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LUÍS NASSIF
A greve dos jornalistas
Outro dia o presidente Lula
se lembrou da greve dos jornalistas de 1979. Mas, se conhece
algo, é só a história oficial, porque
a verdadeira se manteve em sigilo
nesses anos todos, por um pacto
de sangue de todos nós que participamos dela, pelo justo receio de
que os pósteros desmoralizassem
nosso ardor cívico.
Aquele ano começou quente.
Lula havia aberto o caminho libertário comandando as greves
do ABC. Depois do início, cada
categoria que tivesse hombridade
teria que fazer a sua grevinha, senão passava por pusilânime.
Em 1978 houve um pré-ensaio
com a greve da Abril. Tive minha
participaçãozinha no episódio,
mas juro por Deus que, na greve
dos jornalistas, no ano seguinte,
fui conduzido.
Tinha acabado de sair da "Veja" por uma proposta no "Jornal
da Tarde". Aproveitei o intervalo
entre um emprego e outro para
convidar o velho Dagô, pandeirista e dono do bar do Alemão, para
irmos a Belo Horizonte tocar choro com meu primo Oscar. Quando voltei, o movimento já estava
embalado. Não tinha mais do que
duas semanas de "JT" quando a
greve estourou.
Foi uma greve meio estranha
desde os primeiros dias. No segundo dia, a greve esquentou. Fizemos piquete na Folha e lembro
até hoje estar de braços dados
com Ângela Ziroldo e Maria do
Carmo Mayrink na primeira fila,
pegando no pé do Lalau, agente
do Dops. Na última fila, um amigo revolucionário cantava o Hino
Nacional e empurrava os colegas.
E a gente lá na frente, de nariz enfiado na barriga de um policial
gigantesco que afastava a aglomeração e berrava: "Cuidado
com as moças, cuidado com as
moças". Para mim sobrou um
spray nos olhos que ardeu pra
burro.
Não podíamos enfrentar a repressão sem planejamento. Da
nossa turma, quem mais tinha
prática de guerrilha era o Antonio Carlos Fon, o Fonzito, que assumiu o comando das operações.
Calejado em missões perigosas,
ele juntou um grupo de voluntários, combinou um local secreto
para nos encontrarmos. Entramos em um carro com ele carregando um saco misterioso. Foi
dando ordens para o colega que
dirigia e, de ordem em ordem, fomos parar em uma rua, no trajeto
por onde passariam os caminhões
do "Estadão". Fonzito era imbatível no planejamento.
Quando o primeiro caminhão
apontou na esquina, Fon ordenou que o motorista começasse a
andar na frente, abriu o saco e...
apareceram batatas. Nos entreolhamos, com a ignorância de
quem nunca tinha sido guerrilheiro. Eram batatas-minas, explicou ele. Em cada uma havia
um prego de três pontas enfiado.
Jogando a batata, alguma lei dialética da física manteria o prego
para cima e furaria pneu até de
carroceria Trivelatto.
Olhamos com admiração para
o nosso estrategista. Sentado no
banco de trás, Fon ia afinando a
mira, mandando o motorista ir
um pouco mais para a esquerda,
um pouco mais para a direita, até
que, quando achou que o caminhão estava na mira, ordenou ao
nosso lança-batata-mina, o Zuba, que arremessasse o primeiro
petardo. Zuba abriu a porta do
banco da frente e deixou a batata-mina rolar para o asfalto.
Tivemos que interromper a batalha por trinta minutos até conseguir trocar o pneu de trás do
carro, que passou por cima da batata-mina antes do caminhão do
"Estadão".
Nessa troca, perdemos o comboio de vista, e Fon decidiu montar uma reunião de emergência
na praça do estádio do Pacaembu. Nem me lembro do meio de
comunicação utilizado porque,
naqueles tempos, não existia o celular. Mas era eficiente porque,
pouco antes da meia-noite, a praça tinha uns 20 voluntários
aguardando as novas instruções.
Aí começaram a aparecer uns
fuscas envenenados, com umas
antenas enormes, de uns taxistas
que estavam começando a trabalhar com serviços de rádio e, de
noite, se divertiam trocando mensagens e marcando encontros.
Mas quem ia lá saber que essas
modernidades já estavam disponíveis para civis e, além do mais,
taxistas? Fonzito deu o alarme: "É
a repressão! Vamos disfarçar!".
Não sei de onde, apareceu uma
bola de futebol, e ficamos lá, os 20
marmanjos fazendo embaixada
até que os boys do táxi se mandassem.
Ainda vou escrever uma trilogia
sobre o tema.
E-mail - Luisnassif@uol.com.br
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