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"FASE DOIS"
Orientação dará ênfase à exportação e à substituição de importações para reduzir a dependência de capitais externos
Governo quer estimular consumo dos pobres
MARTA SALOMON
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Depois de radicalizar, nos cinco
primeiros meses de mandato, a
receita de juros altos e cortes de
gastos públicos que tanto havia
criticado, o presidente Luiz Inácio
Lula da Silva colocou no papel as
bases do novo modelo econômico
com o qual pretende marcar seu
governo.
É uma combinação de estímulo
às exportações, à substituição de
importações e ao aumento do
consumo dos mais pobres. Na
equação, cabe ao Estado "papel
decisivo".
O documento "Orientação estratégica de governo", distribuído
na segunda-feira, durante a última reunião ministerial, é bastante
diferente do texto divulgado em
abril pelo ministro Antonio Palocci Filho (Fazenda) com destaque para o ajuste das contas públicas, embora não descuide da
estabilidade macroeconômica
(controle da inflação e aperto nos
gastos), apontada como "elemento central" do projeto de desenvolvimento.
Em 27 páginas, o novo documento abre espaço a uma outra
corrente do pensamento econômico, tradicionalmente mais afinada com o PT, que defende a
ação mais agressiva do Estado no
combate à vulnerabilidade externa.
Em resumo, o país precisa exportar muito para depender menos do capital externo, atraído à
custa de juros altos. E o Estado deve mobilizar seus recursos, ainda
que escassos, para estimular exportações e a substituição de importações.
É o que fará a política industrial
-uma espécie de tabu entre economistas liberais. No documento
de Palocci, há uma menção ligeira
à política industrial à altura da página 74. Seis páginas depois, já
próximo do fim, o texto ataca a
concessão de benefícios tributários, que consumirão neste ano
quase R$ 24 bilhões, e classifica de
"aspecto distorcivo do sistema tributário" um dos mecanismos que
o governo cogita agora no desenho da política industrial.
Opção pelos exportadores
O novo documento diz claramente que é papel da política industrial escolher setores exportadores, que substituam importações e com elevado nível de utilização de capacidade. Eles serão
apoiados com incentivos fiscais e
crédito favorecido pelas instituições oficiais, como o BNDES
(Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social).
A intenção do governo é discutir o texto até o final do semestre.
Ele será a base do próximo PPA, o
Plano Plurianual de investimentos para o período de 2004 a 2007.
Uma primeira tiragem de 10 mil
exemplares do texto já foi encomendada, e a íntegra está no site
www.planejamento.gov.br.
Faltam indicações claras no texto sobre o roteiro da transição entre a atual política econômica e o
novo modelo, em qual momento
haverá a mudança para qual Lula
foi eleito, quando vai começar a
chamada "fase dois". Mas, para o
modelo começar a girar, não há
mágica: os juros precisam cair.
Disputa por renda
As linhas gerais da "Orientação
estratégica" recuperam o documento elaborado em 2001 pelo
Instituto da Cidadania, organização não-governamental comandada por Lula na época. Referências ao "esgotamento" do modelo
neoliberal desapareceram por
motivos óbvios.
Ele restabelece uma tensão histórica entre os chamados desenvolvimentistas e os fiscalistas. Durante os oito anos de mandato do
presidente Fernando Henrique
Cardoso, o segundo grupo ganhou a disputa. Nos primeiros
meses de governo Lula, mantiveram igualmente posição de destaque, para agonia da professora
Maria da Conceição Tavares e outros economistas do partido.
Embora a política industrial e a
participação estatal sejam os temas que levantam mais divergências entre os dois grupos, uma das
originalidades da "Orientação estratégica" é apostar no mercado
interno e, sobretudo, no consumo
dos pobres como "mola" do projeto de desenvolvimento.
"A definição de políticas voltadas à expansão da renda e do consumo dos mais pobres a um ritmo
superior ao do crescimento da
renda e do consumo dos mais ricos é um dos pontos centrais da
agenda do novo governo", diz o
texto.
O economista Antonio Barros
de Castro, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, foi quem
primeiro falou nisso, em 89. "É
um mercado gigantesco", argumenta. No cenário atual, porém,
ele acha "impossível" que o consumo dos mais pobres cresça ao
mesmo tempo que os investimentos e os saldos comerciais. "Espero que o consumo já tenha caído o
suficiente, mas não vai poder aumentar nos próximos dois ou três
anos", advertiu.
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