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ARTIGO
Exterior não explica perda de empregos nos EUA
GUY DE JONQUIERES
DO "FINANCIAL TIMES"
Dois temores estão alimentando a revolta nos Estados Unidos
sobre a terceirização "offshore",
que levou o Senado a rejeitar recentemente contratos federais para empresas que executam o trabalho no exterior. Ambos os temores são extremamente exagerados, e as premissas que os sustentam, amplamente falsas.
Um temor é que países de baixo
custo como a Índia, que fornecem
a clientes norte-americanos serviços que vão desde centros de
atendimento telefônico até software, são os culpados pela recuperação sem empregos ("jobless
recovery"). O outro é que os empregos de colarinho-branco de todo tipo agora estão ameaçados.
Não se sabe exatamente quantos empregos do setor de serviços
foram para o exterior. Mas até as
estimativas mais alarmantes sugerem que, na tecnologia da informação, a indústria estratégica
norte-americana por excelência,
eles representam no máximo 10%
do emprego total. Algumas estimativas do setor situam o índice
em menos de 2%.
Os números são vagos em parte
porque os empregos criados no
exterior não equivalem aos empregos perdidos no país. Em uma
economia dinâmica, as mudanças
tecnológicas e a pressão para reduzir custos causam contínuas
perdas de empregos. A internet já
está suplantando muitas funções
de centros de atendimento, e os
computadores estão ficando mais
inteligentes para escrever códigos
de software. Grande parte do emprego nessas atividades nos Estados Unidos provavelmente nunca
voltará da Índia.
Como salientou Catherine
Mann, do Instituto para Economia Internacional, muitas medições de perda de empregos nos
Estados Unidos também são exageradas porque se baseiam nos
níveis de emprego de 2001, época
do pico do boom das "pontocom". Mas várias categorias de
desenvolvimento de software hoje empregam mais pessoas do que
em 1999, um ano de crescimento
menos febril, mas ainda pujante.
Além disso, o superávit norte-americano no setor de serviços
continuou crescendo.
No entanto as preocupações
reais são sobre o futuro, e não a
respeito do passado. Existem inúmeras advertências de que a perda de empregos vai se estender
além da área manufatureira
-grande parte da qual as empresas norte-americanas mandaram
para o exterior a partir dos anos
80-, para ocupações qualificadas de todos os tipos em escritórios. Seria uma espécie de "esvaziamento" que os Estados Unidos
jamais enfrentaram.
Aparências
Muito se falou sobre uma previsão da Forrester Research de que
3,3 milhões de empregos norte-americanos em serviços irão para
o exterior até 2015 e sobre uma estimativa da Universidade de Berkeley de que a terceirização "offshore" ameaça 14 milhões de empregos de colarinho-branco.
Mas essas perdas são muito menos drásticas do que parecem: entre 7 milhões e 8 milhões de empregos norte-americanos desaparecem rotineiramente a cada três
meses. Na década de 90, a destruição passou quase despercebida
porque um número ainda maior
foi criado para substituí-los.
Ah, sim, respondem os apocalípticos, mas as coisas são diferentes hoje porque a nova concorrência se baseia não apenas em baixos custos mas em educação e
qualificação. A Índia, dizem eles,
com sua abundância de pessoas
talentosas e motivadas, logo estará rivalizando com a supremacia
norte-americana em inovação
tecnológica.
É verdade que mais empresas
sediadas nos EUA estão mandando ao exterior o trabalho de desenvolvimento de produtos. Mas
isso não é novidade. Líderes da indústria de TI (tecnologia da informação), como a International Business Machines e a Microsoft, fazem isso há anos, sem efeitos perversos evidentes para a economia
norte-americana ou para sua supremacia tecnológica.
O que os pessimistas não vêem é
a importância crucial do estímulo
do mercado em inovação lucrativa. O "empurrão" tecnológico por
si só é um míssil desgovernado,
como demonstraram as tentativas fracassadas da Europa de impulsionar suas indústrias de alta
tecnologia subsidiando a pesquisa e o desenvolvimento.
Nesse placar, as companhias
norte-americanas têm duas vantagens estratégicas enormes: o estímulo comercial oferecido pelo
mercado interno de maior demanda no mundo e uma capacidade de servi-lo de maneira rentável que é difícil de imitar. Em contraste, a proteção, a super-regulamentação e a concorrência fraca
tornaram os serviços de todos os
tipos de setores mais atrasados
nas economias em desenvolvimento. Enquanto essa deficiência
existir, as empresas desses países
acharão difícil se desenvolver
muito além da subcontratação.
A verdade sobre o problema do
mercado de trabalho nos Estados
Unidos não é que os estrangeiros
estejam destruindo o emprego:
ironicamente, a histeria sobre a
terceirização no exterior coincidiu com uma queda constante do
índice de corte de empregos nos
últimos nove meses. O problema
é que os Estados Unidos não estão
criando um número suficiente de
novos empregos de qualidade.
Não se pode acusar as empresas
norte-americanas de contratar
novos recrutas no exterior, às custas de empregos domésticos. O
verdadeiro motivo é que, desde o
fim da última recessão, mais de
dois anos atrás, a produtividade
norte-americana aumentou muito mais rapidamente que a demanda. Enquanto as empresas
puderem operar de modo rentável com a capacidade existente,
terão pouco incentivo para investir em expansão ou recrutar novos funcionários.
Trabalhadores e políticos ansiosos deveriam parar de procurar
conspirações internacionais que
tentam minar o padrão de vida
americano. A explicação para seu
mal-estar está muito mais perto
de casa. Nas palavras do slogan da
campanha vitoriosa de Bill Clinton para a eleição presidencial de
1992: "É a economia, idiota".
Tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves
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