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CONSENSO CLONADO
Discurso do governo traz mesmas idéias do receituário renovado do Banco Mundial para os países emergentes
Lula reproduz nova agenda de Washington
GUSTAVO PATÚ
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Uma frase minúscula, que passou despercebida no discurso de
posse do ministro Antonio Palocci Filho (Fazenda), dava uma pista
preciosa sobre as origens da agenda que, com convicção surpreendente, o governo viria a abraçar:
"Instituições importam".
As duas palavras remetem a um
texto cujo título sintetiza com
perfeição o novo receituário do
mundo desenvolvido para os países ditos emergentes. Trata-se de
"Além do Consenso de Washington: Instituições Importam"
("Beyond the Washington Consensus: Institutions Matter"), publicado em abril de 2000 por dois
economistas do Banco Mundial.
Não é mera coincidência. Documentos e declarações da Fazenda
nos últimos meses reproduzem,
com grande similaridade de argumentos e até de palavras, estudos
e trabalhos produzidos nos últimos anos por organismos internacionais, particularmente o Banco Mundial, para a revisão dos
princípios lançados pelo Consenso de Washington no final da década de 80.
Levantamento feito pela Folha
mostra essa identidade em propostas como reformas do mercado de crédito e da Lei de Falências,
aperfeiçoamento do Judiciário,
autonomia do Banco Central, reforço da austeridade fiscal sem
aumento da carga tributária,
coordenação de políticas sociais e
a definição de regras transparentes e duradouras para a política
econômica (veja quadro ao lado).
Até a proposta de uma política
fiscal contracíclica (mais branda
em períodos de estagnação econômica), apresentada como uma
inovação pelo governo, aparece
num documento anterior do Banco Mundial.
Tudo isso se encaixa no tema
que é a obsessão da nova agenda
de Washington: as chamadas reformas de segunda geração -ou
reformas institucionais. O ideário
vem da constatação, no final dos
anos 90, de que cardápio anterior
de reformas -concentrado em
ajuste fiscal, privatização, abertura comercial e financeira- não
foi capaz de produzir crescimento
econômico e redução da pobreza
nas proporções desejadas.
Os exemplos mais claros de como as novas teses encontraram
acolhida no governo Lula estão
no documento lançado no mês
passado pela Fazenda com o título "Política Econômica e Reformas Estruturais" -que, aliás, repete a palavra "instituições" e
suas variações por 30 vezes ao
longo de suas 95 páginas.
"Um tema unificador das reformas propostas é a ênfase na importância do desenho institucional e legal para o adequado funcionamento dos mercados e das
políticas públicas", diz o texto.
"Consenso Ampliado"
Muito desse pensamento, como
é possível notar, já havia sido encampado no segundo mandato
de Fernando Henrique Cardoso
-coincidência ou não, depois do
acordo do país com o FMI. O próprio FHC também usou a expressão "instituições importam",
num discurso em 2000.
O surpreendente não é apenas a
adoção do receituário por Lula,
contrariando teses históricas do
PT e a tradicional antipatia, para
usar uma palavra suave, pelo FMI
e pelo Banco Mundial. O mais curioso é que o governo petista deu
consistência e organização inéditas no país ao que já foi denominado "Consenso Ampliado de
Washington".
No documento da Fazenda, que
até agora chamou mais a atenção
por causa das juras de estabilidade fiscal, estão reunidas todas as
principais preocupações apresentadas em trabalhos do Banco
Mundial nos últimos anos.
Há desde medidas prescritas
para os países emergentes em geral -como leis de falência que
protejam direitos dos credores e
evitem o fechamento de empresas
viáveis- como voltadas especificamente ao Brasil.
Juros altos
Um exemplo da sintonia é um
documento elaborado em janeiro
pelo organismo, prenunciando o
que o governo só poria em papel
timbrado três meses depois: "Brasil: Estabilidade para o Crescimento e a Redução da Pobreza"
("Brazil: Stability for Growth and
Poverty Reduction").
Do texto constam a necessidade
de manter juros altos por enquanto, de aperto do ajuste das contas
públicas por meio de corte de gastos, as linhas para uma reforma
tributária e a política fiscal contracíclica.
É claro que o trabalho contou
com a colaboração de especialistas brasileiros e membros do governo -o próprio Banco Mundial relata isso, mas afirma que as
idéias ali expostas são "exclusivamente" do organismo.
A colaboração entre estudiosos
do Brasil e do organismo não vem
de agora. As propostas assumidas
por Lula e Palocci já davam sinais
de vida em um documento produzido durante a campanha eleitoral, a "Agenda Perdida", pelo
Iets (Instituto de Estudos de Trabalho e Sociedade).
Do Iets, entidade financiada por
organismos internacionais, entre
eles o Banco Mundial, Palocci recrutou o principal formulador de
sua equipe, o secretário de Política Econômica, Marcos Lisboa,
um dos coordenadores da "Agenda Perdida".
Cenário sombrio
Há quem defenda que a nova
agenda de Washington representa uma revisão do neoliberalismo
dogmático do consenso original,
por rejeitar fórmulas iguais para
todos os países, buscar uma agenda social unida à econômica e ser
influenciada pelas críticas de economistas dissidentes, como Joseph Stiglitz, ex-economista-chefe do Banco Mundial.
Em termos: o novo pensamento
reconhece falhas no anterior, mas
seu grau de divergência é muito
mais suave do que, por exemplo,
o apresentado pela escola desenvolvimentista latino-americana.
No atacado, continua-se basicamente confiando nas virtudes de
um mercado livre e um Estado
disciplinado.
O que mudou drasticamente, de
fato, foi a conjuntura internacional. Se o Consenso de Washington ganhou força num cenário de
otimismo, crescimento acelerado
e fartos fluxos de capital externo,
as reformas de segunda geração
apareceram à medida que o mundo caminhava para um cenário de
crise -é sintomático que uma de
suas preocupações principais seja
com novas leis para as falências.
Em outras palavras: antes, o espírito da coisa era permitir que os
países atrasados pegassem carona
numa onda de prosperidade; agora, trata-se de preveni-los contra
mais turbulências.
O documento de janeiro do
Banco Mundial sobre o Brasil é
explícito: "Essas reformas, desejáveis por si mesmas nos campos da
equidade e da eficiência, aumentariam decisivamente as chances
de estabilidade, mesmo em circunstâncias adversas, e acelerariam a transição para eliminar a
vulnerabilidade. Eventos recentes
serviram como um alerta sombrio dos perigos de choques macroeconômicos inesperados".
Entende-se, com isso, a prudência do governo Lula, amparado
no receituário e nos US$ 30 bilhões do FMI para garantir o fechamento das contas do país. As
promessas de crescimento, porém, continuam no capítulo da esperança.
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