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"Maldição do petróleo" é perigo político
Projeto brasileiro precisa obter o consenso das forças políticas para evitar situações como as de Bolívia e Nigéria, diz pesquisador
Para professor da UFRJ, ainda há muito o que ser feito antes da criação de estatal para administrar os ativos do petróleo, como na Noruega
DA SUCURSAL DO RIO
O engenheiro e economista
Adilson de Oliveira, professor
da Universidade Federal do
Rio de Janeiro, tem vasta experiência na pesquisa de assuntos energéticos. Foi consultor do Banco Mundial, da
OEA (Organização dos Estados Americanos) e da Eletrobrás. Nos últimos meses, ao
lado dos pesquisadores do
grupo de Energia da universidade, esteve debruçado sobre
as estatísticas da Petrobras. E
chegou à conclusão de que a
importância da estatal para a
economia brasileira deverá
crescer ano a ano -mas não a
ponto de prejudicar os outros
setores econômicos. Ele avalia que os perigos estão longe
das estatísticas, mas muito
perto das decisões políticas.
FOLHA - O que representará a expansão da Petrobras no conjunto
das riquezas nacionais?
ADILSON DE OLIVEIRA - Mais do
que os percentuais estimados
na pesquisa, o importante é a
trajetória. No cenário que considero mais pessimista, em que
o preço do barril de petróleo
cai para cerca de US$ 80, a participação da Petrobras na economia brasileira irá dobrar em
uma década. Já a partir de
2010, devemos passar a ser exportadores. Isso tudo coloca
uma série de questões importantes. Precisamos definir, por
exemplo, se queremos refinar
aqui para vender produtos de
maior valor agregado, o que
exigirá investimentos pesados.
FOLHA - Como vê o que os especialistas chamam de "maldição do petróleo"?
OLIVEIRA - Quando se fala em
"maldição do petróleo", há vários aspectos a analisar. Do
ponto de vista econômico, é
uma referência à tal da "doença
holandesa". No aspecto político, abrange uma gama maior de
fatores, circunstâncias e exemplos históricos.
FOLHA - A "doença holandesa"
preocupa?
OLIVEIRA - Não acho que ameace. A expansão da Petrobras e
de toda a indústria do petróleo
deverá ser monstruosa nos
próximos anos. Mas digamos
que, sozinha, a Petrobras chegue a 10% do produto nacional:
mesmo assim, será um percentual compatível com o resto, se
pensarmos no conjunto. O Brasil tem um parque industrial
forte, diversificado e que conseguiu se modernizar nos últimos anos. Fora isso, temos um
agronegócio fortíssimo. E álcool. Ou seja: da soja e do álcool
aos aviões da Embraer.
FOLHA - E a maldição política?
OLIVEIRA - Essa é a minha grande preocupação. Compreende
diversas situações: governos
autoritários, corruptos, graves
conflitos regionais. Um exemplo é o da Nigéria [grande produtor de petróleo e marcado
por instabilidade política]. Ou
mesmo da vizinha Bolívia, dividida entre as regiões ricas em
hidrocarbonetos [petróleo e
gás], que são prósperas, e as
sem os recursos naturais, pobres. Há muitos outros exemplos de desorganização política
derivada da briga pelos recursos do petróleo. Aliás, numa escala menor, é o que já aparece
entre nós nessa discussão dos
royalties entre Estados e municípios. Evidentemente, estamos bem distantes do cenário
de outros países, mas é com ele
que precisamos ter cautela.
FOLHA - E quais seriam as ações
preventivas?
OLIVEIRA - É preciso ter em
mente o seguinte: esse é um
projeto para ser desenvolvido
em 30 anos, não é algo para ser
sacramentado de uma hora para outra. Não pode ser tarefa de
apenas um governo. E, dentro
da perspectiva de um governo,
é desejável que obtenha consenso das forças políticas. Estamos em um momento similar
ao do início da década de 50,
quando mesmo a UDN [partido
político que fazia oposição ao
governo de Getúlio Vargas]
apoiou a criação da Petrobras.
É preciso pensar numa perspectiva de toda a sociedade.
FOLHA - Mas isso leva tempo...
OLIVEIRA - Mas é o preço a pagar. O governo precisa fazer
uma espécie de "livro branco",
explicando o quadro completo
do pré-sal, para que a sociedade faça suas escolhas. Sem isso,
acho que é cedo para tomarmos decisões sobre as reservas.
FOLHA - Nesse sentido, como vê a
criação de uma nova estatal para
administrar as áreas do pré-sal?
OLIVEIRA - O risco é o poder de
decisão ficar na mão de poucos.
Independentemente de outra
condicionante, é o que devemos evitar. Pelo volume de recursos envolvidos. Pela possibilidade de se criarem as condições para que um grupo pretenda se perpetuar no poder.
FOLHA - Fala-se muito no exemplo
da Noruega, que criou uma estatal.
OLIVEIRA - Lá o que se faz é a
gestão financeira de ativos do
Estado, dos ativos financeiros.
A Petoro, a estatal, administra
a riqueza do petróleo. Mas há
outros órgãos, controles. Não
podemos esquecer que a Noruega é um país parlamentarista. Então, a Petoro obedece ao
governo, mas o governo obedece ao Parlamento. É uma situação distinta da brasileira. E veja bem: lá não há licitações. As
empresas privadas são chamadas a participar da exploração
sob determinadas condições. E
é um regime de concessão.
FOLHA - Seria cedo para adotar o
modelo norueguês?
OLIVEIRA
- Temos muita coisa a
fazer. Esses recursos são propriedade da nação, que poderá
canalizá-los para setores e atividades. Fala-se em educação, o
que evidentemente será bem-vindo. Precisamos também desenvolver toda a cadeia produtiva do petróleo, os fornecedores de equipamentos e serviços
de apoio à exploração, áreas em
que somos dependentes. E é isso que criará os empregos de
qualidade aqui no país. Ou seja,
há muita coisa pela frente. O
debate está só começando.
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