bancário ou do governo.
Folha - Em junho, um relatório do
FMI (Fundo Monetário Internacional) classificou o sistema bancário
brasileiro como um oligopólio pouco eficiente. A sra. concorda?
Vansetti - Para nós, o que pesa,
no caso dos bancos brasileiros, é a
receita da tesouraria, que até faz
parte da receita operacional. É
uma receita mais volátil e que, no
caso dos bancos brasileiros, tem
sido sustentada. Os bancos brasileiros sempre fizeram muito dinheiro financiando o
governo porque, na
verdade, o governo
precisa ser financiado. Mas, para
nós, a qualidade
dessas receitas é
questionável, no
sentido de que você
tem hoje uma relação muito próxima
entre sistema bancário e governo.
É um círculo vicioso, no qual o governo paga altas taxas que alimentam
a rentabilidade do
sistema bancário,
mas que se, num
determinado momento, você tem uma dança de
cadeiras e o governo pára a música, alguém pode ficar sem cadeira.
O governo tem, continuamente,
rolado a sua dívida, mas, num cenário de estresse total, em que isso
poderia não acontecer, você teria
uma grande dependência do sistema financeiro.
Nenhuma das agências dá notas
altas ao sistema brasileiro porque
existe uma limitação em relação a
isso. A qualidade da receita é o
ponto mais importante que deveria ser questionado.
Folha - Qual o futuro do sistema
bancário caso se mantenha esse
atual cenário de queda dos juros?
Vansetti - É o redirecionamento
dos esforços para o negócio de
empréstimos. As receitas de tesouraria tendem a cair. O que você vê, por enquanto, é uma contrapartida de crescimento das receitas de serviços. Em relação às
receitas de crédito, isso ainda não
está acontecendo, porque o aumento de demanda ainda não
aconteceu, mas é grande a expectativa do sistema bancário.
Os grandes bancos estão esperando crescimento de 20% a 25%
de suas carteiras no próximo ano.
É um número muito grande se
você considerar que o PIB vai
crescer de 3% a 4%. Isso seria, historicamente ou tradicionalmente,
receita para problema, porque você tem um crescimento de crédito
três ou quatro ou cinco vezes
maior que o crescimento do PIB.
Mas, por outro lado, você está
crescendo em bases muito baixas.
Nós estamos falando de um país
no qual os empréstimos representam 25% do PIB, contra 60% no
Chile e quase 100% nos Estados
Unidos. Há muito espaço para
crescer, mas o crescimento rápido
pode causar problemas.
Folha - A sra. diz isso por causa da
inadimplência?
Vansetti - É, mas acho que os
bancos estão mais preparados e
sabem fazer melhor o seu trabalho do que em 95 e 96.
Folha - Os bancos conseguem sobreviver a juros muito baixos?
Vansetti - É questão de testar. O
que já vimos nos primeiros três
trimestre deste ano é que precisamos estar preparados para níveis
de rentabilidade mais baixos. As
margens financeiras de 10% dos
bancos brasileiros são muito altas.
Isso não é comum nos sistemas
bancários em que a intermediação financeira é o grande negócio.
Se você olha o sistema americano,
o índice é de 3%, 4%.
No caso do Brasil, essa receita
existe porque os depósitos baratos são investidos a uma taxa de
retorno muito alta, paga pelos títulos públicos. Com certeza, à
medida que os
juros caiam, esse
espaço tende a se
achatar. Qual é o
limite? Isso tem
de ser visto de
instituição a instituição.
Esperamos é
que esses 10%,
11% até 12% de
margem financeira líquida que
os bancos têm
apresentado nos
últimos anos se
reduzam para
níveis mais próximos aos de sistemas financeiros que não têm
essas distorções
de rentabilidade.
Folha - Como ficam os bancos menores nesse cenário?
Vansetti - Você tem alguns bancos que são realmente bancos
porque fazem intermediação financeira ou cujo negócio predominante é a carteira de empréstimos. Esses bancos vão sofrer um
pouco, mas a saída para eles é fazer mais empréstimos.
Bancos que são pequenos e que
fazem mais um negócio de investimento do que de carteira comercial podem ter mais dificuldades.
Nós vimos há alguns anos uma
série de bancos cuja mortalidade
acabou sendo grande porque o
negócio deles era fazer dinheiro
em cima de oportunidades que
começaram a desaparecer. Podemos ver um novo processo dessa
natureza. Não descartaria uma
nova rodada de consolidação.
Folha - A existência de um sistema financeiro muito concentrado
não é ruim para o governo, na medida em que ele passa a ter pouca margem de manobra?
Vansetti - Acho
que sim. No ano
passado, vimos essa demonstração
de poder muito
grande dos bancos.
Você tem os bancos
puxando, justamente, aquilo que o
governo tem como
seus maiores desafios, que são a taxa
de juros e a taxa de
câmbio.
Os bancos puxam
para o seu lado e
forçam o governo
a, em situações de
estresse, ter de elevar essas taxas de
tal maneira que isso é, justamente,
o que poderia levar o governo a
ter de decretar uma reestruturação de pagamentos da dívida.
Por isso que, de uma certa maneira, é um círculo vicioso, porque os bancos puxam por isso e o
governo acaba tendo de ceder pela pressão que os bancos fazem,
dado o poder de carregar 30%, em
média da dívida pública.
Mas, por outro lado, o governo
também poderia se quisesse demonstrar poder.
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