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LIÇÕES CONTEMPORÂNEAS
A retomada do crescimento
ALOIZIO MERCADANTE
O governo do presidente Lula assumiu a direção do país
em uma conjuntura extremamente complexa e difícil devido ao
agravamento dos desequilíbrios
estruturais que, acumulados nas
áreas externa e fiscal ao longo dos
últimos anos, foram levados a níveis extremos pela crise cambial,
deflagrada a partir de abril de
2002, e às incertezas do período
eleitoral.
Esse legado do governo anterior
reduziu fortemente as opções de
política e o raio de manobra da
nova administração. Como ensina
a experiência, não há saída fácil
para crises dessa natureza e magnitude. Foi necessário adotar, com
grandes sacrifícios para a população, medidas duras direcionadas
a reverter a crise cambial, a controlar a inflação, a reorganizar as
finanças públicas e a restaurar a
credibilidade externa do país.
Apesar das fragilidades ainda
existentes, os avanços realizados
são notáveis: a cotação do dólar
caiu acentuadamente, estabilizando-se em torno de R$ 3; o risco-país despencou de 2.400 para menos de 800 pontos; restabeleceram-se os fluxos de financiamento externo às empresas -o coeficiente
de rolagem das dívidas, que tinha
caído abaixo de 20% ao final de
2002, nos últimos meses tem sido
superior a 100%; o país voltou a
colocar títulos soberanos, alongando o perfil da dívida externa; o
déficit nas transações correntes
caiu do patamar de US$ 17 bilhões
para um saldo positivo de US$ 1,3
bilhão nos últimos 12 meses, mercê
do aumento recorde do saldo da
balança comercial propiciado pelo
crescimento de 24% das exportações nos sete primeiros meses de
2003; a dívida pública líquida caiu
de 62,2% em outubro de 2002 para
55,4% do PIB em junho passado; e
a inflação, que havia superado a
casa dos 30% ao final de 2002,
mostra queda consistente em todos os seus índices, com taxas inferiores a 7% nas projeções para 12
meses.
O controle das variáveis críticas
-a taxa de inflação e o coeficiente de rolagem da dívida externa-
permitiu três reduções consecutivas da taxa básica de juros, a última das quais de 2,5 pontos percentuais, a maior desde 1999, apontando o início de uma nova política econômica, voltada para a reativação da economia e para a expansão do emprego. Além dos programas sociais inovadores e das
políticas implementadas em outras esferas -como a renegociação das dívidas dos assentados da
reforma agrária e dos produtores
familiares, que beneficiou mais de
825 famílias, a disponibilização de
R$ 5,4 bilhões para o financiamento da agricultura familiar, a
expansão de 26% no crédito para
a agricultura comercial-, isso envolve ações, várias das quais já em
execução, em vários planos interligados.
O primeiro deles é o barateamento e a ampliação do crédito à
produção e ao consumo não só pela redução dos juros básicos e do
"spread" bancário como mediante
um conjunto de outros mecanismos, como o microcrédito, a criação de linhas de financiamento
para os aposentados a taxas reduzidas, o estímulo à formação de
cooperativas de crédito e a abertura de linhas especiais no BNDES
para as pequenas e médias empresas.
Um segundo plano de atuação é
a desoneração, temporária e condicionada à sustentação do emprego, e o seu repasse para os preços dos produtos de setores com alto grau de complexidade e integração na cadeia produtiva, como
a indústria automobilística, e das
linhas de produção de bens populares de consumo de massa -eletrodomésticos, móveis e material
de construção etc.
Igualmente importante é a gestão da política cambial com vistas
à preservação da competitividade
da produção nacional e a consolidação da trajetória de expansão
das exportações, essenciais para a
redução da vulnerabilidade externa e para a estabilização da economia a médio prazo. O país conseguiu acelerar notavelmente suas
exportações em 2003 em um cenário internacional marcado pela retração econômica, o que é indicativo da magnitude do esforço que
vem sendo realizado. Sua continuidade, no entanto, poderia ser
ameaçada por uma valorização
excessiva do real.
Por último, o crescimento sustentável da economia brasileira,
em condições de permitir o equacionamento dos seus graves problemas sociais, depende essencialmente da retomada do processo de
investimento, de modo a sair dos
baixos níveis atuais, da ordem de
14% do PIB (a preços de 1980), para patamares de, pelo menos,
20%. Os projetos estruturantes incluídos no PPA e na programação
do BNDES, o programa de parceria com o setor privado e as ações
de coordenação de investimentos
à escala regional (Mercosul e Grupo Andino, por exemplo) são peças essenciais para avançar em direção a esse objetivo. Mas existem
outros fatores relevantes que podem limitar ou alavancar esse esforço. Um deles é a eventual renovação do acordo com o FMI.
O Brasil deu, ao longo de 2003,
uma demonstração de capacidade
e responsabilidade na gestão de
uma situação de extrema dificuldade. Superada a crise, o país tem
todas as condições para se transformar em um caso exemplar para
os países em desenvolvimento. O
momento é, portanto, oportuno
para que o FMI, que vem de uma
experiência de fracassos recorrentes na aplicação de políticas restritivas do crescimento, possa, através de uma parceria com o governo brasileiro, dar uma nova dimensão a sua missão institucional. O Brasil quer mudar e seu êxito pode ser também o êxito do
FMI. Mas, para isso, é necessário
flexibilizar as condicionalidades
que limitam o investimento.
É essencial para o Brasil, dispor
de maior flexibilidade em pelo
menos quatro aspectos principais:
a exclusão dos investimentos das
empresas estatais da contabilidade do gasto fiscal, o rebaixamento
dos tetos impostos ao sistema público de financiamento para a implementação de programas de infra-estrutura e outras atividades
básicas nos Estados e nos municípios, a diminuição das restrições à
expansão do crédito interno global e o aumento da capacidade de
endividamento dos entes federativos adimplentes.
Esses aspectos são vitais para
viabilizar a convergência entre as
políticas de preservação da estabilidade e de retomada do crescimento econômico, sem o que não
há solução sustentável para os
problemas do país.
Aloizio Mercadante, 49, é economista e
professor licenciado da PUC e da Unicamp, senador por São Paulo, secretário
de Relações Internacionais do Partido
dos Trabalhadores e líder do governo no
Senado Federal.
Internet: www.mercadante.com.br
E-mail -
mercadante@senador.gov.br
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