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LUÍS NASSIF
A dama do luar
Acabo de receber o CD "Quixote" (Eldorado), de Renato
Braz, resultado de sua vitória como Melhor Intérprete do Prêmio
Visa deste ano. Um trabalho impecável do nosso maior cantor. Mas,
quando cheguei à faixa 12 e ouvi
"Onde Está Você", de Oscar Castro
Neves e Luverci Fiorini, a lua que
entrava pela sacada do apartamento da rua Rio de Janeiro tornou-se mais linda.
Começava pela voz de Renato e
por um arranjo de piano e cordas
de Laércio de Freitas, meu amigo
"Tio", o mais bonito arranjo que
ouvi para uma das mais belas músicas brasileiras de todos os tempos.
Subitamente, cala-se o mundo
para abrir espaço para a voz da intérprete original, Alaíde Costa, a
grande dama do luar. A voz está
um pouco trêmula, mas inteira para os 67 anos de carreira impecável. "Hoje a noite não tem luar / já
não sei onde te encontrar / pra dizer como é o amor / que tenho prá
lhe dar".
E dali fui transportado para as
serestas e violões da minha adolescência, para os sonhos que sonhávamos tocando na varanda de casa, com vistas para a igreja de São
Benedito, olhando o luar de Poços,
mas imaginando quantas maravilhas havia para depois das montanhas, naquela São Paulo enigmática ou naquele Rio de mil fantasias,
que abrigavam entre seus prédios
preciosidades como a voz de Alaíde cantando Castro Neves, João
Donato, Tom Jobim.
A sexta edição de "A Música Brasileira do Século, por Seus Autores
e Intérpretes", a obra magistral do
Sesc de São Paulo, produzida por
meu amigo Pelão, traz um CD com
Alaíde, reproduzido dos programas de Fernando Faro. Aí, a noite
fica completa.
Dos anos 50 para cá, o país conviveu com uma constelação de
cantoras e estilos. Houve as intimistas, da bossa nova; as semidramáticas do samba-canção; as sambistas. No campo romântico-sofisticado, houve três imbatíveis, Elizeth Cardoso, Nana Caymmi e
Alaíde. E uma que não perseverou
na carreira-solo: Inhana, da dupla
Cascatinha-Inhana.
Alaíde nasceu em 1935, no Méier.
Em 1957 gravou seu primeiro 78
rpm pela Odeon, com a canção
"Tarde Demais", de Hélio Costa e
Anita Andrade. Pouco depois, despertou a paixão do maior amante
brasileiro, o poeta Vinicius de Moraes, que deu a lapidação que faltava àquela jóia de subúrbio.
Em 1962 estourou no histórico
show "O Fino da Bossa", no Teatro
Paramount, com uma interpretação consagradora de "Onde Está
Você", que saltou direto das ruas
da Brigadeiro Luiz Antonio para
todo o país. Com Alaíde, a música
encontrou a intérprete ideal. Seu
estilo de interpretação derivava de
uma escola vocal influenciada pela
música negra norte-americana,
que tinha como principais seguidores no Brasil Johnny Alf, Alaíde e
Agostinho dos Santos.
A voz é delicada, límpida, mas
com recursos vocais que extrapolam em muito o intimismo da bossa nova. Alaíde modula a voz de
uma maneira como só encontrei
em outras duas grandes damas da
música, Madalena de Paula e
Betty Carter, um modo de usar o
diafragma que faz a voz sair das
entranhas para jorrar límpida e
colorida como uma fonte de água
luminosa de Poços de Caldas.
Depois do grande sucesso inicial,
Alaíde desapareceu por alguns
anos, por problemas de audição.
Retornou em 1972, cantando "Me
Deixa em Paz", no histórico "Clube
da Esquina", de Milton Nascimento e turma. Em 1995, com o pianista João Carlos Assis Brasil, lançou
um CD de altíssima qualidade,
com canções brasileiras, que é um
de meus discos prediletos.
Logo mais, na noite de sábado
desta São Paulo às vezes enluarada, estarei no sarau mensal na casa da minha amiga Lígia. Dali, farei o percurso inverso. Ouvirei
Alaíde e o Tio, talvez o Renato
Braz, e, contemplando os luares de
Santo Amaro, em São Paulo, voltarei a lembrar dos luares que não
voltam mais da minha adolescência. E pedirei "Morrer de Amor",
da mesma dupla de "Onde Está
Você", um clássico que não chegou
a acontecer. Então, voltarei de novo para a varanda de minha casa,
para a vista da serra de São Domingos e para o violão que derramava gotas de ouro daquela música por nossos corações adolescentes: "Andei sozinho / cheio de mágoas / pelas estradas de caminho
sem fim".
E-mail - LNassif@uol.com.br
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