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"FASE DOIS"
Segundo ministro, "em vez de o banqueiro ter um lucro de dez, vai ter de oito"; trabalhador ganharia a diferença
Nova estratégia só virá após queda dos juros, diz Mantega
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
A "fase dois" da política econômica do governo ainda não tem
data para começar, mas depende
da queda dos juros, diz o ministro
Guido Mantega (Planejamento),
encarregado de coordenar a redação do documento "Orientação
estratégica de governo".
"A "fase dois" pode começar a
qualquer momento, quando a inflação estiver debelada e o Copom
chegar à conclusão de que é possível baixar os juros", disse o ministro na manhã seguinte à reunião
do Comitê de Política Monetária
do Banco Central que manteve a
taxa básica em 26,5% ao ano.
(MARTA SALOMON)
Folha - Quando essa orientação
estratégica sairá do papel?
Guido Mantega - O modelo de
certa forma já está sendo posto
em prática e a política industrial
talvez seja a parte mais complexa.
Mas, por esse documento, fica
claro que uma das prioridades é
diminuir a vulnerabilidade externa, o que significa que a política
industrial vai ter de estimular o
setor exportador e a substituição
de importação. Além de medidas
gerais, vamos priorizar alguns setores. Se a prioridade é aumentar
o saldo comercial, os setores que
respondem a essa prioridade serão estimulados com incentivos
fiscais, com créditos favorecidos
pelos bancos públicos. O BNDES
[Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social] já está
cuidando disso.
Sem atacar a vulnerabilidade
externa, pode até haver crescimento, mas será ilusório. Dá uma
acalmada no mercado internacional, sobra crédito, aí vem dinheiro
para o Brasil. Mas aí há uma turbulência lá fora, escasseia o dinheiro e vamos para o chão de novo. Corremos o risco de acreditar
que o problema está superado,
mas, se bobear, volta tudo de novo. O Estado tem de atuar. E outra
prioridade é a infra-estrutura, um
grande gargalo para qualquer
crescimento mais ambicioso.
Folha - Mas como se faz isso com
uma meta de superávit primário de
4,25%, que neste ano bloqueou
72% dos investimentos neste ano?
Mantega - Atraindo capital privado também. Significa que temos inicialmente poucos recursos, mas vamos direcionar.
Folha - O que faz o governo apostar, neste momento, num consumo
de massa para basear um projeto
de desenvolvimento?
Mantega - Olha, o consumo de
massa é a realização de um crescimento sustentado de outra natureza daquele que foi implantado
no Brasil no passado. Já tivemos
aqui períodos de grande crescimento econômico, porém era
com concentração de renda.
Folha - Como vai haver aumento
do consumo dos mais pobres se o
quadro atual mostra uma queda no
rendimento? Se há dificuldade para gerar emprego para quem não
tem qualificação e se falta dinheiro
para ampliar os programas de
transferência de renda?
Mantega - O período de curto
prazo é um período de restrição.
Esse projeto de consumo de massa é o objetivo que se quer alcançar, não é uma meta de curto prazo. O ponto de partida tem os
constrangimentos que você mencionou. A questão é como sair
desses constrangimentos e é claro
que, se não tiver uma mudança da
política monetária, que se dará no
tempo certo, portanto a queda da
taxa de juros, a retomada do investimento e uma aceleração do
PIB não acontecerão.
Folha - Sem a queda dos juros,
nada feito? A fase dois é para depois?
Mantega - Temos o detonador
do processo, que é esse: a redução
nas taxas de juros, que permite a
retomada do investimento, que
dá aumento do PIB e aumento do
emprego, que leva ao aumento de
renda. Mas já estou dando de barato que isso vai ser reduzido. Fizemos uma previsão na LDO [Lei
de Diretrizes Orçamentárias] de
juro real de 8,5% em 2004. A fase
dois pode começar a qualquer
momento, quando a inflação estiver debelada e o Copom concluir
que é possível baixar os juros.
Folha - Como o governo fará para
expandir o consumo dos mais pobres e segurar o dos mais ricos?
Mantega - Não é que o governo
vai querer diminuir o consumo de
quem ganha mais. O que aconteceu no Brasil nesses anos todos é
que os aumentos de produtividade, que são a mola do capitalismo,
são apropriados pelo setor dominante. Então cabe ao Estado utilizar instrumentos fiscais, tributários e sociais que permitam mudar essa lógica. Em vez de o banqueiro ter um lucro de dez, vai ter
um lucro de oito e esses dois vão
passar para os trabalhadores. Isso
se dá por aumento espontâneo de
salário, aumento do salário mínimo, o direcionamento dos recursos do governo para os segmentos
de mais baixa renda. Então o Estado faz redistribuição de renda.
Folha - Será uma intervenção do
Estado como nunca houve no país?
Mantega - No passado, o Estado
teve um papel de direcionamento
bastante profundo, digamos. Não
é exatamente isso o que faremos.
Será uma política menos dirigista,
intervencionista do que houve
aqui no passado. O governo militar escolhia empresa por empresa, e a gente não quer escolher
empresa, quer escolher setor.
Folha - Nem quando o governo
decide que vai estimular o consumo de massa?
Mantega - Nesse sentido, sim. É
beneficiar toda a população da
classe média para baixo. Nesse
sentido, o Estado vai procurar dirigir mesmo. E vai procurar transferir renda dos setores mais ricos
para os setores mais pobres. E vai
estimular os setores que geram
mais emprego, que são a pequena
e média empresa.
Folha - O documento tem aprovação do governo inteiro ou de uma
ala mais "desenvolvimentista"?
Mantega - Esse documento é um
documento de governo.
Folha - Ele concilia a corrente que
defende um ataque mais contundente à vulnerabilidade externa e
quem acha que o ajuste fiscal é o
mais importante?
Mantega - Esse é um falso dilema. Na verdade, existem dois problemas, gêmeos, que se geraram
mutuamente. O governo anterior
desequilibrou as contas externas,
criou um déficit em transações
correntes e aí tinha de atrair capital externo. Para isso criou uma
política monetária maluca e produziu um grande déficit. O desequilíbrio das contas externas
criou um desequilíbrio fiscal.
Folha - Qual dos dois documentos
traduz a política econômica do governo Lula? O que foi divulgado pela Fazenda, com prioridade à geração de superávits primários ou esse
último?
Mantega - São documentos com
objetivos diferentes. Aquele documento diz quais são as bases do
desenvolvimento sustentável e
não é um documento que tenha
sido discutido por todo o governo. Esse aqui é o projeto.
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